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Que vença o maior!

Última rodada das oitavas de final da Taça Libertadores mostrou que está aumentando a distância que separa os clubes de seus rivais sul-americanos

Taça Libertadores: última rodada das oitavas de final mostrou que está aumentando a distância entre os clubes de seus rivais sul-americanos (Henry Romero/Agência Brasil)
Taça Libertadores: última rodada das oitavas de final mostrou que está aumentando a distância entre os clubes de seus rivais sul-americanos (Henry Romero/Agência Brasil)
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Opinião

Publicado em 13 de julho de 2022 às, 13h39.

Última atualização em 13 de julho de 2022 às, 14h00.

Por Claudio Pracownik, CEO da Win The Game, e J.R. Pisani, Reserch Associate na Win The Game

A última rodada das oitavas de final da Taça Libertadores mostrou mais uma vez que está aumentando a distância que separa os clubes de seus rivais sul-americanos. A classificação magra que o Atlético Mineiro, atual campeão brasileiro, arrancou contra o Emelec, líder na classificação geral do Campeonato Equatoriano em 2021 com 64 pontos em 30 jogos, pode até passar uma sensação de paridade entre o futebol brasileiro e outros rivais continentais.

Entretanto, a valente classificação do Athletico Paranaense, 7º colocado do Brasileirão frente ao Libertad, 2º colocado na tabela acumulada do campeonato Paraguai confirma a tese da qual o resultado do Galo (que, afinal, se classificou!) é apenas uma exceção.

O massacre flamenguista por 7x1 no jogo de volta contra o Tolima, e a superioridade técnica do Palmeiras ao longo da competição e que terminou com um saldo agregado de 8x0 contra o Cerro Porteño, mostram que existe algo além das quatro linhas que pende muito para o lado brasileiro na balança do futebol sul-americano.

Até a eliminação do Fortaleza, clube que se arrumou financeiramente e coroou temporadas recentes de gestão exemplar com a classificação pela primeira vez na sua história para a Libertadores, pelo Estudiantes da Argentina, equipe habituada à competição e que já levantou a taça em quatro ocasiões, reforça essa sensação de que os clubes brasileiros como um todo tem se desgarrado dos rivais na América do Sul.

Estatisticamente os clubes brasileiros já haviam começado a edição da Libertadores de 2022 com mais chances de levantar a taça, com o Brasil emplacando 9 das 47 vagas abertas desde as fases iniciais da competição, já que além das suas tradicionais 7 equipes, o nosso país abocanhou mais duas vagas por ser a casa do atual campeão da Libertadores e da Copa Sul-Americana.

Vale ressaltar que o segundo país com mais vagas no torneio foi a Argentina com 6 equipes, reforçando a nossa posição privilegiada entre os países que compõem a Conmebol. O Brasil, inclusive, manteve essa vantagem estatística em todas as fases da Libertadores:

  • Nas fases preliminares o país perdeu apenas uma vaga no revés do Fluminense para o Olimpia na terceira rodada eliminatória.
  • Na fase de grupos o Brasil faz prevalecer essa vantagem, com 8 equipes classificadas, no
    momento em que a competição toma seus contornos finais e reduz seus participantes a
    apenas 32 equipes.
  • Mais recentemente, o golpe final, ao classificar 6 equipes para as oitavas e 5 para as
    quartas de final.

É bem provável que matemáticos mais puristas torçam o nariz para os números acima, e eles terão razão, já que o mais indicado seria construir algo que levasse em conta o momento que cada equipe entra no torneio. Mas a proposta é apenas ilustrar quais as chances que cada membro da Conmebol tem de levantar a taça mais cobiçada do continente, e como ela se desdobra até a fase de grupos e ao longo da competição.

A imprevisibilidade do sorteio da fase final evitou confrontos brasileiros enquanto os argentinos, que também classificaram seis clubes para as oitavas, foram obrigados a assistir quatro dessas equipes duelarem entre si e permitir que só duas delas avançassem para as quartas de final. Se estatisticamente Brasil e Argentina começam à frente das demais confederações, já que todas as outras iniciam a competição com apenas 4 vagas cada, na fase de “mata-mata” a superioridade estatística ganha um catalisador importante: o fator econômico.

Evolução das receitas do futebol e tamanho do mercado brasileiro

Para entender como o fator econômico impacta nessa dinâmica é preciso voltar algumas casas e olhar como o futebol (e suas receitas) evoluíram ao longo do tempo. De forma bem resumida, podemos dizer que a partir da profissionalização do esporte entre as décadas de 1920 e 1940, a ligação entre o futebol e o mercado em que se encontrava passa a ditar o tamanho que cada clube viria a ter. De início, ter um estádio próprio passa a ser um diferencial para os clubes, porque permitia otimizar as despesas das partidas, aumentar a capacidade de arrecadação e assim arcar com os custos de uma equipe mais talentosa.

Em seguida, podemos notar um dos primeiros impactos macroeconômicos no futebol: quanto maior o tamanho da cidade ou da comunidade em que se encontrava, maior as chances de um clube cativar mais torcedores e colocar mais pessoas em suas partidas. Até esse momento, a vantagem financeira pesava em prol das equipes localizadas em grandes centros urbanos ou áreas industriais (alta densidade demográfica), características que podiam ser encontradas facilmente nas principais capitais da América do Sul.

Ter acesso a um estádio com grande capacidade de público, como um Monumental, um Centenário, um Maracanã ou um Defensores del Chaco, trazia certa homogeneidade entre os países da Conmebol para esse fator econômico.

