Mulheres, por favor, votem em mulheres
Não importa quão qualificadas sejam, as mulheres continuam sendo vistas como uma anomalia no poder
Colunista
Publicado em 1 de outubro de 2024 às 07h44.
A violência de gênero na política é uma realidade e tem se manifestado de maneira alarmante nas eleições da prefeitura de São Paulo. Embora seja esperado que a campanha eleitoral seja uma disputa de propostas e visões de futuro para a cidade, vemos a masculinidade tóxica como protagonista e as mulheres sendo atacadas não por suas ideias, mas por sua própria existência.
Chimamanda Ngozi Adichie, escritora nigeriana e feminista, disse: "Se uma mulher tem poder, por que é preciso disfarçar que tem poder? Mas a triste verdade é que o nosso mundo está cheio de homens e de mulheres que não gostam de mulheres poderosas. Fomos tão condicionados a pensar no poder como masculino, que uma mulher poderosa é considerada uma aberração".
Essa verdade amarga se reflete na política brasileira. Não importa quão qualificadas sejam, as mulheres continuam sendo vistas como uma anomalia no poder, uma aberração que precisa ser "corrigida" ou, pior ainda, eliminada.
Um exemplo dessa desigualdade de percepção se deu quando dois candidatos homens protagonizaram uma cena lamentável durante um debate televisionado. Após provocações pessoais, um dos candidatos reagiu com uma agressão física, a “cadeirada”.
A reação pública foi de críticas à cena, mas o comportamento dos homens envolvidos passou incólume. Nenhum deles foi chamado de "histérico" ou "descontrolado". A opinião pública enxergou a agressão como uma retaliação "quase justa".
Agora, imaginemos se fossem duas mulheres na mesma situação: será que a opinião pública seria a mesma? Ou elas seriam tachadas de loucas e instáveis?
A resposta veio rapidamente quando Tabata do Amaral, a candidata mais jovem à prefeitura, ao comentar o ocorrido no debate marcado por agressões entre os dois candidatos homens, perdeu a calma e proferiu diversos palavrões sobre a situação.
O que deveria ser um desabafo legítimo sobre uma situação absurda foi rapidamente transformado em notícia sensacionalista, onde os palavrões da candidata viraram manchete e foram analisados com a lupa moralista.
A agressão entre os homens foi “justificada”. O comentário feito pela mulher foi “agressivo demais”, e conjectura-se que certamente não é ideia própria, mas sim uma estratégia elaborada por assessores de campanha.
Enquanto os homens podem expressar raiva e frustração sem que isso afete sua imagem pública, afinal é esperado deles que sejam fortes, decididos e agressivos, as mulheres são imediatamente rotuladas como "fora de controle". A mensagem que a candidata tentou transmitir foi ignorada, e o foco foi desviado para a estética de sua fala, refletindo um viés de gênero gritante.
Cabe lembrar que está vigente há três anos a Lei nº 14.192/2021, que alterou o Código Eleitoral, e foi um avanço ao criminalizar a violência política contra a mulher. Essa lei busca garantir que mulheres tenham o direito de participar de debates eleitorais sem serem alvos de violência ou discriminação.
A norma também prevê a criminalização da divulgação de fatos ou vídeos falsos, uma tentativa de impedir que ataques misóginos e caluniosos continuem desqualificando candidatas.
No entanto, apesar da legislação, a realidade é outra. Recentemente, as únicas duas mulheres candidatas à prefeitura de São Paulo, Tabata Amaral e Marina Helena, tiveram imagens falsas de nudez expostas em sites de pornografia e disseminadas em grupos de WhatsApp e Telegram.
Essas imagens manipuladas são usadas para questionar a moral e a "postura adequada" das candidatas, insinuando que, por serem supostamente promíscuas, não seriam dignas dos cargos que pleiteiam.
