Sete propostas para concretizar os novos desafios de Davos
Temos algumas propostas para colocar o modelo econômico vigente em um caminho melhor e dar ênfase à discussão
Da Redação
Publicado em 21 de janeiro de 2020 às 16h14.
DAVOS – A famosa reunião anual do Fórum Econômico Mundial deste ano se concentrará em como construir um mundo mais coeso e sustentável. Como sempre, o tópico é oportuno, mas também um pouco abstrato. Para ajudar a dar uma forma mais concreta, temos algumas propostas para colocar o modelo econômico vigente em um caminho melhor e dar ênfase à discussão.
Primeiro, é hora de revisar o código tributário dos EUA para reduzir a desigualdade estrutural de riqueza. Para esse fim, os Estados Unidos devem se livrar da lacuna de “juros transferidos” . Uma provisão que originalmente se destinava a incentivar investimentos de longo prazo tornou-se uma grande redução de impostos para financiadores que trabalham com capital privado e hedge funds. Embora a Lei de Cortes de Impostos e Empregos de 2017 tenha colocado algumas limitações nessa regra favorável às finanças, ela ainda está em vigor.
Da mesma forma, os Estados Unidos deveriam acabar com a lacuna “incremento da base de custos” , que se tornou uma maneira fundamental pela qual os ricos evitam impostos quando transferem sua riqueza a seus herdeiros. Como tal, permitiu que os ricos se tornassem dinásticos, minando o ostensivo compromisso dos EUA com a meritocracia.
Segundo, os Estados Unidos precisam desesperadamente fazer uma limpeza nos empréstimos para estudantes – um enorme fardo para os jovens – estabelecendo um crédito nacional nos moldes do que a Austrália tem feito. Na Austrália, um estudante toma emprestado o que precisa para financiar sua educação e o empréstimo é reembolsável a partir de uma proporção pré-determinada de sua renda resultante por uma quantidade de anos. Os alunos que se formam com renda resultante mais baixa pagam menos do que pediram emprestado, mas isso é compensado pelos que recebem mais. E os graduados que ingressam em certas formas de serviço público devem receber incentivos para o perdão da dívida.
Terceiro, precisamos alterar os relatórios corporativos para incentivar um raciocínio mais sustentável a longo prazo. O primeiro passo é acabar com a obsessão pelos lucros trimestrais. A busca das metas dos analistas financeiros a cada três meses distorce a maneira como CEOs e conselhos tomam decisões e prejudicam o raciocínio de longo prazo.
Por isso mesmo, as recompras de ações merecem atenção mais crítica. As empresas do S&P 500 agora usam rotineiramente lucros ou dinheiro emprestado para recomprar suas ações, em vez de investir em novas fábricas, linhas de negócios ou outros importantes gastos de capital. Nos últimos dez anos, cerca de US$ 5 trilhões foram gastos nesse método de aumentar os ganhos reportados por ação (e, portanto, o preço das ações). Os relatórios corporativos deveriam ser alterados para explicar claramente qual porcentagem do movimento no preço das ações é amplamente atribuída a recompras, e os conselhos e acionistas devem ajustar a remuneração dos executivos adequadamente.
Além disso, as empresas do mundo inteiro deveriam começar a relatar métricas de sustentabilidade. Relatórios corporativos influenciam o comportamento corporativo, mas as empresas geralmente precisam reportar apenas sua posição financeira, com base nos resultados auditados e nos padrões contábeis dos balanços. Isso deveria ser expandido para incluir métricas mais amplas das partes interessadas, como classificações de satisfação do cliente, pontuações de diversidade, emissões de carbono, doações para entidades beneficentes, doações políticas e a disparidade salarial entre executivos seniores e funcionários comuns. Deveriam ser criados conselhos para reportes de acionistas (órgãos com propósitos especiais, semelhantes aos do Conselho de Normas de Contabilidade Financeira) para supervisionar as convenções mundiais recém-acordadas para relatórios não financeiros.
