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Uma análise das medidas anunciadas pelo governo no recesso parlamentar

Esta coluna é uma breve análise das medidas que foram anunciadas pelo governo no ínterim do recesso parlamentar

CONGRESSO: tanto Câmara quanto Senado retornaram do recesso na última quinta-feira com a missão de aprovar matérias caras ao governo, como a previdência. / REUTERS/Adriano Machado (Adriano Machado/Reuters)
DR

Da Redação

Publicado em 7 de agosto de 2019 às 15h48.

Última atualização em 7 de agosto de 2019 às 17h15.

Quem diz que nunca falou mal de alguém, suspeite: essa pessoa está mentindo. Sejamos realistas: há um quê de saboroso em maldizer a vida alheia. Lembro que li uma vez que gostamos tanto de falar, criticar, julgar os outros porque esse momento nos afasta de nossos defeitos e nos deixa inconscientemente superiores àquela situação.  Assim sendo, considerando a lista de comentários de gosto (extremamente) duvidoso do Presidente da República nesses últimos dias, poderia escrever páginas sobre cada tema, versando ao repúdio.

Mas é neste momento que tentarei marcar “minha superioridade racional” — esta coluna não será para falar mal do governo; será, sim, uma rápida análise das medidas que foram anunciadas no ínterim do recesso parlamentar, período que marca a volta (ou será apenas uma passagem?) do regime presidencialista ao Brasil. O governo anunciou duas medidas visando o estímulo do crescimento econômico no país: a liberação do saque do FGTS e o programa de Novo Mercado de Gás Natural. E acreditem, ambas são positivas!

A primeira delas (a possibilidade do saque do FTGS) será em duas etapas: a primeira com saques de R$ 500 por conta. O governo estima que sejam 96 milhões de contemplados, e mais: segundo seus cálculos, 81% das contas têm valor inferior a R$ 500. Num segundo momento, será permitida a opção para o “saque de aniversário”, no qual os trabalhadores poderão sacar um percentual da soma do saldo da sua conta anualmente no mês de seu aniversário, além dos saques já permitidos em casos de aposentadoria, compra de imóveis, morte ou doença grave. Não há dúvidas de que o FGTS é mal remunerado, embora o plano também vise melhorar esse quesito, mas é muito melhor esse dinheiro em nossas mãos, seja para consumo, seja para investimentos ou até para pagamento de dívidas (cá entre nós: será um forte destino).

Os cálculos do governo sugerem ímpeto de crescimento do consumo com essa medida, sugerindo + 0,3pp de PIB. Verdade, o ímpeto deve ocorrer, em um trimestre ou outro. Bacana… Mas… Olhem, não estou aqui para refazer ou criticar os cálculos do governo. Porém, meus amigos, a história nos ensinou que um crescimento pautado em consumo doméstico não é sustentável no longo prazo. E mais: eu ainda acho que esses 0,3pp equivalem a um pequeno aperitivo para um morto de fome — engana, mas não sacia.

O governo insiste que se trata de um “choque de oferta” e não um estímulo à demanda, pois elevará a produtividade dos trabalhadores, que terão acesso a uma maior remuneração. É verdade que renda é um dos fatores à produtividade — “tá aí” a lei de incentivos para afirmar isso. Mas realmente me questiono se, no melhor dos casos, um valor anual de cerca de R$ 5000 (sendo esse uma raridade no âmbito nacional) sob toda a comum burocracia de se angariar um troco na Caixa Econômica (filas e formulários mil), mudará a condição estrutural brasileira de estarmos em um dos últimos lugares no ranking de produtividade mundial. Posso ser caxias demais, mas ainda sou daquelas que apostaria em melhor educação. Não sei…

Mas antes que eu caia no gosto de discorrer de forma negativa — pois como disse, vim aqui testar minha superioridade racional —, vamos falar da segunda medida anunciada. Mesmo porque, repito, no frigir dos ovos a liberação dos saques do FGTS é uma boa medida, embora pontual.

Sempre digo que as verdadeiras carências brasileiras são: infraestrutura e educação (esse segundo ponto, a gente deixa para outro dia). E, neste sentido, houve a divulgação da ótima notícia sobre o lançamento pelo governo do programa para reduzir o preço do gás natural, chamado “Novo Mercado de Gás”. A ideia principal é promover a abertura do mercado de gás natural (hoje monopolizado pela Petrobras), propiciando queda nos preços e redução significativa do custo da energia para a indústria. Isso gera mais eficiência. Através ações que envolvem a venda de distribuidoras estaduais de gás e nova regras regulatórias por meio da Agência Nacional de Petróleo (ANP)

O governo quer privatizar algumas empresas ligadas a Gás Natural da Petrobras, o que permitirá mais investimentos privados no setor. Me acompanhem: ao permitir novos entrantes no setor, essas outras empresas deverão fazer investimentos, contratar pessoas, e por aí vai. Também deve facilitar a ampliação da rede de gasodutos, considerada pequena para o tamanho do país. Ainda segundo o governo, a Petrobras assinou acordo com o Cade para permitir que outras empresas usem a infraestrutura de gasodutos que escoam, processam e carregam o gás — em seguida, o combustível chega às redes estaduais. Em troca, a empresa estatal se livrou de multas bilionárias. O que ajuda na produtividade da indústria como um todo. Sacaram?

Há também uma proposta que irá distribuir o dinheiro arrecadado pela União com petróleo para Estados e Municípios. O estado que privatizar empresas e colocar em prática uma regulação mais moderna alinhada com a ANP ganhará pontos. Quanto mais pontos, mais dinheiro: olhem a lei de incentivos aí…

Assim, essa medida mira em investimentos e, sobretudo, aumento de produtividade do setor industrial através de menores preços do gás natural — em outras palavras, crescimento estrutural. Contudo, é uma ação de muito longo prazo e pouco palpável neste momento.

