O dia seguinte ao IPO
Após a abertura de capital, normalmente a empresa está sozinha e depende muito de sua equipe de liderança para alcançar o desempenho esperado
Da Redação
Publicado em 17 de outubro de 2020 às 07h15.
Última atualização em 19 de outubro de 2020 às 18h06.
O mercado de capitais no Brasil tem um histórico forte de volatilidade e isso torna o processo de novas emissões e IPOs (sigla em inglês para oferta pública inicial de ações) dependente da abertura de “janelas”. Esse é um jargão de mercado para os momentos em que há possiblidade de fazer emissões de ações. Como a situação em geral é binária, nos momentos em que se percebe essa tal abertura de janela, é comum vermos uma grande corrida para a preparação das empresas candidatas a esse tipo de operação.
Essa dinâmica coloca uma pressão de tempo muito relevante nas empresas que estão nessa situação. Apesar de ser uma operação complexa, com muitas frentes diferentes de trabalho a serem conduzidas, é comum ver empresas conseguindo fazer essa preparação com apenas quatro ou seis meses antes do evento.
Esse “milagre” é possível porque durante o período de janela há uma forte mobilização de diversos assessores que apoiam a empresa nesse processo: bancos, advogados e auditores, além de consultores em geral. Todos interessados no êxito da transação
marcada pelo início das negociações das ações da empresa.
O dia seguinte à abertura de capital, então, marca uma nova fase para a empresa. Diferentemente do momento pré-IPO, em que está apoiada por diferentes agentes, a companhia agora, em geral, está sozinha e com a responsabilidade de entregar os planos e os resultados de negócio que foram apresentados anteriormente aos investidores.
Compilamos os principais aprendizados de nossos clientes, tanto com os erros quanto com os acertos, para ajudar aqueles conselheiros, CEOs e CFOs de empresas que têm esse tipo de projeto pela frente. Nosso objetivo é ajudá-lo a entender qual é o seu papel para o bom desempenho da companhia depois da abertura de capital.
O dia seguinte
Os principais desafios pós-IPO nascem nas etapas que o antecedem: como a empresa e os times foram preparados para tocarem os processos? Como a operação foi estruturada? Como o plano de negócios foi construído e comunicado? Como foi feita a precificação da transação e a alocação dos investidores?
A combinação desses fatores determinará o tipo de desafio que a liderança da companhia terá nos primeiros trimestres de negociação das ações da empresa. Um grande sucesso na abertura de capital pode representar um desafio enorme no dia seguinte, o que impactará a construção da reputação do papel no mercado.
Grau de organização da empresa
Quando se fala em abertura de capital, surpresas não são bem-vindas. Para evitá-las, são muitos os pontos que precisam ser cobertos pela empresa e que irão ajudá-la no início do processo pós-IPO. É preciso garantir, por exemplo, que, na transação, todos os dados, números, indicadores, fatores de riscos, principais políticas e acordo de acionistas foram bem construídos e comunicados com o nível de disclosure (divulgação) adequado.
Também é necessário garantir que a estratégia seja bem formalizada nos seus detalhes e que o management (a gestão), o conselho e a diretoria anunciados na transação sejam capacitados para alcançar o desempenho esperado na nova fase da empresa, considerando a nova governança. O processo decisório da empresa e seu modelo de gestão devem estar adequados às novas demandas, e não somente para atender obrigações mandatórias (conselho, auditoria interna, relações com investidores...).
Assertividade do plano de negócios apresentado
Investidores querem empresas que tenham planos de negócios interessantes. Planos que tenham teses de crescimento bem fundamentadas (crescimento e retorno), que enderecem de maneira ativa os desafios e as oportunidades associadas à tecnologia e que incluam objetivos e padrões de conduta para temas ambientais, sociais e de governança (ESG, na sigla em inglês). Tão importante quanto ter um bom plano é demonstrar a capacidade que o management da empresa terá para entregá-lo.
Para tanto, caberá ao management alinhar as expectativas em relação ao plano. Apresentá-lo com base em premissas mais arrojadas pode tornar o discurso de venda mais atraente, mas pode tornar sua entrega depois mais desafiadora. Ao mesmo tempo, ser moderado pode gerar o risco de não engajar os novos investidores para a transação.
