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O buraco geopolítico da China se aprofunda

Pressionado pelos EUA, o Reino Unido vetou o 5G chinês, um duro golpe para a Huawei e para a China

HUAWEI: importantes componentes usados pela empresa para fazer equipamentos de 5G não virão mais dos EUA. (Aly Song/File Photo/Reuters)
HUAWEI: importantes componentes usados pela empresa para fazer equipamentos de 5G não virão mais dos EUA. (Aly Song/File Photo/Reuters)
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Opinião

Publicado em 27 de julho de 2020 às, 15h15.

CLAREMONT, CALIFORNIA – A decisão do Reino Unido de banir a empresa Huawei de suas redes 5G foi um duro golpe para a China. Até recentemente, a China ainda contava com a manutenção da decisão anterior do Reino Unido de permitir que a gigante chinesa de telecomunicações forneça equipamentos não estratégicos para as redes 5G do Reino Unido.

Mas dois recentes eventos tornaram essa decisão insustentável. O primeiro foi a escalada dos Estados Unidos em sua guerra contra a Huawei. Os EUA instituíram uma nova sanção em maio, proibindo fornecedores que usam tecnologia americana de entregar semicondutores à Huawei. Como a tecnologia dos EUA é usada para fabricar semicondutores avançados exigidos pelos produtos da Huawei, incluindo as estações de base 5G, o fornecimento da empresa será cortado, quase impossibilitando a produção de seus equipamentos 5G no futuro.

A perspectiva de que um fornecedor importante das redes 5G do Reino Unido não seja capaz de construir e manter o próprio sistema é uma ameaça muito mais séria do que uma possível invasão chinesa. Nenhum governo responsável pode se dar ao luxo de correr esse risco. Assim, os dias da Huawei estão contados desde que o governo dos EUA fez valer a medida em maio. A única dúvida era sobre quando o primeiro-ministro Boris Johnson daria as más notícias ao presidente Xi Jinping.

O segundo acontecimento, que tornou politicamente mais fácil para Johnson adotar o banimento da Huawei, é a imposição da China de sua nova lei de segurança nacional em Hong Kong. Essa draconiana legislação, proposta no final de maio e aprovada pelo parlamento da China em 30 de junho, encerrou, para todos os efeitos práticos, o status autônomo da antiga colônia britânica. Da perspectiva do Reino Unido, a ação da China é uma flagrante violação da Declaração Conjunta Sino-Britânica de 1984, sobre Hong Kong, que inclui o compromisso da China de respeitar e proteger o sistema jurídico e as liberdades civis da cidade por 50 anos após sua reversão ao governo chinês em 1997.

Talvez, os líderes chineses pensem que o Reino Unido é fraco demais para reagir. Claramente, eles estão errados. O Reino Unido decidiu se posicionar sobre Hong Kong e a Huawei é um fácil e óbvio alvo.

A China pode ficar tentada a reagir e parece que teria muita força. Pode pressionar empresas britânicas que fazem negócios na China. Por exemplo, o gigante bancário britânico HSBC é especialmente vulnerável ao assédio, porque suas operações em Hong Kong representam pouco mais da metade de seus lucros e um terço de sua receita. A China também pode optar por reduzir as transações financeiras que realiza da City Londrina e reduzir o número de estudantes chineses que envia para faculdades e universidades do Reino Unido.

Contudo, essas medidas retaliatórias, por mais tentadoras que sejam, acabariam provocando um efeito bumerangue. Tirar o HSBC de Hong Kong certamente arruinaria a cidade como centro financeiro global, porque a China seria incapaz de encontrar outro banco global para assumir seu papel vital. Dadas as tensões em cadeia entre EUA e China, é difícil imaginar que a China favoreça o Citi ou o JPMorgan Chase como um sucessor do HSBC.

Da mesma forma, as restrições com relação a estudar no Reino Unido prejudicariam mais a China. Atualmente, cerca de 120.000 chineses estudam no Reino Unido. O desafio para a China é que não existem muito boas alternativas se o país quiser enviar estudantes para outro lugar. Os EUA estão considerando restringir estudantes chineses por razões de segurança nacional. A China ameaçou a Austrália de reduzir o número de turistas e estudantes chineses. As universidades canadenses, que agora abrigam cerca de 140.000 estudantes chineses, têm capacidade limitada. Com a China e o Canadá envolvidos em um impasse diplomático pela extradição para os EUA do diretor financeiro da Huawei, Meng Wanzhou, é provável que a China não envie mais estudantes para lá.

Isso apenas ilustra a assustadora realidade que Xi agora enfrenta: a China está perdendo rapidamente os amigos exatamente quando mais precisa deles. Somente nos últimos meses, as relações da China com a Índia sofreram um devastador golpe depois que um confronto sangrento na fronteira deixou, pelo menos, 20 soldados indianos mortos (e um número não especificado de soldados chineses). Para punir a Austrália por ousar pedir uma investigação internacional sobre as origens do coronavírus COVID-19, a China impôs tarifas à cevada australiana e ameaçou outras medidas punitivas. Em 14 de julho, o Ministério das Relações Exteriores da China denunciou o recente Livro Branco da Defesa do Japão em linguagem excepcionalmente ríspida, colocando em dúvida a reaproximação que Xi está tentando criar com o Primeiro-Ministro Shinzo Abe.

Os líderes chineses são os únicos responsáveis ​​por seu crescente isolamento internacional. Com uma inflada noção do próprio poder, exageraram em suas atitudes e levaram países amigos ou neutros, como Reino Unido, Canadá, Índia e Austrália, para os braços dos EUA, neste momento o principal adversário geopolítico da China.

Assim, enquanto líderes da China ponderam sobre como reagir contra a proibição do Reino Unido à Huawei, eles deveriam prestar atenção à primeira regra dos buracos: quando estiver dentro de um, pare de cavar.