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Ghosn e Merkel: quando os líderes insistem em não sair

A menos que você seja dono de uma empresa, é melhor não pensar que você pode ficar no topo dela para sempre

GHOSN: “cuidar da sua sucessão é um passo crucial para qualquer líder, e um que não deve ser tocado na última hora” / Divulgação
GHOSN: “cuidar da sua sucessão é um passo crucial para qualquer líder, e um que não deve ser tocado na última hora” / Divulgação
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Opinião

Publicado em 22 de novembro de 2018 às, 17h22.

Última atualização em 23 de novembro de 2018 às, 19h49.

DUBLIN – A espetacular ascensão e queda de Carlos Ghosn, o “Matador de Custos” que salvou a Nissan em 1999 e construiu uma parceria poderosa entre a fabricante de veículos japonesa, sua maior acionista francesa, a Renault, e a Mitsubishi Motors, do Japão, parece algo saído de uma peça de teatro kabuki, com os todo-poderosos japoneses se safando no final. Já a queda de Ghosn lembra mais uma tragédia grega clássica, com elementos alemães contemporâneos. É uma história em que Hýbris encontra Nêmesis (N.E.: dois conceitos da tragédia grega; hýbris significa violência, e nêmesis quer dizer castigo pelas injustiças cometidas). E o melhor paralelo a Ghosn é a chanceler alemã, Angela Merkel.

Mesmo executivos-astro ou líderes políticos arriscam a ruína se superestimarem seu poder e excedem seu prazo de permanência. É o que Merkel tem feito ao ficar no cargo durante 13 anos, o que faz dela a chanceler há mais tempo no cargo desde que Helmut Kohl ocupou o posto, de 1982 a 1998.

Na memória recente, Merkel foi vista, acertada ou erradamente, em termos heroicos por seu papel em estabilizar o câmbio único do euro. Porém, quando ela deixar o cargo, provavelmente nos próximos meses, será uma figura bastante diminuída, talvez até mesmo humilhada.

Pelo menos o destino dela parece melhor que o de Ghosn, preso em Tóquio assim que chegou ao país em um jato particular, e que agora se vê diante de acusações de ter desviado fundos da empresa e pago a si mesmo milhões de dólares em compensações ocultas. Não importa que fatos eventualmente apareçam, a carreira do executivo franco-libanês-brasileiro, que incluiu 18 anos administrando a Nissan e 13 cuidando da Reunalt, chegou a um fim abrupto.

A prisão de Ghosn ensina muitas lições. Uma é o novo papel de destaque dos denunciantes no setor corporativo do Japão. Como no caso do escândalo contábil de 2011 envolvendo a empresa Olympus, o suposto desvio de conduta de Ghosn foi revelado à direção da empresa por uma fonte no interior da companhia.

Outra lição, porém, é que continuam fracas a auditoria e outras salvaguardas da governança cooperativa das grandes empresas japonesas. Se Ghosn realmente vem escondendo sua verdadeira renda dos balanços publicados pela Nissan, ele deve ter colaboradores no departamento de finanças da empresa, e tais práticas tinham de ser identificadas pelos auditores e investigadas por diretores independentes. Um revelação de abusos executivos tão súbita e tardia lança uma enorme sombra sobre toda a empresa.

Essa sombra se estende à declaração de que a governança corporativa no Japão tem melhorado significativamente, após as reformas estimuladas pelo governo do primeiro-ministro Shinzo Abe. No entanto, este mesmo fiasco pode ter sido desconsiderado em função de uma outra característica desta história, evidenciada após a prisão do homem que foi o co-CEO de Ghosn, Hiroto Saikawa, tê-lo expulsado brutalmente: os gestores japoneses vêm reafirmando sua tradicional solidariedade à empresa em uma tentativa de mudar a distribuição de poder na aliança Nissan-Renault-Mitsubishi da Renault de volta às mãos da Nissan.

Esta mudança corre o risco de desestabilizar a aliança, mas os gestores da Nissan parecem considerá-la preferível à possibilidade de serem incluídos em uma fusão de fato – que é o que as narrativas que estão vindo de Tóquio sugerem que Ghosn estivesse planejando. A Renault hoje tem 43% do controle da Nissan, enquanto a Nissan detém 15% da Renault e 34% da Mitsubishi Motors. Posses cruzadas deste tipo são uma prática comum nos negócios do Japão, mas o domínio total pode muito bem ter parecido um modelo mais sustentável no longo prazo para Ghosn e a Renault.

A moral principal desta história trágica, contudo, não vem de uma luta entre as práticas europeias e japonesas, e muito menos de um bate-boca sobre pagamentos e práticas corporativas duvidosas. É que, a menos que você seja dono de uma empresa, é melhor não pensar que você pode ficar no topo dela para sempre.

Ghosn continuava como diretor da Nissan depois de terminar seu mandato como co-CEO no ano passado; evidentemente ele achava que ainda poderia mandar e desmandar. Cuidar da sua sucessão é um passo crucial para qualquer líder, e um que não deve ser tocado na última hora. Ele fracassou em fazer isso, em parte ao fracassar para efetivamente deixar o cargo.

Se você levar o que ela diz ao pé da letra, também é isso que Merkel está fazendo agora. Em outubro, ela anunciou que não renunciaria em dezembro para a reeleição como líder da União Democrática Cristã, mas afirmou que ficaria no cargo de chanceler até 2021. No entanto, assim que o sucessor dela na liderança do partido for escolhido, vai começar imediatamente o coro para sua saída imediata – principalmente se o vencedor for seu velho adversário, Friedrich Merz.

Ela se sairia muito melhor prevenindo esta pressão se tomasse a iniciativa de anunciar sua própria saída em dezembro. É tarde demais para ela mudar seu legado, que para sempre vai ser dominado por sua decisão controversa de, em 2015, abrir as fronteiras da Alemanha a mais de um milhão de pessoas da Síria e de outros países do Oriente Médio em busca de asilo. Sua última chance de influenciar o que os historiadores escrevem sobre ela vai ser escolher o momento e a maneira como ela sai do cenário político.

Ghosn, ao contrário, só pode afetar seu legado agora por meio do que seus advogados puderem provar em qualquer julgamento que eventualmente aconteça. Se pelo menos ele tivesse desistido muito antes, passando as rédeas graciosa e completamente, a história dele teria continuado a ser repleta de grandes conquistas. Além disso, muito menos estragos teriam sido feitos às empresas que ele um dia serviu tão bem.

Bill Emmott, ex-editor-chefe da The Economist, é autor de O Destino do Ocidente.