A mensagem é clara: mulheres continuam sendo julgadas não por suas ideias, mas pelo comportamento sexual que a sociedade projeta sobre elas. A moralidade e o valor de uma candidata continuam sendo medidos por padrões sexistas e retrógrados, o que torna ainda mais difícil para as mulheres romperem as barreiras e serem eleitas.
O problema não está apenas nos ataques diretos, mas também na estrutura que sustenta essas desigualdades. Vivemos em um momento de retrocesso global, onde líderes patriarcais e conservadores estão sendo eleitos em massa, refletindo a vontade de eleitores que desejam manter a ordem tradicional de gênero.
Apesar de tudo, é fundamental que as mulheres não se deixem abater por essas violências de gênero. O Brasil é um país onde mais de 50% da população é composta por mulheres, e é inconcebível que essa maioria não esteja igualmente representada nos cargos de poder.
As mulheres têm plena capacidade de liderar, de criar políticas públicas e de serem representantes legítimas da sociedade. O que falta são espaços abertos, livres das amarras que ainda tentam sufocar suas vozes.
Cabe às instituições públicas e à opinião pública rechaçar de forma veemente todas as formas de violência contra as candidatas, para que a política se concentre no progresso da sociedade, e não nas expectativas de gênero e na vida pessoal de quem ocupa ou disputa cargos.
E precisamos encarar de frente a seguinte questão: será que homens e mulheres têm coragem de votar em mulheres? Se as mulheres em peso votassem por representatividade, não estaríamos sempre divididas entre candidatos homens, muitas vezes, como vemos nas eleições municipais de São Paulo, medíocres.
Está na hora de quebrar esse ciclo e apoiarmos mais mulheres nas urnas. Só assim a política vai, de fato, refletir a pluralidade da nossa sociedade. Precisamos de mais mulheres na política, não apenas porque elas têm direito a ocupar esses espaços, mas porque a democracia brasileira só será completa quando de fato representar toda a população, e não apenas a metade masculina dela.
Claudia Abdul Ahad Securato é sócia do Securato & Abdul Ahad Advogados e professora da Saint Paul Escola de Negócios
A violência de gênero na política é uma realidade e tem se manifestado de maneira alarmante nas eleições da prefeitura de São Paulo. Embora seja esperado que a campanha eleitoral seja uma disputa de propostas e visões de futuro para a cidade, vemos a masculinidade tóxica como protagonista e as mulheres sendo atacadas não por suas ideias, mas por sua própria existência.
Chimamanda Ngozi Adichie, escritora nigeriana e feminista, disse: "Se uma mulher tem poder, por que é preciso disfarçar que tem poder? Mas a triste verdade é que o nosso mundo está cheio de homens e de mulheres que não gostam de mulheres poderosas. Fomos tão condicionados a pensar no poder como masculino, que uma mulher poderosa é considerada uma aberração".
Essa verdade amarga se reflete na política brasileira. Não importa quão qualificadas sejam, as mulheres continuam sendo vistas como uma anomalia no poder, uma aberração que precisa ser "corrigida" ou, pior ainda, eliminada.
Um exemplo dessa desigualdade de percepção se deu quando dois candidatos homens protagonizaram uma cena lamentável durante um debate televisionado. Após provocações pessoais, um dos candidatos reagiu com uma agressão física, a “cadeirada”.
A reação pública foi de críticas à cena, mas o comportamento dos homens envolvidos passou incólume. Nenhum deles foi chamado de "histérico" ou "descontrolado". A opinião pública enxergou a agressão como uma retaliação "quase justa".
Agora, imaginemos se fossem duas mulheres na mesma situação: será que a opinião pública seria a mesma? Ou elas seriam tachadas de loucas e instáveis?
A resposta veio rapidamente quando Tabata do Amaral, a candidata mais jovem à prefeitura, ao comentar o ocorrido no debate marcado por agressões entre os dois candidatos homens, perdeu a calma e proferiu diversos palavrões sobre a situação.