Quarto, um acordo global para cobrar um imposto de 0,1% sobre transações financeiras, semelhante ao que é feito em Hong Kong, ajudaria a controlar o sistema financeiro. Um imposto sobre transações beneficia investidores de longo prazo em vez de especuladores de curto prazo, acrescenta atrito suficiente ao sistema financeiro para ajudar a reduzir bolhas e, mais importante, alinha melhor o custo de gerenciar o sistema para os que mais se beneficiam dele. De acordo com o Congressional Budget Office (CBO), um imposto de transação de 0,1% poderia produzir cerca de US$ 1 trilhão em receita extra necessária apenas nos EUA por mais de uma década.
Quinto, os países precisam aumentar os salários mínimos e indexá-los com a inflação. Nos EUA, um salário mínimo de US$ 15 por hora nacionalmente definido ajudaria a nivelar o campo de atuação e ajustá-lo automaticamente de acordo com o aumento do custo de vida beneficiaria a todos para acompanhar o ritmo. Segundo o Federal Reserve Bank de Chicago, essas medidas também aumentariam a demanda agregada na maior economia do mundo.
Sexto, é necessária uma revisão geral da contabilidade de renda nacional em todos os países. Desde que foi introduzido na década de 1940, o produto interno bruto assumiu status não oficial como a principal medida de bem-estar nacional. No entanto, quando o “progresso” é equiparado ao PIB, a formulação de políticas se torna um exercício para aumentar a renda nacional bruta, sem levar em consideração os correspondentes custos sociais ou ambientais. Novas métricas são necessárias para medir o lucro líquido do bem-estar.
A renda nacional deveria incluir os custos de externalidades, como degradação ambiental ou emissões de gases de efeito estufa (GEE). Assim mensurado, o lucro líquido refletiria com mais precisão o crescimento sustentável. Além disso, todos os países deveriam concordar com padrões comuns para incorporar outras medidas de progresso social. Isso pode incluir expectativa de vida, mortalidade infantil, detecção, prevenção e tratamento de doenças comuns. Emissões de GEE per capita, biodiversidade, aproveitamento escolar, níveis de tráfico humano, bem como conquista socioeconômica por gênero e grupos minoritários. As instituições de Bretton Woods poderiam pesquisar e desenvolver os novos padrões comuns de bem-estar nacional de que precisamos e apresentá-los através de suas publicações amplamente seguidas.
Por último, mas não menos importante, é necessário tomar medidas urgentes para lidar com as mudanças climáticas de maneira a compartilhar os custos de modo justo nos países e entre as gerações. As políticas de mitigação tem que ser atraentes. Os impostos sobre o carbono são necessários mas os subsídios também o são. De acordo com o Comitê Conjunto de Tributação dos EUA e o CBO, um imposto sobre emissão de carbono de US$ 25 por tonelada com aumentos anuais ajustados pela inflação de 2% poderia atingir US$ 1 trilhão nos EUA ao longo de uma década.
Faz sentido atribuir ainda mais do que esse valor para ajudar aqueles que foram prejudicados pelo imposto, principalmente as comunidades produtoras de carvão, petróleo e gás de hoje, bem como famílias com baixas ou modestas rendas atingidas pela tributação regressiva. Os subsídios podem assumir a forma de pagamentos em dinheiro, reciclagem profissional, novos projetos de infraestrutura e investimento em indústrias de energia alternativa nos “países do carvão e do petróleo”. É importante ressaltar que os subsídios devem ser maiores que as receitas fiscais de carbono. O aumento resultante da dívida nacional é justamente uma obrigação das gerações futuras, que se beneficiarão mais da transição para uma economia de baixo carbono.
Em suma, a política climática atual deve ter benefícios tangíveis para ser politicamente aceitável. Consideremos o seguinte: como o comércio eletrônico reduz a demanda por compras físicas, as comunidades devem comprar shoppings e lojas ociosas – novamente com dívidas a serem pagas pelas gerações futuras – e substituí-las por espaços verdes que capturem carbono.
Essas etapas práticas, em conjunto, ajudariam a realizar a visão de “capitalismo de acionistas” e sustentabilidade que Davos vem propagando há meio século.
* Alexander Friedman é cofundador da Jackson Hole Economics. Jerry Grinstein é ex-CEO da Delta Air Lines e da Burlington Northern Railroad. Larry Hatheway é cofundador da Jackson Hole Economics. Charles C. Krulak é ex-comandante do Corpo de Fuzileiros Navais dos EUA e presidente do Birmingham-Southern College.
