Pedro Turqueto: Por que o GLP brasileiro está parado na Guerra do Golfo
A lei que estabeleceu que a utilização de GLP para fins energéticos seria um crime é datada de 1991 e tinha como pano de fundo a Guerra do Golfo
Da Redação
Publicado em 13 de agosto de 2021 às 11h42.
Última atualização em 13 de agosto de 2021 às 11h51.
Por Pedro Zahran Turqueto
Imagine se tivéssemos a possibilidade de utilizar um energético eficiente, barato, de combustão limpa, que esteja presente em todo território nacional para gerar energia elétrica, esquentar caldeiras ou em automóveis. E que este energético pudesse ser um grande aliado em tempos de uma crise hídrica sem precedentes com ameaça de apagão, como a que vivemos.
Agora imagine que usar esse energético é crime contra a ordem econômica no Brasil, com pena de 1 a 5 anos de prisão. Pois é justamente isso que ocorre com o GLP, conhecido sintomaticamente como “Gás de Cozinha” no Brasil.
A lei que estabeleceu que a utilização de GLP para estes fins seria um crime é datada de 1991 e tinha como pano de fundo a Guerra do Golfo. O governo temia que o conflito gerasse uma escassez de derivados de petróleo no mundo, inflacionando os custos. Decidiu-se então que o país iria utilizar o produto basicamente para cozinhar.
De lá para cá já se passaram mais de 30 anos, a Guerra do Golfo acabou, o Brasil descobriu o Pré-sal, passamos a produzir mais de 70% do GLP consumido no nosso território, criamos um mercado de distribuição altamente competitivo e capilarizado, em uma cadeia que emprega mais de 350 mil brasileiros e gera bilhões em impostos arrecadados.
Mesmo assim, o produto segue sendo escanteado dentro de nossa matriz energética. Outros países já entenderam há tempos a importância do GLP: não à toa apenas o agronegócio norte-americano consome mais deste gás que toda a indústria e comércio brasileiro.
Hoje existe uma clara necessidade de investimento em infraestrutura para recepção do produto importado, com a construção de portos e tancagens, o que traria mais eficiência logística, confiabilidade de oferta, geraria empregos e diminuiria os custos do GLP.
A isso, soma-se a vontade declarada da Petrobras de não ser mais a garantidora exclusiva do fornecimento do produto aos distribuidores.
Há aqui um mercado sedento por investimentos privados, mas que é freado artificialmente por uma regulação destoante das necessidades do país, que faz com que o consumo do produto tenha um crescimento marginal, quando estudos mostram que o mercado nacional poderia chegar em menos de 5 anos a mais de 10 milhões de toneladas por ano (hoje consomem-se cerca de 7,5 milhões de toneladas anualmente).
Se todos os motivos elencados acima ainda não fossem suficientes para mudar a regulação, ainda deve-se considerar a distorção de mercado, que gera ineficiências e prejuízos a consumidores e empresas. Tomemos, por exemplo, um condomínio de alto padrão. Uma distribuidora de GLP só pode oferecer seu produto para aquecimento de água e cocção de alimentos. Já uma distribuidora de Gás Natural que aborde o mesmo condomínio vai oferecer o seu produto para aquecimento de água, cocção, aquecimento de sauna, piscina e até para um gerador de energia. Mesmo o GLP sendo 25% mais eficiente, essa opção acaba sendo desconsiderada, cerceando a concorrência.
Em um outro exemplo, mais próximo da realidade da grande maioria dos brasileiros, a utilização do GLP em detrimento da lenha (segundo a EPE, 27% da energia residencial brasileira é feita a lenha, ante 26% de GLP) faria com que a saúde da população melhorasse, e muito. Estudos recentes realizados pela OMS apontam que cozinhar a lenha equivale a fumar dois maços de cigarro por dia, e gera doenças como câncer de pulmão, catarata, tuberculose e asma. Neste sentido, o já citado investimento em infraestrutura, somado a eventual programa social para quem hoje se encontra nessa situação, poderiam fazer grande diferença.
A Índia, aqui, deveria nos servir de exemplo, com uma regulação moderna que conseguiu em poucos anos atrair fluxos de capital privado, atingir 80 milhões de residências com GLP, se tornar o terceiro maior consumidor do produto no mundo e melhorar os índices de saúde da sua população, através de um programa chamado “Blue Flame Revolution”.
Cabe a nossos reguladores e governantes perceberem que uma regulação moderna e alinhada com as necessidades do país barateará o custo de vida no curto e no longo prazo, melhorará a saúde da população e possibilitará um melhor planejamento energético, o que irá impedir que fiquemos à mercê de eventuais crises hídricas.
