Exame Logo

Marcas populares passam a ser vistas como luxo para a nova “Classe C Plus”

Entenda quem é esse grupo e os impactos que já causam e podem aumentar diante das consequências da mobilidade social para o varejo

Loja da Zara (Susana Vera/File Photo/Reuters)
DS

Daniel Salles

Publicado em 5 de abril de 2021 às 10h25.

Última atualização em 5 de abril de 2021 às 15h30.

Estudos sobre o brasileiro médio, a chamada classe C, temos aos montes. Institutos de pesquisa realizam sondagens e pesquisa rotineiramente, mas diante da pandemia tudo mudou. Em meus últimos trabalhos e consultorias tenho me deparado com a queda orçamentária e crise simbólica das camadas médias urbanas, o que nos revela uma outra leitura sobre a sociedade, esse contingente em especial.

Seu dinheiro está seguro? Aprenda a proteger seu patrimônio

Diferente da classe típica C esse grupo não tem memória de escassez e faz certos serviços acompanhado de uma lembrança dos áureos tempos de abundância. Quem nunca pegou um Uber e ouviu uma história de decadência e recebeu uma aula sobre crise, sobre setores que colapsaram e fizeram dele, o motorista se tornar um “mero” prestador de serviços sem garantia alguma?

Então, o que nos apresenta diante de tantas crises econômicas e agora reforçada pela pandemia: pessoas que pensam como classe média, possui valores, cultura, hábitos e gostos MAS está diante de impossibilidades que independem de sua vontade. As dificuldades de adaptação são enormes porque TUDO MUDOU e agora até o churrasco do fim de semana precisa ser contabilizado.

As histórias de viagens, restaurantes, de relatos sobre como eram felizes são comuns e recorrentes. Estar naquela posição “menor” economicamente e o corte orçamentário pode ser comparado a perde uma parte do corpo. Eles sequer se reconhecem.

Dessa forma o costumeiro consumo de autoindulgência também sofreu, mais do que nunca as lojas populares passaram a ganhar atenção e o desafio dos consumidores passou a desenvolver curadorias para comprar sem errar, “é preciso ter olho” me relatou uma entrevistada. Nunca o mais por menos foi tão valorizado, ou melhor, PARECER que é mais e pagar menos entrou na pauta. Assim, os consumidores passaram a garimpar peças de vestuário ou acessórios que “não se parecem com a Marisa” mas faz uma vista danada.

Outro agravante é que há muito medo da falta de perspectiva de melhora, nem todos possuem capital social para alavancar carreiras porque seu network está na mesma situação. Além disso, há um grande agravante, muitos desempregados têm idade avançada e não acompanharam as inovações tecnológicas.

Muitas lojas tradicionais fecharam as portas e encerraram seus serviços porque justamente se adequar ao e-commerce e buscar treinamento e renovação dos seus funcionários seria dispendioso e incerto que suas clientes se adaptariam comprando a distância. Muitos se viram desempregados e o “C” de corte chegou com força.

No entanto, a classe média tradicional vive a dificuldade do que abrir mão. Dentro desse contexto o que é supérfluo, o que é básico e como dizer adeus aos serviços e entretenimento que faziam parte do lazer?

Entenda-se lazer como direitos que as pessoas possuem para descanso (o que a grande maioria dos pobres sequer soube que é um direito constitucional)

Marcas chamadas de “entrada” passaram a fazer parte do desse grupo e no supermercado o papel higiênico Neve abriu experimentação para o Fofura que promete folha dupla e perfume (iguais ao Neve).

A Positivo Tecnologia se viu dentro desse contexto. Reconhecidamente classificado como computadores populares teve um aumento considerável de vendas não só para a tradicional Classe C, mas também para a “Classe Média Imergente” que se viu obrigada a ter mais de um computador dentro de casa para homeoffice ou para os filhos devido ao EAD. Com a queda orçamentária os critérios de compra foram racionais, os novos consumidores buscaram “o básico e o simples que entrega” ao invés de investir em marcas importadas ou aparelhos complexos.

