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O que os EUA precisam compreender sobre o Capitalismo

Embora Warren e Sanders discordem nos detalhes, ambos querem colocar o governo de volta ao comando da estruturação dos mercados para o bem comum

TRUMP: o presidente americano prefere deixar que as corporações multinacionais decidam como operar seus próprios mercados / REUTERS/Kevin Lamarque
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Da Redação

Publicado em 19 de julho de 2019 às 17h27.

BERKELEY – Os candidatos à disputa presidencial dos EUA em 2020 estão propondo uma série de políticas econômicas frequentemente descritas como de livre-mercado ou como socialistas. Esses rótulos costumam confundir o público americano. Em especial, o capitalismo que amplamente – e erroneamente – compreendido como sinônimo de livre mercado. Na verdade, isso inclui todos os sistemas econômicos onde haja propriedade privada, desde livres mercados até social democracia.

Essas várias formas de capitalismo exigem regras básicas que regulem o funcionamento dos mercados, como proteção à propriedade e estado de direito. A maioria das sociedades capitalistas também possui programas sociais para proteger os mais vulneráveis. Os governos nas economias capitalistas, portanto, enfrentam duas escolhas fundamentais. Primeira, eles podem estabelecer regras de mercado para o bem comum ou delegar essa tarefa a grandes empresas sob o disfarce de “livres mercados”. Segunda, eles podem elaborar programas sociais universais com o objetivo de reduzir a desigualdade e proteger o meio ambiente ou redimensioná-los, a fim de minimizar os gastos do governo nessas áreas.

As escolhas que os governos fazem exercem grande influência sobre os níveis de desigualdade, as emissões de gases do efeito estufa e o bem-estar geral. Para avaliar adequadamente as políticas econômicas dos candidatos democratas, precisamos entender suas propostas de estruturação dos mercados e de criação ou ampliação dos programas sociais.

O presidente dos EUA, Donald Trump, menospreza essas medidas qualificando-as como “socialismo” e, em vez disso, elogia os livres mercados sem reconhecer que estes precisam de regras para funcionar. Em vez de estabelecer as regras, o governo Trump prefere deixar que as corporações multinacionais decidam como operar seus próprios mercados. No entanto, na Big Tech e em muitos outros setores cada vez mais concentrados, a desregulamentação não aumenta a concorrência; pelo contrário, permite que as grandes empresas manipulem as coisas em benefício próprio.

Vamos considerar o setor de energia, onde Trump colocou as grandes empresas de energia (carvão, petróleo e gás) no comando das políticas climáticas dos EUA. Os chefes dessas corporações agora determinam quanto podem poluir e de quanto tempo precisam para desenvolver competências de energia renovável, enquanto os EUA continuam viciados em combustíveis fósseis. No setor de saúde, as grandes empresas farmacêuticas têm liberdade para fixar os preços dos medicamentos e as grandes seguradoras abocanham um quarto das receitas do setor. O complexo militar-industrial domina o Pentágono, os bancos de investimento controlam a Wall Street e grandes conglomerados agrícolas dominam as terras cultiváveis americanas.

A concentração de mercado permite que algumas grandes multinacionais controlem um setor industrial, o que resulta em preços altos e excessiva remuneração de seus executivos. Os já estabelecidos massacram os recém-chegados para manter seu poder de mercado e, em seguida, usam lucros excessivos para ajudar a eleger formuladores de políticas amigos e fazer lobby por políticas que apoiem essa contínua dominância – muitas vezes minando o poder dos movimentos populares democráticos.

Vários candidatos presidenciais democratas apontam para esses problemas. Elizabeth Warren, por exemplo, culpa a corrupção nas grandes empresas por piorar a desigualdade e a crise climática , e por minar a democracia americana. Bernie Sanders pediu uma revolução política de base para criar uma social democracia nos EUA.

Embora Warren e Sanders discordem nos detalhes, ambos querem colocar o governo de volta ao comando da estruturação dos mercados para o bem comum – incluindo impostos mais altos nos grandes e prósperos negócios, juntamente com a aplicação mais estrita das leis antitruste e ambientais. Ambos os candidatos também defendem programas sociais do governo que visem proporcionar a todos: assistência médica, cuidados infantis, ensino superior, moradia adequada e empregos decentes, juntamente com uma rede de segurança social para apoiá-los em tempos difíceis.

Outros promissores democratas também defenderam algumas dessas medidas, porém candidatos mais centristas dizem que tais programas seriam muito caros ou até mesmo minariam a liberdade, propagando dessa maneira uma crítica padrão da direita. O ex-vice-presidente Joe Biden, por exemplo, disse recentemente aos ricos doadores que “nada mudaria fundamentalmente” se ele se tornasse presidente. No entanto, o sistema capitalista dos EUA precisa de uma grande reformulação para enfrentar a crise climática e níveis inaceitavelmente altos de desigualdade. Países europeus demonstraram como amplos programas governamentais, economias florescentes e liberdade andam lado a lado.

