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Protegendo o Comércio Internacional

Economias emergentes, especialmente a China, se desenvolveram na produção de bens e as antigas regras determinam que os países desenvolvidos devem manter seus mercados abertos aos produtores de outros lugares agora mais produtivos

CHINA: os desentendimentos entre China e EUA dizem mais respeito à serviços do que a própria indústria. / China Daily via REUTERS (China Daily/Reuters)
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Da Redação

Publicado em 20 de janeiro de 2020 às 14h32.

CHICAGO – No final da última década, a globalização – redução das barreiras aos fluxos de mercadorias, serviços, investimentos e informações transfronteiriças – sofreu forte pressão. Políticos populistas em muitos países acusaram outros de vários erros econômicos e fizeram pressão quanto à redação de acordos comerciais. Os países em desenvolvimento argumentam há décadas que as regras que regem o comércio internacional são profundamente injustas. Mas por que agora surgem reclamações semelhantes dos países desenvolvidos que estabeleceram a maioria dessas regras?

Uma explicação simples, porém inadequada, é a “concorrência”. Nas décadas de 1960 e 1970, os países industrializados se concentraram em abrir mercados externos para seus produtos e estabelecer regras de acordo com suas conveniências. Desde então, a maré mudou. As economias emergentes, especialmente a China, se desenvolveram na produção de bens e as antigas regras determinam que os países desenvolvidos devem manter seus mercados abertos aos produtores de outros lugares agora mais produtivos.

Para o observador mais cético, os esforços atuais dos países desenvolvidos para reescrever as regras parecem uma tentativa não de nivelar o campo de jogo, mas de impedir a concorrência. Uma razão pela qual os produtores de mercados emergentes são competitivos é porque pagam menos aos trabalhadores (geralmente porque esses trabalhadores são menos produtivos). Portanto, o Acordo Estados Unidos-México-Canadá (USMCA, o NAFTA renegociado) limitaria a vantagem do México ao exigir que 40-45% dos componentes automotivos fosse feito por trabalhadores que ganham pelo menos US$ 16 por hora (até 2023). Também exige uma variedade de proteções trabalhistas, incluindo uma representação sindical mais forte dos trabalhadores mexicanos a ser monitorada por inspetores dos EUA. O que parece ser um bom negócio para os trabalhadores mexicanos determinado por simpáticos negociadores americanos também pode ser visto como um esforço dos EUA para limitar o número de empregos industriais no México.

Mas os empregos na indústria de manufatura vêm se deslocando para mercados emergentes há décadas. Por que agora a crescente preocupação? Para substituir os empregos perdidos na industrialização, as economias desenvolvidas vêm criando empregos em serviços, que variam desde fornecimento de baixa tecnologia a pesquisa e desenvolvimento de alta tecnologia. A barganha implícita que regia o comércio era a de que os países desenvolvidos manteriam seus mercados abertos às exportações de manufaturados dos países em desenvolvimento, que, por sua vez, estariam abertos a atender às exportações dos países industrializados.

Infelizmente, nem todos nos países desenvolvidos conseguiram alcançar bons empregos em serviços. Os melhores empregos estão em grande parte nas grandes cidades, onde profissionais com boa formação conseguem atender aos mercados globais, enquanto pequenas cidades, por exemplo, no meio-oeste americano e no norte da Inglaterra, não se recuperaram economicamente da saída de grandes indústrias empregadoras. A devastação de tais lugares e a frustração de quem neles vive acabaram alimentando os movimentos políticos que colocaram o presidente dos EUA, Donald Trump, no cargo e tirarão o Reino Unido da União Europeia. As antigas comunidades manufatureiras deixadas para trás agora têm voz política na capital e querem trazer a produção de volta.

No entanto, essa explicação também está incompleta. Grande parte da disputa dos EUA com a China, por exemplo, não é sobre fabricação (a própria China está perdendo empregos na indústria para países como o Vietnã). Diz respeito a serviços. Embora oito dos dez principais exportadores de serviços sejam países desenvolvidos, a concorrência nos mercados emergentes está aumentando – e levando a um grande impulso das empresas de economia avançada a aprovar novas regras comerciais relacionadas a serviços. Aparentemente, isso garantirá contínuas fronteiras abertas para serviços. Mas também será uma oportunidade para proteger as vantagens dos produtores dominantes dos países desenvolvidos. Por exemplo, o USMCA não exige impostos sobre produtos comprados eletronicamente, como músicas ou e-books, e garante que as empresas de Internet não sejam responsáveis ​​pelo conteúdo produzido por seus usuários. Também tentou estender a duração da proteção de patentes para alguns medicamentos, cláusula que foi removida quando enfrentaram a objeção dos congressistas democratas.

As elites nos mercados emergentes reagem à sua maneira. A Índia introduziu novas regras para limitar aquilo que plataformas de propriedade estrangeira como Amazon e Walmart poderiam vender on-line lá, pouco antes da Reliance, um enorme conglomerado indiano, lançar sua própria plataforma de comércio eletrônico.

