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O código fiscal do empreendedor digital: como estruturar o negócio na era da reforma tributária

A era da inteligência fiscal digital, da visão estratégica e da profissionalização absoluta acaba de começar

Estratégia para investimentos no período da reforma tributária

Estratégia para investimentos no período da reforma tributária

Publicado em 26 de novembro de 2025 às 07h41.

Última atualização em 26 de novembro de 2025 às 09h04.

Introdução: a velocidade da economia digital

O ecossistema digital e o Direito Tributário (Digital) evoluiu exponencialmente. Vendas de cursos, mentorias, plataformas, comunidades pagas, SaaS e produtos híbridos se tornaram o centro de um dos mercados mais vibrantes do país. Mas, enquanto o marketing digital avança com velocidade de foguete, a estrutura fiscal da maior parte dos empreendedores segue presa a modelos improvisados, decisões apressadas e interpretações ultrapassadas.

A partir de 2026, com o início da transição para o novo sistema tributário — IBS, CBS e IS — esse desalinhamento entre o mundo digital e o mundo fiscal tende a aumentar, punindo quem não se adaptar.

A lógica é simples: empreendedor digital profissional precisa ter visão fiscal de futuro, ou será atropelado pelo novo modelo.

Este artigo explica como estruturar um negócio digital de forma segura e inteligente nesse novo cenário em oito passos práticos.

Passo 1

No sistema atual, o Brasil não tributa o que você vende — tributa como você vende. No novo sistema, a lógica permanece — mas muda o impacto.

Hoje, a tributação depende fortemente da natureza jurídica da operação:
• curso gravado → ISS
• mentoria personalizada → ISS
• e-book → ICMS
• assinatura de plataforma → ISS
• transmissão sem interação → ICMS
• produtos físicos → ICMS
• serviços digitais em geral → ISS

Ou seja: duas operações praticamente idênticas podem ter cargas tributárias totalmente diferentes. Com a Reforma Tributária, esse cenário não desaparece, mas se transforma.

A partir de 2026: (a) CBS substitui PIS/COFINS; (b) IBS substitui ICMS e ISS; (c) IS substitui IPI; (d) regras passam a ser mais uniformes, mas o critério essencial ainda será a natureza da operação; (e) serviços digitais são fortemente inclinados ao IBS; e (f) plataformas, licenças e conteúdos seguem o critério da prestação continuada.

O efeito prático: a definição correta da atividade digital continua sendo o coração do planejamento fiscal — agora com impacto federalizado e alíquota somada.

Passo 2

O “ato nuclear digital” permanece determinante — mas sua importância será muito maior no novo modelo.

O ato nuclear do negócio digital é a atividade que define o regime tributário predominante. E continuará sendo assim após 2026, mas com mais consequências, porque: IBS e CBS terão alíquotas somadas, a classificação errada poderá desencadear exigências retroativas, créditos e débitos serão mais automatizados, plataformas estarão integradas aos fiscos estaduais, municipais e federal, inconsistências serão detectadas por algoritmos e não por auditores humanos.

Em outras palavras, se o empreendedor digital já deveria se preocupar com o ato nuclear em 2024, em 2026 isso se torna obrigação estratégica.

Passo 3

Pessoa Jurídica deixa de ser recomendável para se tornar indispensável. A evolução do sistema tributário para o modelo de IVA dual (IBS + CBS) torna inviável operar um negócio digital como pessoa física ou MEI, pelos seguintes motivos: (a) MEI não comporta a complexidade dos novos enquadramentos; (b) MEI não suporta crescimento em escala de faturamento típica do digital; (c) MEI não permite estruturação em cadeia, essencial no novo sistema; (d) operações digitais estarão mais expostas à rastreabilidade automática; e (e) empresas precisarão de compliance para recuperar créditos e otimizar a cadeia de operações.

O modelo recomendado:
1. Pessoa Jurídica operando com CNAEs específicos do digital: com foco em atividades de educação digital, plataformas, conteúdos gravados, consultoria, mentoria e licenciamento.
2. Estrutura dividida em produção e comercialização: essa divisão, que já trazia benefícios no modelo antigo, torna-se ainda mais eficiente no novo: a empresa produtora gera menos impacto em IBS, a comercializadora lida com CBS e IBS de forma mais clara, o fluxo de créditos fica mais transparente e riscos são isolados em operações distintas.
3. Holding pessoal opcional, mas com vantagens crescentes: especialmente para gestão de direitos autorais e recebimento de royalties.

Passo 4

A hiper fiscalização digital aumenta exponencialmente com a Reforma Tributária. Atualmente, o Fisco já recebe: dados de plataformas, como Hotmart, Kiwify, Monetizze, Eduzz, entre outras; movimentações bancárias; transações com cartão; operações internacionais; dados de plataformas de pagamento; e notas fiscais emitidas e não emitidas.

Com a Reforma Tributária, isso se intensifica porque: IBS e CBS terão recolhimento centralizado; haverá entrega automática de dados pelas plataformas; cruzamentos ocorrerão em níveis mais profundos; inconsistências serão identificadas instantaneamente; o sistema permitirá auditorias digitais em tempo real.