DAVOS – A famosa reunião anual do Fórum Econômico Mundial deste ano se concentrará em como construir um mundo mais coeso e sustentável. Como sempre, o tópico é oportuno, mas também um pouco abstrato. Para ajudar a dar uma forma mais concreta, temos algumas propostas para colocar o modelo econômico vigente em um caminho melhor e dar ênfase à discussão.
Primeiro, é hora de revisar o código tributário dos EUA para reduzir a desigualdade estrutural de riqueza. Para esse fim, os Estados Unidos devem se livrar da lacuna de “juros transferidos” . Uma provisão que originalmente se destinava a incentivar investimentos de longo prazo tornou-se uma grande redução de impostos para financiadores que trabalham com capital privado e hedge funds. Embora a Lei de Cortes de Impostos e Empregos de 2017 tenha colocado algumas limitações nessa regra favorável às finanças, ela ainda está em vigor.
Da mesma forma, os Estados Unidos deveriam acabar com a lacuna “incremento da base de custos” , que se tornou uma maneira fundamental pela qual os ricos evitam impostos quando transferem sua riqueza a seus herdeiros. Como tal, permitiu que os ricos se tornassem dinásticos, minando o ostensivo compromisso dos EUA com a meritocracia.
Segundo, os Estados Unidos precisam desesperadamente fazer uma limpeza nos empréstimos para estudantes – um enorme fardo para os jovens – estabelecendo um crédito nacional nos moldes do que a Austrália tem feito. Na Austrália, um estudante toma emprestado o que precisa para financiar sua educação e o empréstimo é reembolsável a partir de uma proporção pré-determinada de sua renda resultante por uma quantidade de anos. Os alunos que se formam com renda resultante mais baixa pagam menos do que pediram emprestado, mas isso é compensado pelos que recebem mais. E os graduados que ingressam em certas formas de serviço público devem receber incentivos para o perdão da dívida.
Terceiro, precisamos alterar os relatórios corporativos para incentivar um raciocínio mais sustentável a longo prazo. O primeiro passo é acabar com a obsessão pelos lucros trimestrais. A busca das metas dos analistas financeiros a cada três meses distorce a maneira como CEOs e conselhos tomam decisões e prejudicam o raciocínio de longo prazo.
Por isso mesmo, as recompras de ações merecem atenção mais crítica. As empresas do S&P 500 agora usam rotineiramente lucros ou dinheiro emprestado para recomprar suas ações, em vez de investir em novas fábricas, linhas de negócios ou outros importantes gastos de capital. Nos últimos dez anos, cerca de US$ 5 trilhões foram gastos nesse método de aumentar os ganhos reportados por ação (e, portanto, o preço das ações). Os relatórios corporativos deveriam ser alterados para explicar claramente qual porcentagem do movimento no preço das ações é amplamente atribuída a recompras, e os conselhos e acionistas devem ajustar a remuneração dos executivos adequadamente.
Além disso, as empresas do mundo inteiro deveriam começar a relatar métricas de sustentabilidade. Relatórios corporativos influenciam o comportamento corporativo, mas as empresas geralmente precisam reportar apenas sua posição financeira, com base nos resultados auditados e nos padrões contábeis dos balanços. Isso deveria ser expandido para incluir métricas mais amplas das partes interessadas, como classificações de satisfação do cliente, pontuações de diversidade, emissões de carbono, doações para entidades beneficentes, doações políticas e a disparidade salarial entre executivos seniores e funcionários comuns. Deveriam ser criados conselhos para reportes de acionistas (órgãos com propósitos especiais, semelhantes aos do Conselho de Normas de Contabilidade Financeira) para supervisionar as convenções mundiais recém-acordadas para relatórios não financeiros.
Quarto, um acordo global para cobrar um imposto de 0,1% sobre transações financeiras, semelhante ao que é feito em Hong Kong, ajudaria a controlar o sistema financeiro. Um imposto sobre transações beneficia investidores de longo prazo em vez de especuladores de curto prazo, acrescenta atrito suficiente ao sistema financeiro para ajudar a reduzir bolhas e, mais importante, alinha melhor o custo de gerenciar o sistema para os que mais se beneficiam dele. De acordo com o Congressional Budget Office (CBO), um imposto de transação de 0,1% poderia produzir cerca de US$ 1 trilhão em receita extra necessária apenas nos EUA por mais de uma década.