Alguns estão mapeando o caminho a seguir. Joseph E. Stiglitz, economista ganhador do Prêmio Nobel, diz que o capitalismo progressista poderia ajudar muito a reduzir a usurpação de riquezas e criar uma economia mais sustentável e equitativa. E o Poor People’s Moral Budget (Orçamento Moral dos Pobres) defende programas sociais progressistas financiados por meio de impostos e o redirecionamento dos gastos federais existentes.

Nossa equipe de pesquisa da Universidade da Califórnia, em Berkeley, criou o Índice de Política de Prosperidade Compartilhada Sustentável (SSPI) para medir políticas que apoiam uma vida significativa em um mundo sustentável. O SSPI classifica 50 países com base em três critérios gerais: políticas que estruturam mercados com regras e impostos; medidas para proteger o meio ambiente; e programas governamentais que apoiam pessoas saudáveis e instruídas, juntamente com a infraestrutura e os direitos humanos que estabelecem uma sociedade que funcione direito. Ao coletar dados sobre mais de 50 indicadores de políticas, o SSPI oferece um roteiro prático para a criação de uma economia que cuide das pessoas e do meio ambiente.

Todos os candidatos à presidência dos EUA devem apresentar seus planos econômicos para que os eleitores possam avaliar como as alternativas afetarão sua qualidade de vida. As pessoas precisam saber se terão acesso a assistência médica, educação superior e assistência infantil, além de um trabalho seguro que pague um salário decente e lhes ofereça tempo para uma vida equilibrada com a família, amigos e a comunidade.

Isso certamente não é demais para que esperam e exigem os cidadãos de uma nação rica. Os Estados Unidos têm os recursos para criar uma economia capitalista melhor e sabemos quais políticas podem melhorar o bem-estar hoje e para as gerações futuras. Agora, o país precisa eleger um presidente e um Congresso que possam construir esse novo sistema.

Clair Brown é Professora de economia e diretora do Centro de Trabalho, Tecnologia e Sociedade da Universidade da Califórnia, em Berkeley, e autora de Buddhist Economics: An Enlightened Approach to the Dismal Science (Economia Budista: Uma Abordagem Iluminada para a Ciência Desanimadora).

Simon Sällström é Coordenador de Pesquisa do Índice de Políticas de Prosperidade Compartilhada Sustentável (SSPI) da Universidade da Califórnia, Berkeley.

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BERKELEY – Os candidatos à disputa presidencial dos EUA em 2020 estão propondo uma série de políticas econômicas frequentemente descritas como de livre-mercado ou como socialistas. Esses rótulos costumam confundir o público americano. Em especial, o capitalismo que amplamente – e erroneamente – compreendido como sinônimo de livre mercado. Na verdade, isso inclui todos os sistemas econômicos onde haja propriedade privada, desde livres mercados até social democracia.

Essas várias formas de capitalismo exigem regras básicas que regulem o funcionamento dos mercados, como proteção à propriedade e estado de direito. A maioria das sociedades capitalistas também possui programas sociais para proteger os mais vulneráveis. Os governos nas economias capitalistas, portanto, enfrentam duas escolhas fundamentais. Primeira, eles podem estabelecer regras de mercado para o bem comum ou delegar essa tarefa a grandes empresas sob o disfarce de “livres mercados”. Segunda, eles podem elaborar programas sociais universais com o objetivo de reduzir a desigualdade e proteger o meio ambiente ou redimensioná-los, a fim de minimizar os gastos do governo nessas áreas.

As escolhas que os governos fazem exercem grande influência sobre os níveis de desigualdade, as emissões de gases do efeito estufa e o bem-estar geral. Para avaliar adequadamente as políticas econômicas dos candidatos democratas, precisamos entender suas propostas de estruturação dos mercados e de criação ou ampliação dos programas sociais.

O presidente dos EUA, Donald Trump, menospreza essas medidas qualificando-as como “socialismo” e, em vez disso, elogia os livres mercados sem reconhecer que estes precisam de regras para funcionar. Em vez de estabelecer as regras, o governo Trump prefere deixar que as corporações multinacionais decidam como operar seus próprios mercados. No entanto, na Big Tech e em muitos outros setores cada vez mais concentrados, a desregulamentação não aumenta a concorrência; pelo contrário, permite que as grandes empresas manipulem as coisas em benefício próprio.