Assertividade no pricing
O nível de interesse do mercado na operação determinará uma faixa de preço possível. Uma vez construída a faixa de preço, a definição da estratégia de pricing pelo management passa por uma gestão de muitos interesses. O management tem a decisão entre uma abordagem de maximização do preço e do resultado na transação versus deixar margem no preço para que a ação suba após a abertura, o que ajuda a posicionar a empresa junto aos investidores no longo prazo. O management também precisa ouvir a posição dos bancos, que, além de assessorarem a própria empresa, estão também conectados com as expectativas dos investidores na outra ponta.
Assertividade na alocação
É preciso definir quais investidores entrarão na oferta e com qual quantidade de ações, considerando suas características de investimento e representatividade no mercado. Essa estratégia passa por definir quais investidores devem receber alocações, pois cumprirão o papel de comprar e segurar a sua ação no longo prazo, protegendo assim o seu preço, e quais cumprirão o papel de girar a sua ação, protegendo assim a sua liquidez.
Também é preciso ter claro quais serão os investidores que cumprem papel estratégico de referenciar o seu papel e quais trarão um ângulo diferenciado de entendimento do seu negócio. Essa etapa é ainda mais complexa caso a abertura de capital seja no exterior.
Governança da execução
Para alcançar o desempenho esperado em um contexto em que o trimestre é como uma vida inteira para a empresa, a governança precisa estar alinhada para que haja disciplina na entrega de curto prazo sem que isso distancie a organização dos seus objetivos de longo prazo. Como empresa de capital aberto, o nível de escrutínio e questionamento das decisões pelos investidores é muito maior.
O rigor com a meta e a disciplina na gestão da equipe para chegar às entregas são fatores-chave para entregar o resultado dos primeiros trimestres e, assim, manter o engajamento dos investidores-âncora e o interesse de cobertura do sell side. Uma perda na entrega no início gera impacto de reputação que pode demorar anos para ser reconstruída. A execução passa também pelo perfil e pela composição do management e sua capacidade de entender e se adaptar aos novos desafios da organização.
Proatividade na relação com investidores
A área de relações institucionais (RI) precisa atuar na definição da estratégia de comunicação e preparar a empresa para um nível de disclosure de informações para o mercado superior. Também é seu papel ajudar o management a entender a dinâmica do mercado e os feedbacks e relatórios que irá receber constantemente. Preço de ação e recomendações de compra ou venda passam a ser uma constante no dia a dia do management. Também cabe à área de RI um trabalho proativo para aumentar a liquidez do papel, sobretudo nas empresas médias e pequenas, que naturalmente já têm maior dificuldade de ganhar relevância.
Gestão dos incentivos
O conselho precisa aprovar um plano de incentivos para a empresa atrair, reter e direcionar os comportamentos desejados para os executivos-chave. Desenhar modelos que impulsionem a organização para atingir os resultados desenhados, mas que não gerem margem para conflitos de interesse ou incentivos para comportamentos nocivos para a organização.
Conclusão
Os juros baixos no Brasil podem consolidar o mercado de ações como a principal fonte de financiamento para as empresas do país, assim como já acontece no mercado americano. Se essa tendência se confirmar, levará as companhias brasileiras ao desafio de evoluir no tema da governança corporativa.
As demandas do mercado não permitem uma governança em que há somente um dono da empresa como o único responsável pela estratégia e gestão do negócio. Tampouco em que a tomada de decisão se dá sem estrutura, planejamento e sem o devido disclosure para o mercado.
No entanto investidores e conselhos precisarão levar em consideração que o mercado de talentos no Brasil ainda é escasso e isso quer dizer que, em geral, as empresas não terão os recursos humanos ideais no momento da abertura de capital.
Se selecionar os melhores profissionais não será uma opção viável para todas as empresas, desenvolver a capacidade de antecipar o impacto dessa limitação de management no desempenho da empresa passa a ser chave para a definição de estratégias no conselho e no processo de gestão de portfólio dos investidores.
