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Somente as reformas podem garantir a longevidade da OMC

Até o momento, a OMC apresentou poucos e desanimadores acordos dignos de nota, e seus membros geralmente concordam que a organização precisa de reformas

OMC: em maio, o diretor-geral Roberto Azevêdo anunciou que deixaria o cargo um ano antes do término de seu mandato. (Qilai Shen/Getty Images)
OMC: em maio, o diretor-geral Roberto Azevêdo anunciou que deixaria o cargo um ano antes do término de seu mandato. (Qilai Shen/Getty Images)
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Opinião

Publicado em 29 de junho de 2020 às, 15h22.

WASHINGTON, DC – A Organização Mundial do Comércio está na mídia mas principalmente por razões erradas nos dias hoje. Muitas pessoas consideram a OMC como um policial ineficaz com um manual de procedimentos desatualizado e inadequado para os desafios da economia global do século 21. E os membros da OMC geralmente concordam que a organização precisa de urgentemente reformas para permanecer relevante.

Os últimos meses trouxeram novos desafios. O órgão de apelação da OMC, que julga disputas comerciais entre países membros, deixou de funcionar em dezembro passado, em meio a desacordos sobre a nomeação de novos juízes para o painel. E em maio último, o diretor-geral Roberto Azevêdo anunciou que deixaria o cargo no final de agosto, um ano antes do término de seu mandato atual.

Quem quer que seja, o sucessor de Azevêdo enfrentará um grande desafio. Desde a sua criação em 1995, a OMC não conseguiu concluir uma única rodada de conversas sobre negociações comerciais globais, perdendo, assim, a oportunidade de oferecer mútuos benefícios aos seus membros. A Rodada de Desenvolvimento de Doha, iniciada em novembro de 2001, deveria ter sido concluída em janeiro de 2005.

Quinze anos depois, os membros da OMC ainda estão debatendo se o processo de Doha deveria continuar. Alguns acham que tal processo foi ultrapassado pelos eventos, enquanto outros querem implementar novas negociações.

A OMC até o momento apresentou alguns poucos e desanimadores acordos dignos de nota, além do Acordo de Facilitação do Comércio, que entrou em vigor em fevereiro de 2017 e da decisão de 2015 de eliminar todas as formas de subsídios à exportação agrícola. Enquanto isso, alguns de seus membros trabalharam em conjunto em alguns acordos comerciais regionais muito mais amplos que cobrem questões prementes, como economia digital, investimentos, competição, meio ambiente e mudanças climáticas.

A Rodada de Desenvolvimento de Doha, que pretendia modernizar o manual de procedimentos da OMC, envolve muito pouco desses tópicos. E mesmo algumas das atuais regras da organização podem ser facilmente contornadas, prejudicando o equilíbrio de direitos e obrigações entre os membros. Durante a atual crise do COVID-19, por exemplo, alguns países impuseram questionáveis controles ​​de exportação de suprimentos médicos e produtos alimentícios, a fim de mitigar a escassez.

Mas, apesar desses desafios, a OMC não foi bem um "fracasso". Ao contrário, baseou-se nos sucessos de seu antecessor, o Acordo Geral de Tarifas e Comércio (GATT) que entrou em vigor em 1948. O sistema multilateral de comércio baseado em regras que começou com o esse acordo contribuiu imensamente para o crescimento econômico global nas últimas sete décadas, reduzindo tarifas médias e eliminando barreiras não-tarifárias de modo constante.

Consequentemente, na maioria dos países o padrão de vida melhorou muito. Além disso, o comércio global baseado em regras ajudou a sustentar a paz e a segurança, porque os parceiros comerciais são mais propensos a resolver diferenças por meio de negociações do que por conflitos armados.

Não obstante, hoje os membros da OMC reconhecem a necessidade de reinicializar a organização no século 21. Os países desenvolvidos acreditam que têm arcado com o ônus da liberalização do comércio por tempo demais e os países em desenvolvimento devem assumir mais obrigações se estiverem em condições de fazê-lo. Enquanto isso, países menos desenvolvidos e os em desenvolvimento com baixa renda dizem que as regras da OMC estão dificultando seus esforços para crescer e modernizar suas economias.

Nas últimas duas décadas, o comércio internacional se transformou no bicho-papão dos críticos que o culpam pelos problemas econômicos que alguns países enfrentam. Mas o comércio não é um jogo de soma zero: direitos e obrigações podem ser equilibrados, como mostrou a evolução das regras comerciais globais e regionais desde 1948. A questão agora enfrentada pela OMC e seus membros, portanto, é de que modo progredir e alcançar acordos mutuamente benéficos.

Todos os membros deveriam participar desse empreendimento, porque essa é a única maneira de a organização recuperar sua credibilidade e desempenhar sua função de órgão decisor. As novas negociações devem, portanto, levar em conta os diferentes níveis de desenvolvimento econômico dos membros e almejar – como sempre – o atingimento de acordos justos e equitativos. Outras prioridades cruciais para a OMC incluem maior transparência, na forma de oportunas notificações das medidas comerciais dos países e um eficaz sistema de solução de controvérsias que comanda a confiança de todos os membros.

Uma OMC moribunda não serve ao interesse de nenhum país. Um sistema comercial internacional eficaz e baseado em regras é um bem público e o fracasso em revivê-lo prejudicará os esforços dos governos para retirar a economia global da recessão causada pela pandemia do COVID-19.

A OMC tem um papel insubstituível a desempenhar na transformação das perspectivas econômicas dos países e na vida das pessoas em todo o mundo. Embora a crise atual tenha colocado em foco a deterioração da saúde da organização, seu futuro declínio poderá ser evitado. Em uma economia mundial já ameaçada pelo COVID-19, devemos agora aplicar o antídoto – vontade política, determinação e flexibilidade dos membros – necessário para revivê-la.

Ngozi Okonjo-Iweala, ex-Diretora Gerente do Banco Mundial e ex-Ministra das Finanças da Nigéria, é Presidente do Conselho da Gavi, da Vaccine Alliance e enviada especial da União Africana ao COVID-19. Ela é uma ilustre bolsista da Brookings Institution e Líder Pública Global da Escola de Governança John F. Kennedy da Universidade de Harvard.