Vamos considerar o setor de energia, onde Trump colocou as grandes empresas de energia (carvão, petróleo e gás) no comando das políticas climáticas dos EUA. Os chefes dessas corporações agora determinam quanto podem poluir e de quanto tempo precisam para desenvolver competências de energia renovável, enquanto os EUA continuam viciados em combustíveis fósseis. No setor de saúde, as grandes empresas farmacêuticas têm liberdade para fixar os preços dos medicamentos e as grandes seguradoras abocanham um quarto das receitas do setor. O complexo militar-industrial domina o Pentágono, os bancos de investimento controlam a Wall Street e grandes conglomerados agrícolas dominam as terras cultiváveis americanas.

A concentração de mercado permite que algumas grandes multinacionais controlem um setor industrial, o que resulta em preços altos e excessiva remuneração de seus executivos. Os já estabelecidos massacram os recém-chegados para manter seu poder de mercado e, em seguida, usam lucros excessivos para ajudar a eleger formuladores de políticas amigos e fazer lobby por políticas que apoiem essa contínua dominância – muitas vezes minando o poder dos movimentos populares democráticos.

Vários candidatos presidenciais democratas apontam para esses problemas. Elizabeth Warren, por exemplo, culpa a corrupção nas grandes empresas por piorar a desigualdade e a crise climática , e por minar a democracia americana. Bernie Sanders pediu uma revolução política de base para criar uma social democracia nos EUA.

Embora Warren e Sanders discordem nos detalhes, ambos querem colocar o governo de volta ao comando da estruturação dos mercados para o bem comum – incluindo impostos mais altos nos grandes e prósperos negócios, juntamente com a aplicação mais estrita das leis antitruste e ambientais. Ambos os candidatos também defendem programas sociais do governo que visem proporcionar a todos: assistência médica, cuidados infantis, ensino superior, moradia adequada e empregos decentes, juntamente com uma rede de segurança social para apoiá-los em tempos difíceis.

Outros promissores democratas também defenderam algumas dessas medidas, porém candidatos mais centristas dizem que tais programas seriam muito caros ou até mesmo minariam a liberdade, propagando dessa maneira uma crítica padrão da direita. O ex-vice-presidente Joe Biden, por exemplo, disse recentemente aos ricos doadores que “nada mudaria fundamentalmente” se ele se tornasse presidente. No entanto, o sistema capitalista dos EUA precisa de uma grande reformulação para enfrentar a crise climática e níveis inaceitavelmente altos de desigualdade. Países europeus demonstraram como amplos programas governamentais, economias florescentes e liberdade andam lado a lado.

Alguns estão mapeando o caminho a seguir. Joseph E. Stiglitz, economista ganhador do Prêmio Nobel, diz que o capitalismo progressista poderia ajudar muito a reduzir a usurpação de riquezas e criar uma economia mais sustentável e equitativa. E o Poor People’s Moral Budget (Orçamento Moral dos Pobres) defende programas sociais progressistas financiados por meio de impostos e o redirecionamento dos gastos federais existentes.

Nossa equipe de pesquisa da Universidade da Califórnia, em Berkeley, criou o Índice de Política de Prosperidade Compartilhada Sustentável (SSPI) para medir políticas que apoiam uma vida significativa em um mundo sustentável. O SSPI classifica 50 países com base em três critérios gerais: políticas que estruturam mercados com regras e impostos; medidas para proteger o meio ambiente; e programas governamentais que apoiam pessoas saudáveis e instruídas, juntamente com a infraestrutura e os direitos humanos que estabelecem uma sociedade que funcione direito. Ao coletar dados sobre mais de 50 indicadores de políticas, o SSPI oferece um roteiro prático para a criação de uma economia que cuide das pessoas e do meio ambiente.

Todos os candidatos à presidência dos EUA devem apresentar seus planos econômicos para que os eleitores possam avaliar como as alternativas afetarão sua qualidade de vida. As pessoas precisam saber se terão acesso a assistência médica, educação superior e assistência infantil, além de um trabalho seguro que pague um salário decente e lhes ofereça tempo para uma vida equilibrada com a família, amigos e a comunidade.

Isso certamente não é demais para que esperam e exigem os cidadãos de uma nação rica. Os Estados Unidos têm os recursos para criar uma economia capitalista melhor e sabemos quais políticas podem melhorar o bem-estar hoje e para as gerações futuras. Agora, o país precisa eleger um presidente e um Congresso que possam construir esse novo sistema.

Clair Brown é Professora de economia e diretora do Centro de Trabalho, Tecnologia e Sociedade da Universidade da Califórnia, em Berkeley, e autora de Buddhist Economics: An Enlightened Approach to the Dismal Science (Economia Budista: Uma Abordagem Iluminada para a Ciência Desanimadora).

Simon Sällström é Coordenador de Pesquisa do Índice de Políticas de Prosperidade Compartilhada Sustentável (SSPI) da Universidade da Califórnia, Berkeley.

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