*Bernardo Cavour e Luiz Gustavo Mariano são sócios da FLOW Consultoria.
O mercado de capitais no Brasil tem um histórico forte de volatilidade e isso torna o processo de novas emissões e IPOs (sigla em inglês para oferta pública inicial de ações) dependente da abertura de “janelas”. Esse é um jargão de mercado para os momentos em que há possiblidade de fazer emissões de ações. Como a situação em geral é binária, nos momentos em que se percebe essa tal abertura de janela, é comum vermos uma grande corrida para a preparação das empresas candidatas a esse tipo de operação.
Essa dinâmica coloca uma pressão de tempo muito relevante nas empresas que estão nessa situação. Apesar de ser uma operação complexa, com muitas frentes diferentes de trabalho a serem conduzidas, é comum ver empresas conseguindo fazer essa preparação com apenas quatro ou seis meses antes do evento.
Esse “milagre” é possível porque durante o período de janela há uma forte mobilização de diversos assessores que apoiam a empresa nesse processo: bancos, advogados e auditores, além de consultores em geral. Todos interessados no êxito da transação
marcada pelo início das negociações das ações da empresa.
O dia seguinte à abertura de capital, então, marca uma nova fase para a empresa. Diferentemente do momento pré-IPO, em que está apoiada por diferentes agentes, a companhia agora, em geral, está sozinha e com a responsabilidade de entregar os planos e os resultados de negócio que foram apresentados anteriormente aos investidores.
Compilamos os principais aprendizados de nossos clientes, tanto com os erros quanto com os acertos, para ajudar aqueles conselheiros, CEOs e CFOs de empresas que têm esse tipo de projeto pela frente. Nosso objetivo é ajudá-lo a entender qual é o seu papel para o bom desempenho da companhia depois da abertura de capital.
O dia seguinte
Os principais desafios pós-IPO nascem nas etapas que o antecedem: como a empresa e os times foram preparados para tocarem os processos? Como a operação foi estruturada? Como o plano de negócios foi construído e comunicado? Como foi feita a precificação da transação e a alocação dos investidores?
A combinação desses fatores determinará o tipo de desafio que a liderança da companhia terá nos primeiros trimestres de negociação das ações da empresa. Um grande sucesso na abertura de capital pode representar um desafio enorme no dia seguinte, o que impactará a construção da reputação do papel no mercado.
Grau de organização da empresa
Quando se fala em abertura de capital, surpresas não são bem-vindas. Para evitá-las, são muitos os pontos que precisam ser cobertos pela empresa e que irão ajudá-la no início do processo pós-IPO. É preciso garantir, por exemplo, que, na transação, todos os dados, números, indicadores, fatores de riscos, principais políticas e acordo de acionistas foram bem construídos e comunicados com o nível de disclosure (divulgação) adequado.
Também é necessário garantir que a estratégia seja bem formalizada nos seus detalhes e que o management (a gestão), o conselho e a diretoria anunciados na transação sejam capacitados para alcançar o desempenho esperado na nova fase da empresa, considerando a nova governança. O processo decisório da empresa e seu modelo de gestão devem estar adequados às novas demandas, e não somente para atender obrigações mandatórias (conselho, auditoria interna, relações com investidores...).
Assertividade do plano de negócios apresentado
Investidores querem empresas que tenham planos de negócios interessantes. Planos que tenham teses de crescimento bem fundamentadas (crescimento e retorno), que enderecem de maneira ativa os desafios e as oportunidades associadas à tecnologia e que incluam objetivos e padrões de conduta para temas ambientais, sociais e de governança (ESG, na sigla em inglês). Tão importante quanto ter um bom plano é demonstrar a capacidade que o management da empresa terá para entregá-lo.
Para tanto, caberá ao management alinhar as expectativas em relação ao plano. Apresentá-lo com base em premissas mais arrojadas pode tornar o discurso de venda mais atraente, mas pode tornar sua entrega depois mais desafiadora. Ao mesmo tempo, ser moderado pode gerar o risco de não engajar os novos investidores para a transação.
