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O cálculo do impacto econômico do racismo

Combate ao racismo exige menos fala e mais ação: a maior expressão de compromisso será o investimento em ações concretas e na medição do impacto das mesmas

Rio de Janeiro: protesto contra racismo no contexto do movimento global Black Lives Matter (Pilar Olivares/Reuters)
Rio de Janeiro: protesto contra racismo no contexto do movimento global Black Lives Matter (Pilar Olivares/Reuters)
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Opinião

Publicado em 23 de junho de 2020 às, 13h13.

É inegável que estamos passando por um momento histórico com relação ao combate ao racismo e à discriminação racial. Nunca antes na história mundial tivemos tantos compromissos assumidos por indivíduos, empresas e governos devotados a apagar esta vergonhosa mancha na nossa humanidade. Entretanto, para efetivamente apagá-la e sustentar as mudanças institucionais e comportamentais efetivas precisamos começar a falar menos e a agir mais. Nossa maior expressão de compromisso será o investimento em ações concretas e na medição do impacto das mesmas. Será crucial que o tamanho dos investimos sejam proporcionais ao tamanho do problema. Com varias opções de problemas a serem resolvidos, estimar o custo econômico do racismo ajudará nas decisões sobre quanto investir, além de convencer os mais céticos.

Durante o meu doutorado eu estudei os benefícios da diversidade racial no ensino superior e aprendi que o estudo sobre os custos dos problemas sociais tem dois objetivos: o primeiro é estimar os custos para manter o status-quo e o segundo é estimar a economia em dinheiro para a sociedade entre as diversas soluções para o problema.

O ponto de partida óbvio é descobrir quais são os problemas mais custosos à sociedade. É por isso, que os formuladores de políticas públicas e filantropos costumam confiar em especialistas como nós, economistas especializados em desenvolvimento econômico e social, para tentar analisar problemas sociais, seus custos e suas soluções de maneira empírica e racional.

Embora, historicamente, o racismo não tenha sido priorizado ou considerado entre os problemas sociais mais graves, com base no número de pessoas afetadas e nos possíveis custos econômicos, sabemos instintivamente que o combate ao racismo no Brasil deveria ser priorizado.

O desenvolvimento de pesquisas sobre os custos do racismo é extremamente importante, mas também desafiador. Muitas vezes, os custos são apresentados em termos do valor monetário perdido para manter o racismo como porcentagem do produto interno bruto (PIB).

A McKinsey & Company estima que a desigualdade racial poderia ter um efeito negativo significativo sobre o consumo e o investimento da economia dos EUA nos próximos dez anos. A projeção seria dentre US$ 1 trilhão e US$ 1,5 trilhão, representando uma perda dentre 4 a 6% do PIB projetado para 2028.

No entanto, não fica claro se está previsão de custos futuros considera os efeitos de equilíbrio geral (re-ajustes de preços e custos dos fatores de produção) ou as mudanças tecnológicas futuras. Devido a estas complexidades, algumas vezes, os custos sociais são calculados baseados no quanto a sociedade estaria disposta a pagar para evitá-los. Porém, no caso do racismo, esse método pode ser muito falho, porque as pessoas não são capazes de julgar com precisão a probabilidade de ocorrência dos eventos racistas. E, como resultado, elas não percebem as vantagens das políticas antiracismo e, por tanto, estariam dispostas a pagar muito pouco por elas.

No entanto, análogo ao que observei estruturando empréstimos para países da América Latina, um dos maiores desafios de calcular o custo econômico de problemas sociais, como é o caso do racismo, é a dificuldade em estimar os custos intangíveis. Exemplos disso são problemas como a dor, o sofrimento ou a infelicidade. Também deve-se incluir nesta lista, o medo e seus efeitos no comportamento dos indivíduos discriminados, o que pode ter implicações enormes nos resultados de longo prazo. Embora esses custos possam ser medidos indiretamente através dos efeitos crônicos na saúde física e mental, é impossível obter uma estimação precisa e mais direta. Dessa maneira, se monetizamos alguns custos e outros não, o verdadeiro impacto econômico do racismo não poderá ser totalmente calculado.