Quinto, os países precisam aumentar os salários mínimos e indexá-los com a inflação. Nos EUA, um salário mínimo de US$ 15 por hora nacionalmente definido ajudaria a nivelar o campo de atuação e ajustá-lo automaticamente de acordo com o aumento do custo de vida beneficiaria a todos para acompanhar o ritmo. Segundo o Federal Reserve Bank de Chicago, essas medidas também aumentariam a demanda agregada na maior economia do mundo.
Sexto, é necessária uma revisão geral da contabilidade de renda nacional em todos os países. Desde que foi introduzido na década de 1940, o produto interno bruto assumiu status não oficial como a principal medida de bem-estar nacional. No entanto, quando o “progresso” é equiparado ao PIB, a formulação de políticas se torna um exercício para aumentar a renda nacional bruta, sem levar em consideração os correspondentes custos sociais ou ambientais. Novas métricas são necessárias para medir o lucro líquido do bem-estar.
A renda nacional deveria incluir os custos de externalidades, como degradação ambiental ou emissões de gases de efeito estufa (GEE). Assim mensurado, o lucro líquido refletiria com mais precisão o crescimento sustentável. Além disso, todos os países deveriam concordar com padrões comuns para incorporar outras medidas de progresso social. Isso pode incluir expectativa de vida, mortalidade infantil, detecção, prevenção e tratamento de doenças comuns. Emissões de GEE per capita, biodiversidade, aproveitamento escolar, níveis de tráfico humano, bem como conquista socioeconômica por gênero e grupos minoritários. As instituições de Bretton Woods poderiam pesquisar e desenvolver os novos padrões comuns de bem-estar nacional de que precisamos e apresentá-los através de suas publicações amplamente seguidas.
Por último, mas não menos importante, é necessário tomar medidas urgentes para lidar com as mudanças climáticas de maneira a compartilhar os custos de modo justo nos países e entre as gerações. As políticas de mitigação tem que ser atraentes. Os impostos sobre o carbono são necessários mas os subsídios também o são. De acordo com o Comitê Conjunto de Tributação dos EUA e o CBO, um imposto sobre emissão de carbono de US$ 25 por tonelada com aumentos anuais ajustados pela inflação de 2% poderia atingir US$ 1 trilhão nos EUA ao longo de uma década.
Faz sentido atribuir ainda mais do que esse valor para ajudar aqueles que foram prejudicados pelo imposto, principalmente as comunidades produtoras de carvão, petróleo e gás de hoje, bem como famílias com baixas ou modestas rendas atingidas pela tributação regressiva. Os subsídios podem assumir a forma de pagamentos em dinheiro, reciclagem profissional, novos projetos de infraestrutura e investimento em indústrias de energia alternativa nos “países do carvão e do petróleo”. É importante ressaltar que os subsídios devem ser maiores que as receitas fiscais de carbono. O aumento resultante da dívida nacional é justamente uma obrigação das gerações futuras, que se beneficiarão mais da transição para uma economia de baixo carbono.
Em suma, a política climática atual deve ter benefícios tangíveis para ser politicamente aceitável. Consideremos o seguinte: como o comércio eletrônico reduz a demanda por compras físicas, as comunidades devem comprar shoppings e lojas ociosas – novamente com dívidas a serem pagas pelas gerações futuras – e substituí-las por espaços verdes que capturem carbono.
Essas etapas práticas, em conjunto, ajudariam a realizar a visão de “capitalismo de acionistas” e sustentabilidade que Davos vem propagando há meio século.
* Alexander Friedman é cofundador da Jackson Hole Economics. Jerry Grinstein é ex-CEO da Delta Air Lines e da Burlington Northern Railroad. Larry Hatheway é cofundador da Jackson Hole Economics. Charles C. Krulak é ex-comandante do Corpo de Fuzileiros Navais dos EUA e presidente do Birmingham-Southern College.