É um começo, mas um bom começo.

*Fernanda Consorte é Economista-Chefe e Estrategista de Câmbio do Banco Ourinvest.

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Quem diz que nunca falou mal de alguém, suspeite: essa pessoa está mentindo. Sejamos realistas: há um quê de saboroso em maldizer a vida alheia. Lembro que li uma vez que gostamos tanto de falar, criticar, julgar os outros porque esse momento nos afasta de nossos defeitos e nos deixa inconscientemente superiores àquela situação.  Assim sendo, considerando a lista de comentários de gosto (extremamente) duvidoso do Presidente da República nesses últimos dias, poderia escrever páginas sobre cada tema, versando ao repúdio.

Mas é neste momento que tentarei marcar “minha superioridade racional” — esta coluna não será para falar mal do governo; será, sim, uma rápida análise das medidas que foram anunciadas no ínterim do recesso parlamentar, período que marca a volta (ou será apenas uma passagem?) do regime presidencialista ao Brasil. O governo anunciou duas medidas visando o estímulo do crescimento econômico no país: a liberação do saque do FGTS e o programa de Novo Mercado de Gás Natural. E acreditem, ambas são positivas!

A primeira delas (a possibilidade do saque do FTGS) será em duas etapas: a primeira com saques de R$ 500 por conta. O governo estima que sejam 96 milhões de contemplados, e mais: segundo seus cálculos, 81% das contas têm valor inferior a R$ 500. Num segundo momento, será permitida a opção para o “saque de aniversário”, no qual os trabalhadores poderão sacar um percentual da soma do saldo da sua conta anualmente no mês de seu aniversário, além dos saques já permitidos em casos de aposentadoria, compra de imóveis, morte ou doença grave. Não há dúvidas de que o FGTS é mal remunerado, embora o plano também vise melhorar esse quesito, mas é muito melhor esse dinheiro em nossas mãos, seja para consumo, seja para investimentos ou até para pagamento de dívidas (cá entre nós: será um forte destino).

Os cálculos do governo sugerem ímpeto de crescimento do consumo com essa medida, sugerindo + 0,3pp de PIB. Verdade, o ímpeto deve ocorrer, em um trimestre ou outro. Bacana… Mas… Olhem, não estou aqui para refazer ou criticar os cálculos do governo. Porém, meus amigos, a história nos ensinou que um crescimento pautado em consumo doméstico não é sustentável no longo prazo. E mais: eu ainda acho que esses 0,3pp equivalem a um pequeno aperitivo para um morto de fome — engana, mas não sacia.

O governo insiste que se trata de um “choque de oferta” e não um estímulo à demanda, pois elevará a produtividade dos trabalhadores, que terão acesso a uma maior remuneração. É verdade que renda é um dos fatores à produtividade — “tá aí” a lei de incentivos para afirmar isso. Mas realmente me questiono se, no melhor dos casos, um valor anual de cerca de R$ 5000 (sendo esse uma raridade no âmbito nacional) sob toda a comum burocracia de se angariar um troco na Caixa Econômica (filas e formulários mil), mudará a condição estrutural brasileira de estarmos em um dos últimos lugares no ranking de produtividade mundial. Posso ser caxias demais, mas ainda sou daquelas que apostaria em melhor educação. Não sei…

Mas antes que eu caia no gosto de discorrer de forma negativa — pois como disse, vim aqui testar minha superioridade racional —, vamos falar da segunda medida anunciada. Mesmo porque, repito, no frigir dos ovos a liberação dos saques do FGTS é uma boa medida, embora pontual.

Sempre digo que as verdadeiras carências brasileiras são: infraestrutura e educação (esse segundo ponto, a gente deixa para outro dia). E, neste sentido, houve a divulgação da ótima notícia sobre o lançamento pelo governo do programa para reduzir o preço do gás natural, chamado “Novo Mercado de Gás”. A ideia principal é promover a abertura do mercado de gás natural (hoje monopolizado pela Petrobras), propiciando queda nos preços e redução significativa do custo da energia para a indústria. Isso gera mais eficiência. Através ações que envolvem a venda de distribuidoras estaduais de gás e nova regras regulatórias por meio da Agência Nacional de Petróleo (ANP)

O governo quer privatizar algumas empresas ligadas a Gás Natural da Petrobras, o que permitirá mais investimentos privados no setor. Me acompanhem: ao permitir novos entrantes no setor, essas outras empresas deverão fazer investimentos, contratar pessoas, e por aí vai. Também deve facilitar a ampliação da rede de gasodutos, considerada pequena para o tamanho do país. Ainda segundo o governo, a Petrobras assinou acordo com o Cade para permitir que outras empresas usem a infraestrutura de gasodutos que escoam, processam e carregam o gás — em seguida, o combustível chega às redes estaduais. Em troca, a empresa estatal se livrou de multas bilionárias. O que ajuda na produtividade da indústria como um todo. Sacaram?

Há também uma proposta que irá distribuir o dinheiro arrecadado pela União com petróleo para Estados e Municípios. O estado que privatizar empresas e colocar em prática uma regulação mais moderna alinhada com a ANP ganhará pontos. Quanto mais pontos, mais dinheiro: olhem a lei de incentivos aí…

Assim, essa medida mira em investimentos e, sobretudo, aumento de produtividade do setor industrial através de menores preços do gás natural — em outras palavras, crescimento estrutural. Contudo, é uma ação de muito longo prazo e pouco palpável neste momento.

É um começo, mas um bom começo.

*Fernanda Consorte é Economista-Chefe e Estrategista de Câmbio do Banco Ourinvest.

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