Em suma, dois fatores aumentaram a inquietação sobre o comércio internacional e os acordos de investimento. Pessoas comuns nas comunidades deixadas para trás nos países desenvolvidos não estão mais dispostas a aceitar os acordos existentes. Elas querem ser ouvidas e querem que seus interesses sejam protegidos. O antigo status quo – em que as elites dos países desenvolvidos fechavam os olhos para o deslocamento da indústria, desde que os mercados de seus serviços expandissem – tornou-se insustentável. Ao mesmo tempo, as elites da economias emergentes querem uma fatia do mercado global de serviços e não estão mais dispostas a ceder terreno.

Como resultado, não há mais acordos comerciais fáceis. As negociações comerciais tornaram-se exercícios de política de poder, não de persuasão: ameaças de tarifas altíssimas para fechar mercados, por exemplo e táticas de força bruta para forçar regras “mais justas” à parte mais fraca. Os veteranos das negociações comerciais podem dizer que sempre foi assim. Uma diferença importante hoje é que o público nos mercados emergentes é mais democraticamente engajado do que no passado. Quando o chefe da câmara mexicana  de negócios compara as disposições trabalhistas e de monitoramento da USMCA com a Guerra Mexicano-Americana de 1848 (quando o México perdeu a Califórnia), os eleitores mexicanos ficam atentos.

Portanto, qualquer sucesso que os países ricos tenham ao estabelecer regras onerosas para os outros hoje em dia pode ser um ganho de Pirro”. Por um lado, não está claro que exista consenso sobre essas regras, mesmo nos países desenvolvidos. Por exemplo, nos EUA há pressão para responsabilizar as plataformas online pelo conteúdo. A consagração dessas regras contestadas nos acordos comerciais apenas tornará esses acordos mais frágeis. Além disso, esses acordos estabelecem um mau precedente. No futuro, os consumidores dominantes no mundo serão os cidadãos mais ricos, mais jovens e mais numerosos das economias emergentes. Os que agora enfrentam países mais fracos com acordos desvantajosos não deveriam se surpreender quando receberem no troco algum dia.

Como, então, os países desenvolvidos deveriam responder às pressões domésticas para tornar o comércio mais justo? Para começar, é razoável exigir que os países em desenvolvimento abaixem as tarifas constantemente conforme uma norma internacionalmente aceitável. E barreiras discriminatórias não tarifárias ou subsídios que favorecem excessivamente seus produtores devem ser desafiados na Organização Mundial do Comércio. Mas ir muito além dessas medidas – tentar impor suas preferências aos sindicatos, a regulamentação de plataformas on-line e a duração de patentes em outros países – debilitará ainda mais o consenso sobre o comércio. Hoje, acordos comerciais menos intrusivos podem fazer mais pelo comércio amanhã.

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CHICAGO – No final da última década, a globalização – redução das barreiras aos fluxos de mercadorias, serviços, investimentos e informações transfronteiriças – sofreu forte pressão. Políticos populistas em muitos países acusaram outros de vários erros econômicos e fizeram pressão quanto à redação de acordos comerciais. Os países em desenvolvimento argumentam há décadas que as regras que regem o comércio internacional são profundamente injustas. Mas por que agora surgem reclamações semelhantes dos países desenvolvidos que estabeleceram a maioria dessas regras?

Uma explicação simples, porém inadequada, é a “concorrência”. Nas décadas de 1960 e 1970, os países industrializados se concentraram em abrir mercados externos para seus produtos e estabelecer regras de acordo com suas conveniências. Desde então, a maré mudou. As economias emergentes, especialmente a China, se desenvolveram na produção de bens e as antigas regras determinam que os países desenvolvidos devem manter seus mercados abertos aos produtores de outros lugares agora mais produtivos.

Para o observador mais cético, os esforços atuais dos países desenvolvidos para reescrever as regras parecem uma tentativa não de nivelar o campo de jogo, mas de impedir a concorrência. Uma razão pela qual os produtores de mercados emergentes são competitivos é porque pagam menos aos trabalhadores (geralmente porque esses trabalhadores são menos produtivos). Portanto, o Acordo Estados Unidos-México-Canadá (USMCA, o NAFTA renegociado) limitaria a vantagem do México ao exigir que 40-45% dos componentes automotivos fosse feito por trabalhadores que ganham pelo menos US$ 16 por hora (até 2023). Também exige uma variedade de proteções trabalhistas, incluindo uma representação sindical mais forte dos trabalhadores mexicanos a ser monitorada por inspetores dos EUA. O que parece ser um bom negócio para os trabalhadores mexicanos determinado por simpáticos negociadores americanos também pode ser visto como um esforço dos EUA para limitar o número de empregos industriais no México.

Mas os empregos na indústria de manufatura vêm se deslocando para mercados emergentes há décadas. Por que agora a crescente preocupação? Para substituir os empregos perdidos na industrialização, as economias desenvolvidas vêm criando empregos em serviços, que variam desde fornecimento de baixa tecnologia a pesquisa e desenvolvimento de alta tecnologia. A barganha implícita que regia o comércio era a de que os países desenvolvidos manteriam seus mercados abertos às exportações de manufaturados dos países em desenvolvimento, que, por sua vez, estariam abertos a atender às exportações dos países industrializados.