Com a midiatização do futebol entre as décadas de 70 e 80, as limitações físicas e demográficas passam a não ter mais tanto valor. A capacidade do estádio passa a dividir espaço com a propensão do clube em ter seus jogos transmitidos em mais praças e, assim, conseguir mais dinheiro com os direitos de transmissão e, consequentemente, com publicidade. A chegada da televisão diversifica ainda mais as fontes de receitas dos clubes. É nessa época que começam a surgir as primeiras marcas estampadas na barriga dos uniformes, por exemplo.

Neste momento, a presença de um clube em Montevideo, Buenos Aires, Bogotá ou Rio de Janeiro passa a ser tão importante quanto estar em um país com 3,5, 45, 50, 200 milhões de habitantes, todos potenciais telespectadores. Engajar torcedores da sua cidade ou estado para uma final de campeonato no seu estádio, passa a ser tão importante quanto ter seu jogo exibido em outras dez grandes cidades do país com população acima de 1,5 milhão de habitantes. É onde os números de audiência (e agora os de visualizações na internet) passam a trazer mais dinheiro para os cofres do clube que o número de assentos do seu estádio.

O número de espectadores passa a ser, no momento do espetáculo, até mais importante do que o dos torcedores de cada clube. Saltando para 2022, entendemos que todos os clubes da Conmebol podem passar por processos de reestruturação, de melhoria de gestão, de incremento de arrecadação. No entanto, estar situado numa das maiores economias do planeta sempre pesará a favor dos clubes brasileiros em um cenário onde nem todos os clubes estão igualmente estruturados.

As diferenças do Brasil frente a seus vizinhos da parte sul do continente americano vão além do idioma. Se nosso país é o maior dessa parte do planeta em extensão, os números da nossa economia também seguem a mesmas proporções. Nosso Produto Interno Bruto (PIB) é o oitavo do mundo, aproximadamente três vezes maior que o da Argentina, 4,25 vezes maior que o da Colômbia e 42,5 vezes maior que o do Uruguai.

Das 15 maiores regiões metropolitanas da América do Sul 9 estão no Brasil. Da lista de 500 empresas mais valiosas do mundo compiladas pela Forbes, o Brasil é o único país da América do Sul a nela figurar com seis representantes. Podemos ter um cambio desvalorizado frente ao Dólar e ao Euro, mas a desvalorização do Real ainda é uma das mais baixas frente ao poder de compra de outras moedas sul-americanas. Em suma, aliados a uma boa gestão todos esses fatores econômicos trazem uma vantagem competitiva natural para os brasileiros, que nem mesmo ferramentas como o Fair Play Financeiro seriam capazes de eliminar.

Uma forma prática de enxergar esse crescimento dos clubes brasileiros é olhar para a folha salarial dos clubes que disputam a Libertadores. Flamengo e Tolima que se enfrentaram nas oitavas de final da competição talvez sejam um bom exemplo dessa disparidade. Apesar de não ser um dos clubes com maior número de torcedores da Colômbia, o Tolima tem feito boas campanhas nos últimos anos no campeonato nacional. Segundo a impressa, o orçamento do clube destinado ao elenco durante 2022 está em torno de 5 milhões de dólares.

Enquanto isso, o brasileiro Flamengo gastou cerca de 350 milhões de reais, quase 65,5 milhões de dólares, entre salários e direito de imagem para o elenco, em 2021. Embora o ano seja outro, a diferença entre as cifras nos dá uma ideia de escala. O argentino River Plate, por sua vez, está um pouco mais próximo do cenário nacional, com um orçamento para o período 2021/22 de 3,78 bilhões de pesos argentinos, algo próximo de milhões 30 milhões de dólares.

Aliás, é também o fator econômico que favorece Brasil e Argentina na hora de garantir um número de vagas maior nas competições continentais do que seus pares de Conmebol. Além da tradição no torneio e de serem duas potências mundiais na modalidade, essas duas confederações também possuem economias mais fortes que a dos seus vizinhos na América do Sul.

O produto futebol tanto no Brasil quanto na Argentina já são negócios consolidados. O tamanho do mercado brasileiro e, em menor escala, o argentino garante acesso a mais patrocinadores, maiores índices de audiência, maior ocupação de estádios, com um ticket médio maior por ingresso nos jogos da competição, garantindo atratividade dos jogos na hora de vender os direitos de transmissão internacionalmente. É essa que garante que os outros 8 membros cedam politicamente a essa diferença.

Não à toa pipocam propostas para incorporar times do México e dos Estados Unidos à Libertadores, muito por conta do tamanho do mercado e expressividade econômica desses países. Ao passo que se ignora solenemente uma competição única entre Conmebol e Concacaf, uma vez que Costa Rica, Honduras e Jamaica não trazem algo assim para essa conta. Uma boa gestão do departamento de futebol ainda é algo essencial para mitigar esses efeitos econômicos.

Uma rede de scouts extensa, capacidade de prospectar e lapidar talentos, o investimento na parte tática e no desenvolvimento de um estilo de jogo eficiente podem ajudar a melhorar as estatísticas e render troféus para clubes de outros países. Assim como os clubes da Premier League atualmente destoam dos outros clubes nos campeonatos europeus, o futebol brasileiro também começa a destoar de seus vizinhos por conta da economia do país. E da mesma forma que clubes espanhóis não perderam o protagonismo dentro da Champions League, os clubes argentinos não irão perder na Libertadores, ao menos por hora. Porém, a cada ano que passa a briga pelo título fica cada vez mais acirrada e diminui a margem para erros, sempre indexada por essas diferenças econômicas entre os mercados.