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Tréplica: Preposto do iFood foge do debate técnico

O artigo original não continha ataques à empresa iFood, que, como qualquer outra organização que emprega e gera valor, é merecedora de respeito

iFood: bolsas de entregadores são recicladas (iFood/Divulgação)
iFood: bolsas de entregadores são recicladas (iFood/Divulgação)
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Opinião

Publicado em 13 de janeiro de 2021 às, 11h01.

Um preposto do iFood, Sr. Diego Barreto, respondeu de forma insultuosa um artigo que publiquei neste espaço sobre as práticas anticompetitivas nas plataformas digitais, mostrando como prejudicam o mercado, especialmente em meio à crise da Covid-19.

O artigo original não continha ataques à empresa iFood, que, como qualquer outra organização que emprega e gera valor, é merecedora de respeito. O texto criticava determinadas práticas de mercado, que, em um sistema democrático e de boa governança corporativa, devem estar sujeitas ao debate técnico, civilizado e transparente.  Em vez de rebater os pontos levantados, o Sr. Diego Barreto optou por fazer ataques pessoais com a indisfarçável (e inútil) intenção intimidatória.

O artigo original continha dois pontos principais sobre os quais o Sr. Diego Barreto tergiversou. Primeiro, empresas com clara posição dominante em um determinado mercado devem ser proibidas de adotar contratos de exclusividade que inibam a entrada de concorrentes, sob pena de cometerem infração à ordem econômica.

A posição dominante do iFood no mercado de pedidos online parece indiscutível. As evidências disponíveis indicam uma concentração desse mercado no Brasil muito superior aos padrões internacionais. De acordo com dados mostrados em matéria da Exame IN, os três principais players detêm um mínimo de 89% do mercado, sendo que a empresa dominante, o iFood, teria algo em torno de 75%. Isso resultaria em um HHI (Índice Herfindahl-Hirschman, indicador usual de concentração em análise de concorrência) de 6.398, muito acima do patamar de 2.500, a partir do qual um mercado é considerado “altamente concentrado” pelos reguladores.

Diante das evidências, o Sr. Diego Barreto se furtou a responder, alegando que o assunto se encontra sob exame no âmbito do Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade). É uma desculpa esfarrapada. Os processos do Cade têm natureza pública e abordam temas de interesse geral que, respeitado eventual sigilo de determinadas informações, podem e devem ser debatidos à luz do dia. Adiar este debate em meio à incerteza da segunda onda do novo coronavírus coloca em risco milhares de empreendimentos e empregos.

Tampouco respondeu à alegação de que a doutrina e a jurisprudência nacional e internacional recomendam que em situações dessa natureza, de clara posição dominante de uma plataforma, os contratos de exclusividade sejam proibidos ou no mínimo sujeitos a minucioso escrutínio pelas autoridades.

O segundo ponto diz respeito às práticas discriminatórias contra restaurantes que não aderem à exclusividade com o iFood. O Sr. Diego Barreto alegou que a empresa teria investido R$ 200 milhões nos restaurantes da rede. O número em si não diz muita coisa sem especificar o período considerado e a evolução no tempo dos gastos. Nem é verificável, pois são informações indisponíveis em se tratando de empresa de capital fechado.

Mas o Sr. Diego Barreto apresenta outros dados reveladores que vão contra seus próprios argumentos. Alega, por exemplo, que “os índices de sobrevivência dos restaurantes que estão na base do iFood são de 2 a 6 vezes maiores do que a média do mercado”. Isso reforça o argumento de que, na crise sanitária, o delivery é a bóia de salvação, mostrando como deve ser mantido aberto sem as restrições inerentes aos contratos de exclusividade.

Em um mercado no qual o iFood é a empresa dominante, aderir a esta plataforma pode representar a única saída para milhares de restaurantes. Por isso mesmo, interessa ao bom funcionamento do mercado que não se feche a entrada para outras plataformas.

O Sr. Diego Barreto cita bons índices de satisfação do consumidor com os serviços do iFood. Mas a questão central é que com mais concorrência haveria melhores serviços. Mencione-se, ademais, que convenientemente, omitiu a condenação da empresa, em agosto deste ano, pelo PROCON-SP. Segundo comunicado da assessoria de comunicação da referida instituição, em 17 de agosto do ano passado, “o Procon-SP multou o iFood por má prestação de serviços, cláusulas abusivas e outras infrações ao Código de Defesa do Consumidor.”

A tentativa do Sr. Diego Barreto de desviar a atenção da questão central não pode prosperar. O que interessa para o consumidor é ter alternativas. É escolher o seu restaurante preferido e não aquele premiado pelas listas de busca do iFood. Por sua vez, os restaurantes querem ter a opção da melhor plataforma e não se verem forçados a serem exclusivos da rede dominante, ou falirem.

O Sr. Diego exalta o fato de o iFood ser uma empresa brasileira. Novamente foge da questão central dos malefícios da falta de concorrência e quase monopólio. Nacional ou estrangeira, a empresa deve respeitar os princípios da livre concorrência. De fato, a companhia nasceu brasileira, mas, acrescente-se, a título de transparência e prevenção de enganosidade, que, segundo a Bloomberg, o iFood hoje é controlado pelo grupo Prosus (55%), empresa baseada na Holanda com ações na Bolsa de Amsterdã – Euronext Amsterdam (AEX:PRX) – e também na de Johannesburg – Johannesburg Stock Exchange (XJSE:PRX).

A Prosus é controlada pelo grupo sul-africano de mídia e entretenimento Naspers. Fundado em 1915, o Naspers começou com um jornal impresso na África do Sul, ampliou os negócios para entretenimento e passou a investir em startups de tecnologia. De acordo com a Bloomberg, a Prosus está em conversações com a anglo-holandesa-americana Just Eat Takeaway para comprar sua participação de 33% no iFood. Se isso se concretizar, a Prosus passará a controlar quase 90% do iFood.

Apologético da nova economia, o Sr. Diego Barreto parece que ainda não se libertou dos maus e velhos hábitos do quase monopólio. Ninguém deseja impedir o iFood ou qualquer empresa de crescer e prosperar pelos seus próprios méritos. Mas na América do Norte, União Europeia e mesmo na Ásia, o recado dos reguladores é claro: não se pode usar este poder de mercado para sufocar a concorrência, ingrediente fundamental para geração de soluções inovadoras em benefício da sociedade e do bem-estar dos consumidores e dos cidadãos em geral.

*Gesner Oliveira é ex-presidente do CADE, professor da Fundação Getúlio Vargas e sócio da GO Associados