Guanabara e Mundial (supermercados reconhecidamente populares) recebem esses “outros consumidores”, mais exigentes no paladar e dependendo do bairro dá até pra encontrar Pitaya, área fitness e macarrão Barilla.

Como ficar sem o perfume importado? Sem o chocolate suíço e sem trocar o celular com a constância costumeira?

Nessa jornada de adaptação a Cacau Show trouxe a gourmetização para paladares exigentes e as porcentagens de cacau passaram a ganha destaque na embalagem e no consumo de experiência se aproximam das antigas referências que tinham com a Lindt, esta, por sua vez, proporcionou a nostalgia da Classe C Plus a possibilidade de comprar pequenas porções (uma espécie de varejão) de trufas logo na entrada das lojas. Se pode comprar apenas uma unidade, afinal, o importante é se adaptar aos novos tempos e ao bolso dos consumidores.

Assim como a Zara e Forever 21 que eram buscadas para compra de fast fashion (roupas da moda que caem em desuso rapidamente), ganhou status de roupa importada e cool. Mesmo assim, as compras são pontuais porque em determinadas famílias as marcas se tornaram compra de luxo.

No supermercado o molho de tomate tem um nome desconhecido, assim como o pó de café, açúcar e o sabão em pó. Vivem a descoberta da panela de pressão, até porque, cozinhar carne de segunda exige certos maquinários apropriados. Aliás, nunca a Ana Maria Braga mostrou tantas receitas desmitificando ingredientes populares e em seu discurso “o sabor é o que importa” está na ponta da língua.

Com o desemprego e o home-office a audiência do Mais Você mudou, assim como a Fátima Bernardes que passou a tratar de assuntos menos leves (com exceção do BBB) para ser uma âncora do Jornal Hoje, quase uma preparação amena do que está por vir.

Logo da Positivo (Positivo/Divulgação)

Precisamos entender esse novo grupo de “classe média imergente”, compreender suas novas adaptações econômicas, simbólicas e sentimentais.

Se faz fundamental compreender a mobilidade social e seus impactos mais do que nunca, pois a crise financeira se equipara a vacinação contra a covid 19. Ninguém sabe se será eficaz, quando chegará sua vez e se bastará para que a vida volte ao nostálgico normal repleto de abundância.

Por enquanto viagens a Mangaratiba e Região dos Lagos tentam substituir Caribes, San Andrés, Caraíva ou Trancoso. Às vezes, uma ida a praia ali pertinho já cumpre seu papel, o isoporzinho que era piada de funk carioca virou realidade e segue o baile da economia.

Encontra-se solução para tudo, e lá estão a que batizei de “Classe C PLUS” no limbo, adaptando paladar, diversão e partindo para o discurso de que o que importa é a dignidade, pois o trabalho dignifica.

Agora fica a questão… essas mudanças não são perceptíveis facilmente, até porque quando participam de pesquisa de mercado, eles simplesmente mentem.

Solução?
Se pesquisas quantitativas não alcançam essa mudança que ainda está no começo de uma onda. Como as marcas populares estão se aprimorando para receber esse novo cliente um tanto mais exigente, mas com dinheiro contato, machucado pelo presente e nostálgico pelas marcas do passado que se tornaram inalcançáveis? Como treinar equipe de venda para falar com esse consumidor que vive a tristeza e o desafio tão repentino?

Há muito que se pensar, pesquisar e mergulhar fundo em novas questões sobre os  “novos consumidores” que não se veem Classe C, aliás, pra eles é uma fase, mas sentem a crise orçamentaria todo mês que os forçam a fazer escolhas e reaver seus gostos e costumes.

Diante de mais de 18 anos de pesquisa definindo, descobrindo comportamentos e nomeando grupos, entendo esse movimento como o surgimento de uma espécie de “Classe C PLUS” que tem como principal dificuldade a adaptação: conseguir equilibrar a cabeça de classe média tradicional e o bolso de classe C.

