Na Cúpula do Clima, a racionalidade não vai nos salvar
“Um homem convencido contra a vontade conserva sempre a opinião anterior”, Dale Carnegie
Karla Mamona
Publicado em 24 de abril de 2021 às 11h32.
No fabuloso documentário Sob a Névoa da Guerra (ganhador do Oscar de 2003 e dirigido por Errol Morris), sobre as memórias de Robert McNamara, são relatadas onze lições que Errol tirou do livro que McNamara escreveu relatando a sua experiência como secretário de Estado americano durante a guerra do Vietnã. McNamara foi um dos “garotos brilhantes” da década de sessenta nos Estados Unidos. Graduado em Harvard, foi o primeiro presidente da Ford que não tinha o sobrenome da família. Foi então que Kennedy o convidou para ser secretário de Estado, tomando ciência pessoalmente, apenas no momento do convite.
A segunda lição elencada na lista que compõe o filme é: “A racionalidade não vai nos salvar”. Para ilustrar o fato, Errol mostra um encontro histórico de McNamara e Fidel Castro, trinta anos depois da crise dos mísseis em Cuba, que quase levou à terceira guerra mundial em 1962. No encontro em uma conferência em Havana em 1992, McNamara perguntou três coisas pessoalmente ao presidente Fidel Castro: “O Senhor Sabia que existiam mísseis em Cuba?”, “O Senhor Teria recomendado a União Soviética a usá-los contra os EUA?” e "O que o Senhor acredita que aconteceria com Cuba se isso ocorresse?”
As respostas de Castro foram: “Primeiro, eu sabia, segundo, eu recomendei e terceiro, Cuba seria totalmente aniquilada da face da terra”. As respostas deixam claro quão profunda era a crença ideológica de Fidel. O que mostra o ponto de McNamara: não devemos apostar na racionalidade quando essa se contrapõe á crenças que definem uma pessoa.
É com essa lição, além da brilhante constatação de Dale Carnegie, que devemos encarar o discurso de Bolsonaro na cúpula do clima. Quem estudou a história dele, em especial a primeira temporada de Retrato Narrado da Revista Piauí, em que a repórter Carol Pires traça um perfil definitivo do personagem, entende como são profundas e enraizadas as suas crenças em uma grande conspiração mundial que usaria a narrativa de defesa do meio ambiente para impedir que o Brasil se torne uma das nações mais ricas do mundo.
Essa trama envolveria ONGs, governos internacionais e os nossos indígenas. Do outro lado, ele deixa claro o seu apoio e total entusiasmo por atividades extrativas como o garimpo. Em um dos trechos resgatados de entrevistas do passado, ele lembra com saudosismo que sempre andava com uma peneira de garimpo no carro, para, sempre que tivesse oportunidade, dar uma “faiscada”, nas suas palavras.
Fidel era um reacionário da política, que morreu tentando fazer o mundo voltar a era dicotômica da guerra fria. Bolsonaro é um reacionário do clima e dos costumes, que sonha em fazer o Brasil retroceder aos tempos do extrativismo e patriarcalismo.
Seguindo as lições, o mercado e as empresas não podem racionalizar que Bolsonaro vai mudar de postura porque foi convencido ou porque percebeu que as ações do governo em relação ao meio ambiente atrapalham a capacidade de o Brasil atrair parceiros para investimentos: a racionalidade não vai nos salvar.
Assim como Trump acabou por perder uma eleição, especialmente, porque insistiu em uma postura e narrativa completamente irracional em relação ao Covid. Lembro bem em 2016, após a sua vitória, que uma opinião generalizada no mercado era de que ele seria “pragmático” e o que falava não importava muito. No final mostrou que o seu pendor para crenças em conspirações chinesas e médicas foram maiores que o pragmatismo, como era de se esperar em figuras como ele.
E como as empresas e empresário deveriam se portar em relação ao governo e meio ambiente no Brasil? O Henry Paulson, secretário do tesouro no Governo Bush de 2006/2009, ex-presidente do Goldman Sachs e atualmente membro da Assembleia de Governadores do FMI, deu a senha em uma excelente live que fez para o Washington Post na terça, antes da Cúpula. Nela, Paulson, um liberal certificado e de alto coturno, afirma que o Brasil vai precisar de investimentos externos para se recuperar e que, para captar esses recursos, deveria investir em uma agenda de sustentabilidade. Admite que esse diálogo e entendimento são muito difíceis com Bolsonaro, mas fala do caminho de parceiras com os governos estaduais para essa agenda. Essa me parece a linha das empresas que não querem ficar de fora da oportunidade de buscar recursos para a retomada da economia.
