Exame.com
Continua após a publicidade

Só reformas, e pessoas, podem acordar o gigante

O único jeito de levar o Brasil adiante é simplificar e diminuir o Estado e investir na nossa gente

Brasil: "transformações no país são historicamente tímidas e lentas" (Rahel Patrasso/Reuters)
Brasil: "transformações no país são historicamente tímidas e lentas" (Rahel Patrasso/Reuters)
O
Opinião

Publicado em 26 de agosto de 2020 às, 21h54.

As transformações no Brasil são historicamente tímidas e lentas, porém hoje não se pode negar que o país tem avançado moderadamente com a aprovação de medidas e reformas que podem nos ajudar a sair da rota do atraso. Nos últimos anos, para citar só algumas, passaram a reforma trabalhista e a da Previdência, a PEC do Teto dos Gastos e a Lei de Responsabilidade das Estatais, entre outras providências capazes de permitir a construção de um país mais produtivo e menos desigual.

Duas reformas essenciais ainda estão por vir: a tributária e a administrativa. Com a primeira almejamos simplificar nosso ambiente de negócios, corrigir distorções e punir competidores desleais que usam a inadimplência fraudulenta para estrangular empresas honestas e onerar o Tesouro, prejudicando toda a sociedade. Já a reforma administrativa é fundamental para diminuir nosso Estado gigante e inerte em parte considerável das coisas nas quais se envolve. E, claro, para aumentar nossa produtividade e eficiência, ao mesmo tempo em que reduzimos a desigualdade causada pela existência, em pleno século 21, de uma parte da população que possui privilégios sem paralelo com o resto da sociedade e que não está exposta às regras de mercado, como a meritocracia e a não garantia de emprego.

Com exceção de um rol de empresas que seriam exemplo positivo em qualquer país do mundo, o Brasil patina demais em produtividade e eficiência. Vivemos numa bola de neve na qual cada vez mais recursos são absorvidos para pagar o salário de poucos, que produzem menos do que deveriam. O Estado contrata mal e não avalia desempenho. O resultado é o abismo que existe entre o custo e a qualidade do serviço público. Claro que há muitas exceções brilhantes. Gente altamente qualificada que opta pela carreira pública sem pleitear apenas a estabilidade, mas porque deseja trabalhar com afinco e excelência para tornar o país um lugar melhor. Esses profissionais também vão se beneficiar com reforma, porque os ótimos resultados que estão acostumados a entregar vão resplandecer ainda mais. Acontece em qualquer organização: bons profissionais são boicotados pelos ruins, porque estes não querem que a média suba. A diferença é que as organizações privadas reagem mais rapidamente para impedir isso. O mesmo precisa acontecer nas públicas.

Este ano, o Brasil ficou em 61º lugar em ranking de produtividade elaborado pela escola de negócios suíça IMD e a Fundação Dom Cabral. A lista completa tem 63 países. Só estamos à frente da Venezuela e da Mongólia. Pegamos a mesma posição em eficiência do governo. Em burocracia, amargamos o penúltimo lugar (62º). O ranking geral que consolida todos os demais é o de competitividade, no qual estamos em 56º. Em 2019 estávamos em 59º. Essa ligeira melhora certamente tem relação com parte das medidas que citei na abertura deste texto. Nosso maior salto foi em eficiência dos negócios – de 57º lugar para 47º. Também melhoramos uma posição em desempenho econômico (56º) e infraestrutura (53º), apesar de ainda estarmos lá no fundão.

Alguns números divulgados pelo Ministério da Economia são elucidativos deste desempenho que ainda é catastrófico. Entre os países da OCDE (Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico), da qual o Brasil ainda não faz parte, mas almeja fazer nos próximos anos, os três piores índices de déficit público são da Colômbia (4,8% do PIB), dos Estados Unidos (4,3%) e da Espanha (3%). O melhor desempenho é do Canadá, com apenas 0,1%. E o Brasil? Estamos com 7,8%.

Segundo estudo do Instituto Brasileiro de Planejamento Tributário (IBPT), o Brasil ocupa o 15º lugar entre os 30 países com maior carga tributária do mundo, no entanto está em último quando se trata de retorno em bem-estar para a população.

O Estado tinha participação em 698 empresas até 2018. Com as desestatizações de 2019 e 2020, baixou para 614. O caminho ainda é longo. As estatais que só sobrevivem graças a aportes da União entregaram um rombo de R$ 190 bilhões nos últimos 10 anos. O número de funcionários nessas empresas atingiu o ápice em 2014 – ao todo 552.856 pessoas. Houve uma redução para 476.698 no ano passado, o que renderá uma economia de R$ 35 bilhões em 10 anos, segundo a Secretaria de Coordenação e Governança das Empresas Estatais (Sest).

Diminuir o tamanho do Estado é fundamental para o país ser mais produtivo e obter uma melhora significativa nos rankings internacionais. Precisamos atacar nossos problemas centrais com transparência, velocidade e capacidade de execução. Precisamos simplificar processos e transformar boas intenções em ações. Nada melhor do que uma crise para fazer isso. Há a vontade da população em fazer. Temos um enorme grau de burocracia para vencer, mas há pelo menos um viés reformista no atual Congresso Nacional.

Somente com simplificação e desburocratização teremos chance de um futuro melhor. Mas isso não é tudo. Saltar das últimas colocações que ocupamos hoje para as vinte primeiras só ocorrerá se houver também uma revolução na nossa educação. Pois é justamente neste quesito, a educação, que em 2020 tivemos nosso pior desempenho na classificação da IMD, com um lamentável último lugar (63º). Possivelmente nenhuma outra área seja tão emblemática do mau uso de recursos no Brasil.

Sem educação de qualidade não vamos a lugar nenhum. A essência e a engrenagem de qualquer transformação são as pessoas. Elas estão na base de tudo. Seja num pequeno negócio que precisa se reinventar para sobreviver, seja numa corporação com milhares de funcionários, seja num país com dimensões continentais e complexidades desmedidas como o nosso.

Em boa parte do setor privado, esta já é a nossa principal preocupação, as pessoas. A pandemia mostrou que a habilidade de aprender nunca foi tão primordial. E ainda mais importante: a diversidade. Uma equipe plural representa não apenas um avanço cultural como sociedade, mas também se transforma em resultado. Quando juntamos o que é diferente, outras perspectivas são adicionadas, aprendemos uns com os outros, e isso faz com que o nosso conhecimento se amplie, refletindo em performance. Uma pesquisa conduzida pela plataforma californiana Cloverpop avaliou 600 decisões tomadas por 200 times de diferentes companhias e concluiu que equipes com diversidade de gênero tomam decisões melhores em 73% do tempo. O número sobe para 80% quando há o acréscimo da diversidade de idade. E para 87% quando, além de gênero e idade, há diversidade de região geográfica.

E nos serviços públicos? Sejam eles prestados pelo Estado ou não, é ilusão achar que este setor possa ser regido exatamente pelas mesmas regras que o privado, mas os princípios deveriam ser similares: fazer melhor, gerando mais benefícios para o meio ambiente e para a sociedade, e fazer mais barato, com mais eficiência. Portanto, sem a reforma administrativa e sem uma guinada na educação e um foco 100% voltado para a diversidade, avançaremos muito pouco.

*Luis Henrique Guimarães é presidente da Cosan.