O que deveria ser um desabafo legítimo sobre uma situação absurda foi rapidamente transformado em notícia sensacionalista, onde os palavrões da candidata viraram manchete e foram analisados com a lupa moralista.
A agressão entre os homens foi “justificada”. O comentário feito pela mulher foi “agressivo demais”, e conjectura-se que certamente não é ideia própria, mas sim uma estratégia elaborada por assessores de campanha.
Enquanto os homens podem expressar raiva e frustração sem que isso afete sua imagem pública, afinal é esperado deles que sejam fortes, decididos e agressivos, as mulheres são imediatamente rotuladas como "fora de controle". A mensagem que a candidata tentou transmitir foi ignorada, e o foco foi desviado para a estética de sua fala, refletindo um viés de gênero gritante.
Cabe lembrar que está vigente há três anos a Lei nº 14.192/2021, que alterou o Código Eleitoral, e foi um avanço ao criminalizar a violência política contra a mulher. Essa lei busca garantir que mulheres tenham o direito de participar de debates eleitorais sem serem alvos de violência ou discriminação.
A norma também prevê a criminalização da divulgação de fatos ou vídeos falsos, uma tentativa de impedir que ataques misóginos e caluniosos continuem desqualificando candidatas.
No entanto, apesar da legislação, a realidade é outra. Recentemente, as únicas duas mulheres candidatas à prefeitura de São Paulo, Tabata Amaral e Marina Helena, tiveram imagens falsas de nudez expostas em sites de pornografia e disseminadas em grupos de WhatsApp e Telegram.
Essas imagens manipuladas são usadas para questionar a moral e a "postura adequada" das candidatas, insinuando que, por serem supostamente promíscuas, não seriam dignas dos cargos que pleiteiam.
A mensagem é clara: mulheres continuam sendo julgadas não por suas ideias, mas pelo comportamento sexual que a sociedade projeta sobre elas. A moralidade e o valor de uma candidata continuam sendo medidos por padrões sexistas e retrógrados, o que torna ainda mais difícil para as mulheres romperem as barreiras e serem eleitas.
O problema não está apenas nos ataques diretos, mas também na estrutura que sustenta essas desigualdades. Vivemos em um momento de retrocesso global, onde líderes patriarcais e conservadores estão sendo eleitos em massa, refletindo a vontade de eleitores que desejam manter a ordem tradicional de gênero.
Apesar de tudo, é fundamental que as mulheres não se deixem abater por essas violências de gênero. O Brasil é um país onde mais de 50% da população é composta por mulheres, e é inconcebível que essa maioria não esteja igualmente representada nos cargos de poder.
As mulheres têm plena capacidade de liderar, de criar políticas públicas e de serem representantes legítimas da sociedade. O que falta são espaços abertos, livres das amarras que ainda tentam sufocar suas vozes.
Cabe às instituições públicas e à opinião pública rechaçar de forma veemente todas as formas de violência contra as candidatas, para que a política se concentre no progresso da sociedade, e não nas expectativas de gênero e na vida pessoal de quem ocupa ou disputa cargos.
E precisamos encarar de frente a seguinte questão: será que homens e mulheres têm coragem de votar em mulheres? Se as mulheres em peso votassem por representatividade, não estaríamos sempre divididas entre candidatos homens, muitas vezes, como vemos nas eleições municipais de São Paulo, medíocres.
Está na hora de quebrar esse ciclo e apoiarmos mais mulheres nas urnas. Só assim a política vai, de fato, refletir a pluralidade da nossa sociedade. Precisamos de mais mulheres na política, não apenas porque elas têm direito a ocupar esses espaços, mas porque a democracia brasileira só será completa quando de fato representar toda a população, e não apenas a metade masculina dela.
Claudia Abdul Ahad Securato é sócia do Securato & Abdul Ahad Advogados e professora da Saint Paul Escola de Negócios