Lições do Pisa 2022 para uma escola das adolescências
Avaliação internacional é aplicada em estudantes de quinze anos, ou seja, que estão saindo do 9º ano ou ingressando na 1ª série do Ensino Médio
Superintendente do Itaú Social
Publicado em 13 de dezembro de 2023 às 17h36.
Última atualização em 13 de dezembro de 2023 às 17h36.
Estela, personagem do livro Estela Sem Deus, de Jeferson Tenório, tem quatorze anos quando, ao se preparar para uma conversa séria com o pastor da sua igreja, decide não prestar atenção em nada do que viria pela frente. "Fazer como eu fazia em algumas aulas na escola, em que você finge que está ali, prestando atenção, mas, na verdade, está em outro lugar. Eu queria estar em outro lugar, mas ainda não sabia onde". O escritor nos presenteia com a voz de uma menina negra a viver uma das mais marcantes transições da vida: o início da adolescência. E a trajetória de Estela nos convida a refletir se, ao analisarmos os últimos dados do Pisa (Programa Internacional de Avaliação de Estudantes), estamos de fato colocando a atenção onde ela precisa estar, ou seja, nos Anos Finais do Ensino Fundamental, a grande transição das adolescências.
E o que Estela tem a ver com os milhares de estudantes que participaram do Pisa? A avaliação internacional é aplicada em estudantes de quinze anos, ou seja, que estão saindo do 9º ano ou ingressando na 1ª série do Ensino Médio. Portanto, os resultados não dizem respeito aos três anos de Ensino Médio, mas sobretudo ao que os alunos aprenderam no decorrer dos nove anos do Fundamental. Nesse sentido, o debate precisa ir além de olhar o ranking de países ou constatar que ainda estamos longe de desempenhos satisfatórios - somente três em cada dez estudantes brasileiros conseguem aplicar a matemática em problemas práticos da vida, quando a média dos países da OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico) é sete em cada dez.
Os resultados do Pisa 2022 mostram uma estabilidade - ou estagnação - do Brasil, celebrada por alguns, uma vez que outros países sofreram queda. Sem dúvida, vale o crédito ao esforço significativo de estados e municípios, com educadores, famílias e estudantes durante a pandemia, trabalhando ao longo de tanto tempo de escolas fechadas e sem coordenação efetiva do Ministério da Educação. Mesmo assim, seguimos em um patamar baixo. Segundo os dados divulgados, não conseguimos reduzir as desigualdades por nível socioeconômico, tampouco por gênero. Até aí, não há surpresa se nos lembrarmos dos recentes resultados do Saeb (Sistema de Avaliação da Educação Básica) e das análises das séries históricas que, felizmente, conseguimos manter como país, com o afinco dos quadros técnicos do Inep (Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira). O que então, novamente, o Pisa tem para nos mobilizar enquanto país?
Nas correlações entre os resultados nas provas e os questionários respondidos por estudantes e equipes escolares, encontramos temas fundamentais que nos impulsionam em prol de políticas estruturantes, capazes de transformar radicalmente a escola que recebe os adolescentes na chegada do 6º ano, entre 11 e 13 anos de idade. São indivíduos que enfrentam, nessa faixa etária, intensas mudanças físicas, sociais, emocionais e cognitivas. É o momento em que também se despedem da infância. Nos anos seguintes, por volta do 8º e 9º anos, começam a abraçar a transição para a juventude do Ensino Médio. São muitas mudanças em apenas quatro anos de uma etapa.
Sob essa perspectiva, o Pisa aponta que sistemas educacionais que investem em dimensões estratégicas, como a relação família-escola, conseguem melhores resultados em matemática. E o engajamento passa por equipes escolares conversando com famílias sobre o aprendizado dos estudantes e, por outro lado, familiares em diálogo com os jovens sobre o que vivenciam na escola.
Outra dimensão que dialoga com a experiência de adolescentes é a do senso de pertencimento, convivência e segurança, condições que afetam a saúde mental e são essenciais para plena aprendizagem. No Brasil, quase um terço dos estudantes reportaram no Pisa que se sentem sozinhos na escola. Dados revelam ainda que um em cada dez alunos não se sente seguro na sala de aula e em outros espaços da escola. As questões de segurança não estão somente no ambiente escolar, mas no entorno - 19% dos estudantes não se sentem seguros no caminho da escola, quando na OCDE a proporção é de 8%.
