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Que IVA vai?

Há propostas muito boas; e há a proposta possível – que já será um grande avanço para o país

GUEDES: o ministro da Economia Guedes já chegou a dizer que trabalha com a proposta de criação de imposto único federal com base no IVA / Eduardo Anizelli/Folhapress
GUEDES: o ministro da Economia Guedes já chegou a dizer que trabalha com a proposta de criação de imposto único federal com base no IVA / Eduardo Anizelli/Folhapress
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Opinião

Publicado em 12 de agosto de 2019 às, 13h47.

Última atualização em 12 de agosto de 2019 às, 16h00.

Que é necessário reformar a tributação do consumo no Brasil já é consenso. O que não é consenso é como fazer isso. Há hoje várias iniciativas que propõem simplificar o sistema unificando tributos federais (PIS, Cofins, IPI–talvez também CIDE, IOF?) e tributos estaduais e municipais (ICMS, ISS). Essas propostas diferem quanto ao tipo de imposto que deveria substituir os atuais. Seria melhor criar um imposto sobre o valor adicionado (IVA), como proposto na PEC 45 da Câmara, na PEC 110 do Senado, no manifesto do Consefaz e no IVA-Dual do Ipea? Ou seria melhor um imposto sobre a movimentação financeira (IMF), como defendido pelo deputado Luciano Bivar (PSL) e o movimento de empresários Brasil 200?

Suponhamos que a escolha recaia num IVA, o que me parece mais sensato, uma solução já adotada por mais de 150 países. Neste caso, podemos considerar três cenários. No primeiro, um IVA é criado com estrutura limpa e uniforme em todo o país embora cada ente federativo (União, Estado, Municípios) tenha liberdade de fixar sua alíquota. Essa opção visa a tranquilizar alguns estados que talvez resistam a renunciar ao poder de conceder privilégios tributários. E a municípios ricos que podem não querer perder o ISS, cuja base não para de crescer. Ambos podem não estar prontos para deixar o investimento e a exportação livres de imposto.

No segundo cenário, cria-se um IVA Federal e um IVA Estadual, com bases idênticas. Tecnicamente seria igual ao primeiro caso, exceto que estados manteriam seu próprio imposto, o que aplacaria a oposição dos ciosos da autonomia federativa mas teria um preço: processos contenciosos separados (União e estados) com risco de decisões diferentes para a mesma realidade. Este cenário também mitigaria a ansiedade das máquinas fiscais estaduais, que seriam basicamente preservadas.

O terceiro cenário consiste em criar o IVA apenas a nível federal, racionalizando os principais impostos da União e deixando a questão dos impostos subnacionais para ser resolvida no futuro. Isso certamente não seria o ideal, já que no ICMS se concentram problemas tão sérios quanto guerra fiscal, substituição tributária excessiva, alto grau de litígio, oneração da exportação e do investimento via não concessão de crédito de imposto pago nas compras e não restituição dos créditos acumulados por exportadores.

Em vista das objeções de estados e municípios, citadas acima, o terceiro cenário reforma o que a situação política permite reformar. Se se conseguir racionalizar os tributos federais já se terá dado um passo gigantesco. Se duas bolas de ferro estão amarradas aos pés do investidor e do exportador, a introdução de um bom IVA federal pelo menos retiraria uma dessas bolas: talvez não a maior, mas a possível.

Não poderia a União criar o seu IVA e dar aos estados e municípios a opção de adotar o mesmo desenho? Infelizmente não. Por exemplo, seria um desastre se São Paulo adotasse o IVA e Minas Gerais mantivesse o ICMS. O ICMS cobrado em Minas não daria direito a crédito em São Paulo, e o IVA cobrado em São Paulo não daria crédito em Minas Gerais.

Ainda mais gravemente, sob um IVA tipo consumo, o imposto cobrado em São Paulo por vendas a Minas Gerais teria que ser entregue ao governo de Minas Gerais – mas isso só faria sentido se Minas também tivesse IVA, para simetricamente cobrar imposto nas vendas a São Paulo e entregar ao governo paulista o montante arrecadado.

Em suma, o IVA requer alto grau de coordenação entre estados e as relações tributárias entre estados precisam ser simétricas. Para um IVA funcionar numa federação, no mecanismo de crédito entram todos os estados ou ficam todos de fora. A simetria só seria desnecessária se o IVA não fosse cobrado nas vendas entre comerciantes (B2B), somente nas vendas a consumidores finais (B2C).

Com tributação de vendas B2C e isenção de vendas B2B, cada estado e município poderia fazer o que bem entendesse, inclusive não adotar o imposto. É nisso que consiste o sales tax nos Estados Unidos: é um IVA sem tributação das etapas intermediárias. E é por isso que os Estados Unidos são o único país importante que não tem IVA; pode se dar ao luxo de viver sem ele.

Todas as outras grandes federações têm IVA, porque tributar vendas B2B é necessário para controlar a cadeia que precede vendas ao consumidor final, universo muitíssimo maior que o universo B. Mas o mecanismo de crédito amplo faz com que a receita líquida de B2B tenda a zero, e a arrecadação efetiva seja aquela dada pela base B2C. Em resumo, o IVA é um sales tax com adiantamento feito na cadeia de distribuição mas restituído nas etapas seguintes. Como diz a nossa Constituição, esse imposto deve ser não-cumulativo.

*Isaías Coelho é pesquisador sênior do úcleo de Estudos Fiscais da FGV