A carta que iluminou a fronteira da racionalidade
O documento enviado ao governo federal hoje é um grande exemplo prático de postura responsável ESG, que muitas empresas dizem buscar
Publicado em 22 de março de 2021 às, 20h33.
Última atualização em 23 de março de 2021 às, 12h33.
A publicação da carta aberta O País exige respeito; a vida necessita da ciência e do bom governo, que cobra uma postura racional do governo federal no enfrentamento da pandemia do coronavírus, está funcionando como um facho de luz para traçar a fronteira da racionalidade no mundo empresarial e financeiro. É fundamental destacar que, primeiramente, a carta é um grande exemplo prático de postura responsável « ESG », que muitas empresas, instituições, empresários e executivos dizem buscar.
De um lado, estão pessoas como Roberto Setubal e Pedro Moreira Salles (co-presidentes do conselho de administração do Itaú Unibanco), José Olympio Pereira (presidente do Credit Suisse), Solange Srour (economista-chefe do Credit Suisse) e Octavio de Barros (antigo economista-chefe do Bradesco).
Também se contam, entre os signatários, ex-presidentes do Banco Central — como Armínio Fraga, Affonso Celso Pastore, Gustavo Loyola e Ilan Goldfajn — e ex-ministros da Fazenda, como Pedro Malan, Marcílio Marques Moreira e Ruben Ricupero, além de mais 500 outros, que assinaram a carta até o domingo 20/03 à noite, quando ela sofreu um ataque de hacker e teve que sair do ar.
Juntam-se a essas pessoas que já assinaram milhares de empresários, economistas, executivos e profissionais liberais, que estão compartilhando a carta e manifestando o seu apoio, pois entendem que as suas recomendações são baseadas em evidências sociais e econômicas. Entre estes, muitos, eu diria que possivelmente uma maioria, que votaram no presidente Bolsonaro no segundo turno em 2018.
Isso não impede que essas pessoas enxerguem que o País não tem conduzido o combate à pandemia tomando as medidas que a maioria absoluta das democracias ocidentais vêm aplicando. Gente que entendeu o quando custa e vai custar o nosso atraso nas vacinas, a falta de coordenação das medidas de isolamento e mais importante: a compreensão de que, sem resolver a crise na saúde, não vamos resolver a economia.
Do outro lado, vemos um movimento silencioso em vários grupos de WhatsApp, de empresários que atacam a carta, reclamando especialmente da ênfase do pedido de coordenação de isolamento como uma medida necessária. Esse lado do debate insiste em procurar uma solução fácil para a saída da crise, que não envolva isolamento e eventuais fechamentos de comércios e empresas com restrições de circulação.
Nesse polo abundam as mensagens de remédios milagrosos, declarações de médicos fora de contexto ou puros desconhecidos, contra o isolamento e a favor de tratamentos preventivos ou precoces como solução. Também existe o apoio à narrativa de que as medidas de prevenção à COVID vão matar mais gente de fome. A soma de tudo isso faz esse grupo ver o Presidente como o seu defensor e líder.
Existe uma interseção entre os dois grupos: gente que faz ou ajuda em ações que minimizam o impacto da pandemia entre os mais vulneráveis, o que é louvável, mas não elimina a existência dessa divisão nem autoriza ninguém a saltar de um lado para outro. O investidor Leandro Ruschel, que é um dos mais fiéis e convictos apoiadores de primeira hora do presidente, manifestou-se, classificando a carta como “na verdade um pedido de mais socialismo para o Brasil.” Teve a coragem de ter sido claro do lado que está no debate.
O grande mérito da carta foi iluminar essa fronteira, mostrar a diferença entre essas percepções e posicionamentos. Forçar todos a que assumam uma posição de qual lado vão querer ser lembrados que estiveram quando tudo isso passar, pois vai passar. O fundador do Madero, Junior Durski, fez uma declaração negando a gravidade da pandemia, que o colocou como símbolo do segundo grupo. Felizmente ele já veio a público se corrigir, recentemente, dizendo que as medidas de contenção do vírus devem ser tomadas por quem tem os dados, no caso, os governos, e que ele vai fazer o que for recomendado.
E você, em qual lado vai querer ser lembrado? Qualquer que seja, essa lembrança será inevitável.
*Paulo Dalla Nora Macedo é economista e investidor em inovação