O empreendedor digital viverá na fronteira da transparência total. Não haverá “depois eu acerto”.

Passo 5

O Funil Fiscal 5.0 permanece válido — e ganha nova camada de exigência. O modelo de organização fiscal em quatro etapas, antes focado no sistema atual, permanece essencial:
1. Diagnóstico Fiscal: agora incluindo enquadramento no futuro IBS/CBS.
2. Arquitetura Jurídica: divisão de atividades, contratos, mapeamento de operações.
3. Orquestração Contábil: classificação de receitas e despesas para otimizar créditos no IVA dual.
4. Execução Tributária: foco em: alíquota somada IBS + CBS, créditos recuperáveis, recolhimentos integrados e obrigações acessórias digitais.
A diferença é que agora o funil exige visão dupla: compreensão do sistema atual e planejamento para o novo.

Passo 6

Plataformas digitais continuam sendo o ponto mais sensível. Mesmo antes da Reforma, plataformas já integram dados diretamente aos fiscos municipais. Com o IBS, essa integração será: nacional, simultânea, totalmente automatizada e sem necessidade de ação do contribuinte.

Isso significa que: qualquer diferença entre o que a plataforma reporta e o que você declara será detectada instantaneamente; autuações serão disparadas automaticamente; retenções serão adaptadas ao modelo IBS/CBS; e inconsistências serão rastreadas em escala nacional. Para quem vive da internet, isso exige cirurgia fiscal.

Passo 7

Compliance deixa de ser opcional e passa a ser critério de sobrevivência. Toda empresa digital que quiser escalar, reduzir alíquotas de IBS/CBS via créditos, vender participação, receber investimento, atuar em parcerias internacionais, operar tráfego pago em alta escala e comercializar conteúdos de forma recorrente, precisará estar impecavelmente organizada.

Com a Reforma Tributária, compliance torna-se também um fator de: competitividade, credibilidade, governança, reputação, escalabilidade, recorrenciabilidade e permanência no mercado.

Passo 8

O necessário papel visionário do empreendedor digital na nova era dos infoprodutos. A partir de 2026, a economia digital brasileira começará a operar sob um novo regime fiscal. E esse movimento exige muito mais do que conformidade: exige visão estratégica. O empreendedor digital do futuro não será apenas produtor de cursos, mentorias ou comunidades; será também gestor de uma empresa altamente integrada a sistemas tributários inteligentes.

O mercado de infoprodutos — cursos gravados, mentorias personalizadas, memberships, SaaS educacionais, plataformas híbridas e conteúdos licenciados — estará no centro das atenções da fiscalização. Isso porque a Receita Federal já identificou que o setor digital é, hoje, o mais escalável, o mais lucrativo e o mais facilmente rastreável através de dados.

A consequência é direta: o olhar da Receita sobre os infoprodutores será milimétrico.

A integração entre plataformas, bancos, meios de pagamento e o futuro sistema IBS/CBS criará um ambiente em que cada venda, cada assinatura e cada recorrência será reportada automaticamente. Nesse cenário, o empreendedor que continuar operando com improviso fiscal estará, objetivamente, fora do mercado em poucos anos.

A mentalidade milionária necessária é a do empreendedor visionário — aquele que entende que negócios digitais não são “operações informais online”, mas empresas reais, com impacto fiscal real, que exigem: arquitetura societária adequada, separação inteligente entre produção e comercialização, gestão contábil especializada em digital, domínio das regras do novo IVA dual, compreensão profunda do ato nuclear do infoproduto, acompanhamento constante dos créditos e débitos gerados.

Em outras palavras, o empreendedor digital que vai prosperar na próxima década é aquele que enxerga antes dos outros que o compliance será o novo marketing. Quem estiver regular, bem estruturado e com visão fiscal estratégica terá mais espaço para crescer, atrair parcerias, escalar lançamentos e operar em múltiplos mercados.

Dessa forma, a improvisação será punida; a visão será premiada.

Conclusão: a nova era fiscal exige um novo tipo de empreendedor digital

O marketing leva ao faturamento. A gestão leva ao crescimento. Mas apenas uma arquitetura fiscal inteligente garante longevidade.

O empreendedor digital que deseja atravessar a Reforma Tributária com segurança precisa compreender que: a definição correta do ato nuclear será ainda mais decisiva; a classificação fiscal determinará o impacto do IBS e da CBS; plataformas se tornarão fiscalizadoras automáticas; o novo Fisco operará com rastreabilidade total; a estrutura societária influenciará diretamente a carga tributária e o risco; compliance será vantagem competitiva, não burocracia; e, agora, mais do que nunca, a visão empreendedora será um critério de sobrevivência.

Assim, a partir de 2026, não sobreviverá apenas quem vende mais, mas quem antecipa as regras do jogo. O empreendedor digital visionário será aquele que entender que: infoprodutos exigem estratégia fiscal específica, o novo sistema tributário é tecnológico e automatizado, o setor digital será monitorado em alta resolução, negócios estruturados terão prioridade no mercado, e apenas empresas com governança fiscal poderão competir globalmente.

A era da improvisação acabou. A era da inteligência fiscal digital, da visão estratégica e da profissionalização absoluta acaba de começar.