A lembrança de Estela sobre as aulas que não lhe motivavam também dialoga com uma dimensão retratada pelo Pisa: a autonomia no aprendizado. Os resultados para o Brasil mostraram uma maioria de estudantes tratados como consumidores passivos, que escutam as aulas e pouco se engajam. Sem dúvida, reverter essa situação implica políticas estruturantes, como a de melhor formação de professores, além das recentes medidas relacionadas à regulação de cursos de licenciaturas e sua avaliação. Contudo, os achados da avaliação mostram que apenas formação não é suficiente: é fundamental avançarmos na valorização da profissão docente, considerando, inclusive, as suas condições de trabalho e a falta de professores experientes nas escolas que mais precisam.
Na história, Estela volta a estudar, ainda adolescente. E, nessa nova escola, ela vivencia muitas melhoras. "Em pouco tempo, meu círculo de amizades se ampliou. Agora, a realidade me agradava mais que os sonhos." Já existem no Brasil escolas que são, de fato, feitas para e com adolescentes. Há experiências isoladas de escolas e de algumas redes que começam a se atentar para essa etapa. Na última semana, o Ministério da Educação realizou encontros técnicos e um grande seminário público com estudantes, pesquisadores, educadores e gestores da educação no Cine Brasília, na capital federal. O seminário Escola das Adolescências marcou o começo da construção de uma política nacional para o fortalecimento dos Anos Finais do Fundamental, uma etapa historicamente esquecida pelas políticas educacionais. Um grupo de trabalho interfederativo, envolvendo estados e municípios e coordenado pelo MEC, trabalhará em prol do debate e do desenho da proposta para o que pode vir a ser a primeira política nacional focada nessa etapa. Que as vozes de adolescentes, como Estela, sejam cada vez mais ouvidas na construção de uma escola realmente das adolescências. E que os resultados do Pisa sejam capazes de mobilizar ainda mais um senso de urgência para que, aos 15 anos, cada e todo adolescente no Brasil possa lembrar com alegria o pleno aprendizado de sua experiência nos Anos Finais do Fundamental.
Patricia Mota Guedes é superintendente do Itaú Social, graduada em Ciências Políticas pela Universidade do Arizona do Norte, mestre em Administração Pública pela Universidade de Massachusetts Amherst e em Políticas Públicas pela Universidade de Princeton, nos Estados Unidos
Estela, personagem do livro Estela Sem Deus, de Jeferson Tenório, tem quatorze anos quando, ao se preparar para uma conversa séria com o pastor da sua igreja, decide não prestar atenção em nada do que viria pela frente. "Fazer como eu fazia em algumas aulas na escola, em que você finge que está ali, prestando atenção, mas, na verdade, está em outro lugar. Eu queria estar em outro lugar, mas ainda não sabia onde". O escritor nos presenteia com a voz de uma menina negra a viver uma das mais marcantes transições da vida: o início da adolescência. E a trajetória de Estela nos convida a refletir se, ao analisarmos os últimos dados do Pisa (Programa Internacional de Avaliação de Estudantes), estamos de fato colocando a atenção onde ela precisa estar, ou seja, nos Anos Finais do Ensino Fundamental, a grande transição das adolescências.
E o que Estela tem a ver com os milhares de estudantes que participaram do Pisa? A avaliação internacional é aplicada em estudantes de quinze anos, ou seja, que estão saindo do 9º ano ou ingressando na 1ª série do Ensino Médio. Portanto, os resultados não dizem respeito aos três anos de Ensino Médio, mas sobretudo ao que os alunos aprenderam no decorrer dos nove anos do Fundamental. Nesse sentido, o debate precisa ir além de olhar o ranking de países ou constatar que ainda estamos longe de desempenhos satisfatórios - somente três em cada dez estudantes brasileiros conseguem aplicar a matemática em problemas práticos da vida, quando a média dos países da OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico) é sete em cada dez.