Infelizmente, nem todos nos países desenvolvidos conseguiram alcançar bons empregos em serviços. Os melhores empregos estão em grande parte nas grandes cidades, onde profissionais com boa formação conseguem atender aos mercados globais, enquanto pequenas cidades, por exemplo, no meio-oeste americano e no norte da Inglaterra, não se recuperaram economicamente da saída de grandes indústrias empregadoras. A devastação de tais lugares e a frustração de quem neles vive acabaram alimentando os movimentos políticos que colocaram o presidente dos EUA, Donald Trump, no cargo e tirarão o Reino Unido da União Europeia. As antigas comunidades manufatureiras deixadas para trás agora têm voz política na capital e querem trazer a produção de volta.

No entanto, essa explicação também está incompleta. Grande parte da disputa dos EUA com a China, por exemplo, não é sobre fabricação (a própria China está perdendo empregos na indústria para países como o Vietnã). Diz respeito a serviços. Embora oito dos dez principais exportadores de serviços sejam países desenvolvidos, a concorrência nos mercados emergentes está aumentando – e levando a um grande impulso das empresas de economia avançada a aprovar novas regras comerciais relacionadas a serviços. Aparentemente, isso garantirá contínuas fronteiras abertas para serviços. Mas também será uma oportunidade para proteger as vantagens dos produtores dominantes dos países desenvolvidos. Por exemplo, o USMCA não exige impostos sobre produtos comprados eletronicamente, como músicas ou e-books, e garante que as empresas de Internet não sejam responsáveis ​​pelo conteúdo produzido por seus usuários. Também tentou estender a duração da proteção de patentes para alguns medicamentos, cláusula que foi removida quando enfrentaram a objeção dos congressistas democratas.

As elites nos mercados emergentes reagem à sua maneira. A Índia introduziu novas regras para limitar aquilo que plataformas de propriedade estrangeira como Amazon e Walmart poderiam vender on-line lá, pouco antes da Reliance, um enorme conglomerado indiano, lançar sua própria plataforma de comércio eletrônico.

Em suma, dois fatores aumentaram a inquietação sobre o comércio internacional e os acordos de investimento. Pessoas comuns nas comunidades deixadas para trás nos países desenvolvidos não estão mais dispostas a aceitar os acordos existentes. Elas querem ser ouvidas e querem que seus interesses sejam protegidos. O antigo status quo – em que as elites dos países desenvolvidos fechavam os olhos para o deslocamento da indústria, desde que os mercados de seus serviços expandissem – tornou-se insustentável. Ao mesmo tempo, as elites da economias emergentes querem uma fatia do mercado global de serviços e não estão mais dispostas a ceder terreno.

Como resultado, não há mais acordos comerciais fáceis. As negociações comerciais tornaram-se exercícios de política de poder, não de persuasão: ameaças de tarifas altíssimas para fechar mercados, por exemplo e táticas de força bruta para forçar regras “mais justas” à parte mais fraca. Os veteranos das negociações comerciais podem dizer que sempre foi assim. Uma diferença importante hoje é que o público nos mercados emergentes é mais democraticamente engajado do que no passado. Quando o chefe da câmara mexicana  de negócios compara as disposições trabalhistas e de monitoramento da USMCA com a Guerra Mexicano-Americana de 1848 (quando o México perdeu a Califórnia), os eleitores mexicanos ficam atentos.

Portanto, qualquer sucesso que os países ricos tenham ao estabelecer regras onerosas para os outros hoje em dia pode ser um ganho de Pirro”. Por um lado, não está claro que exista consenso sobre essas regras, mesmo nos países desenvolvidos. Por exemplo, nos EUA há pressão para responsabilizar as plataformas online pelo conteúdo. A consagração dessas regras contestadas nos acordos comerciais apenas tornará esses acordos mais frágeis. Além disso, esses acordos estabelecem um mau precedente. No futuro, os consumidores dominantes no mundo serão os cidadãos mais ricos, mais jovens e mais numerosos das economias emergentes. Os que agora enfrentam países mais fracos com acordos desvantajosos não deveriam se surpreender quando receberem no troco algum dia.

Como, então, os países desenvolvidos deveriam responder às pressões domésticas para tornar o comércio mais justo? Para começar, é razoável exigir que os países em desenvolvimento abaixem as tarifas constantemente conforme uma norma internacionalmente aceitável. E barreiras discriminatórias não tarifárias ou subsídios que favorecem excessivamente seus produtores devem ser desafiados na Organização Mundial do Comércio. Mas ir muito além dessas medidas – tentar impor suas preferências aos sindicatos, a regulamentação de plataformas on-line e a duração de patentes em outros países – debilitará ainda mais o consenso sobre o comércio. Hoje, acordos comerciais menos intrusivos podem fazer mais pelo comércio amanhã.

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