Pedro Zahran Turqueto é Vice-Presidente de Estratégia e Mercado da Copa Energia
Por Pedro Zahran Turqueto
Imagine se tivéssemos a possibilidade de utilizar um energético eficiente, barato, de combustão limpa, que esteja presente em todo território nacional para gerar energia elétrica, esquentar caldeiras ou em automóveis. E que este energético pudesse ser um grande aliado em tempos de uma crise hídrica sem precedentes com ameaça de apagão, como a que vivemos.
Agora imagine que usar esse energético é crime contra a ordem econômica no Brasil, com pena de 1 a 5 anos de prisão. Pois é justamente isso que ocorre com o GLP, conhecido sintomaticamente como “Gás de Cozinha” no Brasil.
A lei que estabeleceu que a utilização de GLP para estes fins seria um crime é datada de 1991 e tinha como pano de fundo a Guerra do Golfo. O governo temia que o conflito gerasse uma escassez de derivados de petróleo no mundo, inflacionando os custos. Decidiu-se então que o país iria utilizar o produto basicamente para cozinhar.
De lá para cá já se passaram mais de 30 anos, a Guerra do Golfo acabou, o Brasil descobriu o Pré-sal, passamos a produzir mais de 70% do GLP consumido no nosso território, criamos um mercado de distribuição altamente competitivo e capilarizado, em uma cadeia que emprega mais de 350 mil brasileiros e gera bilhões em impostos arrecadados.
Mesmo assim, o produto segue sendo escanteado dentro de nossa matriz energética. Outros países já entenderam há tempos a importância do GLP: não à toa apenas o agronegócio norte-americano consome mais deste gás que toda a indústria e comércio brasileiro.
Hoje existe uma clara necessidade de investimento em infraestrutura para recepção do produto importado, com a construção de portos e tancagens, o que traria mais eficiência logística, confiabilidade de oferta, geraria empregos e diminuiria os custos do GLP.
A isso, soma-se a vontade declarada da Petrobras de não ser mais a garantidora exclusiva do fornecimento do produto aos distribuidores.
Há aqui um mercado sedento por investimentos privados, mas que é freado artificialmente por uma regulação destoante das necessidades do país, que faz com que o consumo do produto tenha um crescimento marginal, quando estudos mostram que o mercado nacional poderia chegar em menos de 5 anos a mais de 10 milhões de toneladas por ano (hoje consomem-se cerca de 7,5 milhões de toneladas anualmente).
Se todos os motivos elencados acima ainda não fossem suficientes para mudar a regulação, ainda deve-se considerar a distorção de mercado, que gera ineficiências e prejuízos a consumidores e empresas. Tomemos, por exemplo, um condomínio de alto padrão. Uma distribuidora de GLP só pode oferecer seu produto para aquecimento de água e cocção de alimentos. Já uma distribuidora de Gás Natural que aborde o mesmo condomínio vai oferecer o seu produto para aquecimento de água, cocção, aquecimento de sauna, piscina e até para um gerador de energia. Mesmo o GLP sendo 25% mais eficiente, essa opção acaba sendo desconsiderada, cerceando a concorrência.
Em um outro exemplo, mais próximo da realidade da grande maioria dos brasileiros, a utilização do GLP em detrimento da lenha (segundo a EPE, 27% da energia residencial brasileira é feita a lenha, ante 26% de GLP) faria com que a saúde da população melhorasse, e muito. Estudos recentes realizados pela OMS apontam que cozinhar a lenha equivale a fumar dois maços de cigarro por dia, e gera doenças como câncer de pulmão, catarata, tuberculose e asma. Neste sentido, o já citado investimento em infraestrutura, somado a eventual programa social para quem hoje se encontra nessa situação, poderiam fazer grande diferença.
A Índia, aqui, deveria nos servir de exemplo, com uma regulação moderna que conseguiu em poucos anos atrair fluxos de capital privado, atingir 80 milhões de residências com GLP, se tornar o terceiro maior consumidor do produto no mundo e melhorar os índices de saúde da sua população, através de um programa chamado “Blue Flame Revolution”.
Cabe a nossos reguladores e governantes perceberem que uma regulação moderna e alinhada com as necessidades do país barateará o custo de vida no curto e no longo prazo, melhorará a saúde da população e possibilitará um melhor planejamento energético, o que irá impedir que fiquemos à mercê de eventuais crises hídricas.
Pedro Zahran Turqueto é Vice-Presidente de Estratégia e Mercado da Copa Energia