O cálculo do impacto econômico do racismo também sofre com várias outras questões que dificultam o exercício metodológico empírico. Uma delas é a falta de uma base referencial de estudos com evidência dos resultados das intervenções de prevenção e tratamento do racismo. E, mais básico ainda, a falta de definições precisas do que constitui racismo dificulta a determinação da prevalência e da incidência, essenciais para avaliar o verdadeiro custo. Além disso, a subnotificação de eventos oculta a verdadeira incidência e prevalência. A utilização dos registros policiais e as reclamações realizadas em órgãos especializados requer um registro preciso dos eventos, o que nem sempre ocorre pois ainda não existe uma categorização universal dos eventos de racismo nos sistemas de notificação. Normas sociais moldadas pelo contexto histórico podem levar a confusões sobre o que constitui racismo. Racismo institucionalizado, ou que se correlaciona com outras iniquidades, é muito difícil de definir e mensurar, e acaba muitas vezes esquecido no cálculo do custo do racismo.

Em um mundo ideal, onde seríamos capazes de superar uma série de questões metodológicas, o cálculo do impacto econômico do racismo deveria considerar o seguinte:

1. Identificar os custos não só para os indivíduos discriminados, mas para as empresas e o governo. É provável que não seja viável medir todos eles em detalhes, o que não inviabiliza a análise. Isso apenas significa que qualquer estimativa seria apenas um limiar mínimo ou um custo subestimado.

2. Utilizar a maior variedade possível de setores para calcular os custos em decorrência do racismo (por exemplo custos na saúde, na educação, na segurança pública, nos mercados de trabalho e financeiro entre outros) e priorizar aqueles setores que tenham maior escala e possibilidades de mudança.

3. Calcular cada tipo de custo usando metodologias comparáveis como, por exemplo, custos correntes versus custos cumulativos.

Em resumo, os principais desafios que serão enfrentados nesse tipo de análise terão a ver com a disponibilidade e a qualidade dos dados. Todavia, acredito que a lição mais interessante desse processo será a adoção de uma abordagem econômica para entender o racismo e definir o investimento alocado, mesmo diante dos desafios apontados. Portanto, é certo que, como qualquer outro exercício econômico, este também não será perfeito, mas pelo menos teremos finalmente uma idéia aproximada do quão caro é ignorar o racismo no Brasil.

Independentemente dos debates metodológicos sobre como calcular seus custos, as soluções para o problema do racismo são urgentes e devem ser priorizadas imediatamente pelas empresas, fundações e pelo governo, com a alocação de investimento adequado. Por cerca de 20 anos o Governo Chileno, com apoio do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), vem implementando projetos para combater racismo contra os indígenas e que são modelo para toda a América Latina.

Não podemos nos dar o luxo da inércia. Ao passo que calculamos o custo, precisamos também começar a implementar modelos que funcionam para combater o racismo. Devemos ações efetivas não apenas aos negros e negras, que a cada dia perdem suas vidas e são barrados na porta do progresso, mas também à dignidade humana de todos nós.

Sobre a autora

A executiva Luana Ozemela

Luana Ozemela, diretora da DIMA (Acervo pessoal/Reprodução)

Luana Ozemela, é CEO da DIMA, uma empresa de desenvolvimento internacional estabelecida no Qatar que é uma porta de acesso ao mercado árabe. Ela é doutora em economia e professora pesquisadora de gênero e políticas publicas da universidade Hamad Bin Khalifa da Fundação do Qatar. Ela é diretora de relações com doadores da ONG PEGF da Nigeria na area de saúde. Foi funcionária do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) em Washigton DC, nos Estados Unidos. Ao longo da sua carreira ela interagiu com dezenas de governos, doadores, investidores e ONGs nos EUA, América Latina, Africa e Oriente Médio. Atualmente ela também investe em negócios na area de tecnologia, turismo, agricultura e no mercado imobiliário.