Os resultados do Pisa 2022 mostram uma estabilidade - ou estagnação - do Brasil, celebrada por alguns, uma vez que outros países sofreram queda. Sem dúvida, vale o crédito ao esforço significativo de estados e municípios, com educadores, famílias e estudantes durante a pandemia, trabalhando ao longo de tanto tempo de escolas fechadas e sem coordenação efetiva do Ministério da Educação. Mesmo assim, seguimos em um patamar baixo. Segundo os dados divulgados, não conseguimos reduzir as desigualdades por nível socioeconômico, tampouco por gênero. Até aí, não há surpresa se nos lembrarmos dos recentes resultados do Saeb (Sistema de Avaliação da Educação Básica) e das análises das séries históricas que, felizmente, conseguimos manter como país, com o afinco dos quadros técnicos do Inep (Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira). O que então, novamente, o Pisa tem para nos mobilizar enquanto país?
Nas correlações entre os resultados nas provas e os questionários respondidos por estudantes e equipes escolares, encontramos temas fundamentais que nos impulsionam em prol de políticas estruturantes, capazes de transformar radicalmente a escola que recebe os adolescentes na chegada do 6º ano, entre 11 e 13 anos de idade. São indivíduos que enfrentam, nessa faixa etária, intensas mudanças físicas, sociais, emocionais e cognitivas. É o momento em que também se despedem da infância. Nos anos seguintes, por volta do 8º e 9º anos, começam a abraçar a transição para a juventude do Ensino Médio. São muitas mudanças em apenas quatro anos de uma etapa.
Sob essa perspectiva, o Pisa aponta que sistemas educacionais que investem em dimensões estratégicas, como a relação família-escola, conseguem melhores resultados em matemática. E o engajamento passa por equipes escolares conversando com famílias sobre o aprendizado dos estudantes e, por outro lado, familiares em diálogo com os jovens sobre o que vivenciam na escola.
Outra dimensão que dialoga com a experiência de adolescentes é a do senso de pertencimento, convivência e segurança, condições que afetam a saúde mental e são essenciais para plena aprendizagem. No Brasil, quase um terço dos estudantes reportaram no Pisa que se sentem sozinhos na escola. Dados revelam ainda que um em cada dez alunos não se sente seguro na sala de aula e em outros espaços da escola. As questões de segurança não estão somente no ambiente escolar, mas no entorno - 19% dos estudantes não se sentem seguros no caminho da escola, quando na OCDE a proporção é de 8%.
A lembrança de Estela sobre as aulas que não lhe motivavam também dialoga com uma dimensão retratada pelo Pisa: a autonomia no aprendizado. Os resultados para o Brasil mostraram uma maioria de estudantes tratados como consumidores passivos, que escutam as aulas e pouco se engajam. Sem dúvida, reverter essa situação implica políticas estruturantes, como a de melhor formação de professores, além das recentes medidas relacionadas à regulação de cursos de licenciaturas e sua avaliação. Contudo, os achados da avaliação mostram que apenas formação não é suficiente: é fundamental avançarmos na valorização da profissão docente, considerando, inclusive, as suas condições de trabalho e a falta de professores experientes nas escolas que mais precisam.
Na história, Estela volta a estudar, ainda adolescente. E, nessa nova escola, ela vivencia muitas melhoras. "Em pouco tempo, meu círculo de amizades se ampliou. Agora, a realidade me agradava mais que os sonhos." Já existem no Brasil escolas que são, de fato, feitas para e com adolescentes. Há experiências isoladas de escolas e de algumas redes que começam a se atentar para essa etapa. Na última semana, o Ministério da Educação realizou encontros técnicos e um grande seminário público com estudantes, pesquisadores, educadores e gestores da educação no Cine Brasília, na capital federal. O seminário Escola das Adolescências marcou o começo da construção de uma política nacional para o fortalecimento dos Anos Finais do Fundamental, uma etapa historicamente esquecida pelas políticas educacionais. Um grupo de trabalho interfederativo, envolvendo estados e municípios e coordenado pelo MEC, trabalhará em prol do debate e do desenho da proposta para o que pode vir a ser a primeira política nacional focada nessa etapa. Que as vozes de adolescentes, como Estela, sejam cada vez mais ouvidas na construção de uma escola realmente das adolescências. E que os resultados do Pisa sejam capazes de mobilizar ainda mais um senso de urgência para que, aos 15 anos, cada e todo adolescente no Brasil possa lembrar com alegria o pleno aprendizado de sua experiência nos Anos Finais do Fundamental.
Patricia Mota Guedes é superintendente do Itaú Social, graduada em Ciências Políticas pela Universidade do Arizona do Norte, mestre em Administração Pública pela Universidade de Massachusetts Amherst e em Políticas Públicas pela Universidade de Princeton, nos Estados Unidos