*Paulo Dalla Nora Macedoé economista e investidor em inovação
No fabuloso documentário Sob a Névoa da Guerra (ganhador do Oscar de 2003 e dirigido por Errol Morris), sobre as memórias de Robert McNamara, são relatadas onze lições que Errol tirou do livro que McNamara escreveu relatando a sua experiência como secretário de Estado americano durante a guerra do Vietnã. McNamara foi um dos “garotos brilhantes” da década de sessenta nos Estados Unidos. Graduado em Harvard, foi o primeiro presidente da Ford que não tinha o sobrenome da família. Foi então que Kennedy o convidou para ser secretário de Estado, tomando ciência pessoalmente, apenas no momento do convite.
A segunda lição elencada na lista que compõe o filme é: “A racionalidade não vai nos salvar”. Para ilustrar o fato, Errol mostra um encontro histórico de McNamara e Fidel Castro, trinta anos depois da crise dos mísseis em Cuba, que quase levou à terceira guerra mundial em 1962. No encontro em uma conferência em Havana em 1992, McNamara perguntou três coisas pessoalmente ao presidente Fidel Castro: “O Senhor Sabia que existiam mísseis em Cuba?”, “O Senhor Teria recomendado a União Soviética a usá-los contra os EUA?” e "O que o Senhor acredita que aconteceria com Cuba se isso ocorresse?”
As respostas de Castro foram: “Primeiro, eu sabia, segundo, eu recomendei e terceiro, Cuba seria totalmente aniquilada da face da terra”. As respostas deixam claro quão profunda era a crença ideológica de Fidel. O que mostra o ponto de McNamara: não devemos apostar na racionalidade quando essa se contrapõe á crenças que definem uma pessoa.
É com essa lição, além da brilhante constatação de Dale Carnegie, que devemos encarar o discurso de Bolsonaro na cúpula do clima. Quem estudou a história dele, em especial a primeira temporada de Retrato Narrado da Revista Piauí, em que a repórter Carol Pires traça um perfil definitivo do personagem, entende como são profundas e enraizadas as suas crenças em uma grande conspiração mundial que usaria a narrativa de defesa do meio ambiente para impedir que o Brasil se torne uma das nações mais ricas do mundo.
Essa trama envolveria ONGs, governos internacionais e os nossos indígenas. Do outro lado, ele deixa claro o seu apoio e total entusiasmo por atividades extrativas como o garimpo. Em um dos trechos resgatados de entrevistas do passado, ele lembra com saudosismo que sempre andava com uma peneira de garimpo no carro, para, sempre que tivesse oportunidade, dar uma “faiscada”, nas suas palavras.
Fidel era um reacionário da política, que morreu tentando fazer o mundo voltar a era dicotômica da guerra fria. Bolsonaro é um reacionário do clima e dos costumes, que sonha em fazer o Brasil retroceder aos tempos do extrativismo e patriarcalismo.
Seguindo as lições, o mercado e as empresas não podem racionalizar que Bolsonaro vai mudar de postura porque foi convencido ou porque percebeu que as ações do governo em relação ao meio ambiente atrapalham a capacidade de o Brasil atrair parceiros para investimentos: a racionalidade não vai nos salvar.
Assim como Trump acabou por perder uma eleição, especialmente, porque insistiu em uma postura e narrativa completamente irracional em relação ao Covid. Lembro bem em 2016, após a sua vitória, que uma opinião generalizada no mercado era de que ele seria “pragmático” e o que falava não importava muito. No final mostrou que o seu pendor para crenças em conspirações chinesas e médicas foram maiores que o pragmatismo, como era de se esperar em figuras como ele.
E como as empresas e empresário deveriam se portar em relação ao governo e meio ambiente no Brasil? O Henry Paulson, secretário do tesouro no Governo Bush de 2006/2009, ex-presidente do Goldman Sachs e atualmente membro da Assembleia de Governadores do FMI, deu a senha em uma excelente live que fez para o Washington Post na terça, antes da Cúpula. Nela, Paulson, um liberal certificado e de alto coturno, afirma que o Brasil vai precisar de investimentos externos para se recuperar e que, para captar esses recursos, deveria investir em uma agenda de sustentabilidade. Admite que esse diálogo e entendimento são muito difíceis com Bolsonaro, mas fala do caminho de parceiras com os governos estaduais para essa agenda. Essa me parece a linha das empresas que não querem ficar de fora da oportunidade de buscar recursos para a retomada da economia.
*Paulo Dalla Nora Macedoé economista e investidor em inovação