Assertividade no pricing
O nível de interesse do mercado na operação determinará uma faixa de preço possível. Uma vez construída a faixa de preço, a definição da estratégia de pricing pelo management passa por uma gestão de muitos interesses. O management tem a decisão entre uma abordagem de maximização do preço e do resultado na transação versus deixar margem no preço para que a ação suba após a abertura, o que ajuda a posicionar a empresa junto aos investidores no longo prazo. O management também precisa ouvir a posição dos bancos, que, além de assessorarem a própria empresa, estão também conectados com as expectativas dos investidores na outra ponta.
Assertividade na alocação
É preciso definir quais investidores entrarão na oferta e com qual quantidade de ações, considerando suas características de investimento e representatividade no mercado. Essa estratégia passa por definir quais investidores devem receber alocações, pois cumprirão o papel de comprar e segurar a sua ação no longo prazo, protegendo assim o seu preço, e quais cumprirão o papel de girar a sua ação, protegendo assim a sua liquidez.
Também é preciso ter claro quais serão os investidores que cumprem papel estratégico de referenciar o seu papel e quais trarão um ângulo diferenciado de entendimento do seu negócio. Essa etapa é ainda mais complexa caso a abertura de capital seja no exterior.
Governança da execução
Para alcançar o desempenho esperado em um contexto em que o trimestre é como uma vida inteira para a empresa, a governança precisa estar alinhada para que haja disciplina na entrega de curto prazo sem que isso distancie a organização dos seus objetivos de longo prazo. Como empresa de capital aberto, o nível de escrutínio e questionamento das decisões pelos investidores é muito maior.
O rigor com a meta e a disciplina na gestão da equipe para chegar às entregas são fatores-chave para entregar o resultado dos primeiros trimestres e, assim, manter o engajamento dos investidores-âncora e o interesse de cobertura do sell side. Uma perda na entrega no início gera impacto de reputação que pode demorar anos para ser reconstruída. A execução passa também pelo perfil e pela composição do management e sua capacidade de entender e se adaptar aos novos desafios da organização.
Proatividade na relação com investidores
A área de relações institucionais (RI) precisa atuar na definição da estratégia de comunicação e preparar a empresa para um nível de disclosure de informações para o mercado superior. Também é seu papel ajudar o management a entender a dinâmica do mercado e os feedbacks e relatórios que irá receber constantemente. Preço de ação e recomendações de compra ou venda passam a ser uma constante no dia a dia do management. Também cabe à área de RI um trabalho proativo para aumentar a liquidez do papel, sobretudo nas empresas médias e pequenas, que naturalmente já têm maior dificuldade de ganhar relevância.
Gestão dos incentivos
O conselho precisa aprovar um plano de incentivos para a empresa atrair, reter e direcionar os comportamentos desejados para os executivos-chave. Desenhar modelos que impulsionem a organização para atingir os resultados desenhados, mas que não gerem margem para conflitos de interesse ou incentivos para comportamentos nocivos para a organização.
Conclusão
Os juros baixos no Brasil podem consolidar o mercado de ações como a principal fonte de financiamento para as empresas do país, assim como já acontece no mercado americano. Se essa tendência se confirmar, levará as companhias brasileiras ao desafio de evoluir no tema da governança corporativa.
As demandas do mercado não permitem uma governança em que há somente um dono da empresa como o único responsável pela estratégia e gestão do negócio. Tampouco em que a tomada de decisão se dá sem estrutura, planejamento e sem o devido disclosure para o mercado.
No entanto investidores e conselhos precisarão levar em consideração que o mercado de talentos no Brasil ainda é escasso e isso quer dizer que, em geral, as empresas não terão os recursos humanos ideais no momento da abertura de capital.
Se selecionar os melhores profissionais não será uma opção viável para todas as empresas, desenvolver a capacidade de antecipar o impacto dessa limitação de management no desempenho da empresa passa a ser chave para a definição de estratégias no conselho e no processo de gestão de portfólio dos investidores.
*Bernardo Cavour e Luiz Gustavo Mariano são sócios da FLOW Consultoria.