Hilaine Yaccoub é doutora e mestre em Antropologia do Consumo. Atua como palestrante e consultora, realizando estudos que promovem ligação entre o mercado consumidor, o conhecimento acadêmico e as empresas. Para seguir nas redes sociais: @hilaine

Veja também

Estudos sobre o brasileiro médio, a chamada classe C, temos aos montes. Institutos de pesquisa realizam sondagens e pesquisa rotineiramente, mas diante da pandemia tudo mudou. Em meus últimos trabalhos e consultorias tenho me deparado com a queda orçamentária e crise simbólica das camadas médias urbanas, o que nos revela uma outra leitura sobre a sociedade, esse contingente em especial.

Seu dinheiro está seguro? Aprenda a proteger seu patrimônio

Diferente da classe típica C esse grupo não tem memória de escassez e faz certos serviços acompanhado de uma lembrança dos áureos tempos de abundância. Quem nunca pegou um Uber e ouviu uma história de decadência e recebeu uma aula sobre crise, sobre setores que colapsaram e fizeram dele, o motorista se tornar um “mero” prestador de serviços sem garantia alguma?

Então, o que nos apresenta diante de tantas crises econômicas e agora reforçada pela pandemia: pessoas que pensam como classe média, possui valores, cultura, hábitos e gostos MAS está diante de impossibilidades que independem de sua vontade. As dificuldades de adaptação são enormes porque TUDO MUDOU e agora até o churrasco do fim de semana precisa ser contabilizado.

As histórias de viagens, restaurantes, de relatos sobre como eram felizes são comuns e recorrentes. Estar naquela posição “menor” economicamente e o corte orçamentário pode ser comparado a perde uma parte do corpo. Eles sequer se reconhecem.

Dessa forma o costumeiro consumo de autoindulgência também sofreu, mais do que nunca as lojas populares passaram a ganhar atenção e o desafio dos consumidores passou a desenvolver curadorias para comprar sem errar, “é preciso ter olho” me relatou uma entrevistada. Nunca o mais por menos foi tão valorizado, ou melhor, PARECER que é mais e pagar menos entrou na pauta. Assim, os consumidores passaram a garimpar peças de vestuário ou acessórios que “não se parecem com a Marisa” mas faz uma vista danada.

Outro agravante é que há muito medo da falta de perspectiva de melhora, nem todos possuem capital social para alavancar carreiras porque seu network está na mesma situação. Além disso, há um grande agravante, muitos desempregados têm idade avançada e não acompanharam as inovações tecnológicas.

Muitas lojas tradicionais fecharam as portas e encerraram seus serviços porque justamente se adequar ao e-commerce e buscar treinamento e renovação dos seus funcionários seria dispendioso e incerto que suas clientes se adaptariam comprando a distância. Muitos se viram desempregados e o “C” de corte chegou com força.

No entanto, a classe média tradicional vive a dificuldade do que abrir mão. Dentro desse contexto o que é supérfluo, o que é básico e como dizer adeus aos serviços e entretenimento que faziam parte do lazer?

Entenda-se lazer como direitos que as pessoas possuem para descanso (o que a grande maioria dos pobres sequer soube que é um direito constitucional)

Marcas chamadas de “entrada” passaram a fazer parte do desse grupo e no supermercado o papel higiênico Neve abriu experimentação para o Fofura que promete folha dupla e perfume (iguais ao Neve).

A Positivo Tecnologia se viu dentro desse contexto. Reconhecidamente classificado como computadores populares teve um aumento considerável de vendas não só para a tradicional Classe C, mas também para a “Classe Média Imergente” que se viu obrigada a ter mais de um computador dentro de casa para homeoffice ou para os filhos devido ao EAD. Com a queda orçamentária os critérios de compra foram racionais, os novos consumidores buscaram “o básico e o simples que entrega” ao invés de investir em marcas importadas ou aparelhos complexos.

Guanabara e Mundial (supermercados reconhecidamente populares) recebem esses “outros consumidores”, mais exigentes no paladar e dependendo do bairro dá até pra encontrar Pitaya, área fitness e macarrão Barilla.

Como ficar sem o perfume importado? Sem o chocolate suíço e sem trocar o celular com a constância costumeira?

Nessa jornada de adaptação a Cacau Show trouxe a gourmetização para paladares exigentes e as porcentagens de cacau passaram a ganha destaque na embalagem e no consumo de experiência se aproximam das antigas referências que tinham com a Lindt, esta, por sua vez, proporcionou a nostalgia da Classe C Plus a possibilidade de comprar pequenas porções (uma espécie de varejão) de trufas logo na entrada das lojas. Se pode comprar apenas uma unidade, afinal, o importante é se adaptar aos novos tempos e ao bolso dos consumidores.

Assim como a Zara e Forever 21 que eram buscadas para compra de fast fashion (roupas da moda que caem em desuso rapidamente), ganhou status de roupa importada e cool. Mesmo assim, as compras são pontuais porque em determinadas famílias as marcas se tornaram compra de luxo.

No supermercado o molho de tomate tem um nome desconhecido, assim como o pó de café, açúcar e o sabão em pó. Vivem a descoberta da panela de pressão, até porque, cozinhar carne de segunda exige certos maquinários apropriados. Aliás, nunca a Ana Maria Braga mostrou tantas receitas desmitificando ingredientes populares e em seu discurso “o sabor é o que importa” está na ponta da língua.

Com o desemprego e o home-office a audiência do Mais Você mudou, assim como a Fátima Bernardes que passou a tratar de assuntos menos leves (com exceção do BBB) para ser uma âncora do Jornal Hoje, quase uma preparação amena do que está por vir.

Logo da Positivo (Positivo/Divulgação)

Precisamos entender esse novo grupo de “classe média imergente”, compreender suas novas adaptações econômicas, simbólicas e sentimentais.

Se faz fundamental compreender a mobilidade social e seus impactos mais do que nunca, pois a crise financeira se equipara a vacinação contra a covid 19. Ninguém sabe se será eficaz, quando chegará sua vez e se bastará para que a vida volte ao nostálgico normal repleto de abundância.

Por enquanto viagens a Mangaratiba e Região dos Lagos tentam substituir Caribes, San Andrés, Caraíva ou Trancoso. Às vezes, uma ida a praia ali pertinho já cumpre seu papel, o isoporzinho que era piada de funk carioca virou realidade e segue o baile da economia.

Encontra-se solução para tudo, e lá estão a que batizei de “Classe C PLUS” no limbo, adaptando paladar, diversão e partindo para o discurso de que o que importa é a dignidade, pois o trabalho dignifica.

Agora fica a questão… essas mudanças não são perceptíveis facilmente, até porque quando participam de pesquisa de mercado, eles simplesmente mentem.

Solução?
Se pesquisas quantitativas não alcançam essa mudança que ainda está no começo de uma onda. Como as marcas populares estão se aprimorando para receber esse novo cliente um tanto mais exigente, mas com dinheiro contato, machucado pelo presente e nostálgico pelas marcas do passado que se tornaram inalcançáveis? Como treinar equipe de venda para falar com esse consumidor que vive a tristeza e o desafio tão repentino?

Há muito que se pensar, pesquisar e mergulhar fundo em novas questões sobre os  “novos consumidores” que não se veem Classe C, aliás, pra eles é uma fase, mas sentem a crise orçamentaria todo mês que os forçam a fazer escolhas e reaver seus gostos e costumes.

Diante de mais de 18 anos de pesquisa definindo, descobrindo comportamentos e nomeando grupos, entendo esse movimento como o surgimento de uma espécie de “Classe C PLUS” que tem como principal dificuldade a adaptação: conseguir equilibrar a cabeça de classe média tradicional e o bolso de classe C.

Hilaine Yaccoub é doutora e mestre em Antropologia do Consumo. Atua como palestrante e consultora, realizando estudos que promovem ligação entre o mercado consumidor, o conhecimento acadêmico e as empresas. Para seguir nas redes sociais: @hilaine

Acompanhe tudo sobre:ConsumoLuxoPandemia

Mais lidas

exame no whatsapp

Receba as noticias da Exame no seu WhatsApp

Inscreva-se