Game of Thrones na União Europeia
As eleições para o Parlamento Europeu mudaram a paisagem política do continente e forçaram os partidos tradicionais a se reagruparem ou serem substituídos
Da Redação
Publicado em 28 de maio de 2019 às 15h47.
Última atualização em 28 de maio de 2019 às 21h01.
PRINCETON – As eleições para o Parlamento Europeu concluídas em 26 de maio acabaram repetindo o final de Game of Thrones – uma história longa e complexa com um desfecho surpreendente e, para muitos, insatisfatório. Tal como acontece com Game of Thrones, muitas pessoas solicitaram um final diferente. Esses fãs gostariam de demitir os autores e reescrever o roteiro.
Os antieuropeus, que pareciam por um momento como se estivessem sendo conduzidos pelo triunvirato populista de Matteo Salvini, da Itália, Viktor Orbán, da Hungria e Steve Bannon, dos Estados Unidos, na direção de uma triunfal conquista de Bruxelas, foram derrotados. Os pró-europeus, que apoiam os partidos do establishment da União Europeia, também perderam. E os políticos que inventaram o processo de Spitzenkandidaten na tentativa de influenciar a escolha do próximo chefe da Comissão Europeia pareciam patéticos enquanto o restos dos antigos partidos da UE foram eliminados. Em suma, as expectativas convencionais ruíram por terra em todos os sentidos.
Um desfecho óbvio da eleição ficou claro muito antes de os resultados serem anunciados: o duopólio de longa duração na Europa – de forças de centro-esquerda e de centro-direita – está definitivamente ultrapassado. Esse duopólio havia sido mais aparente em nível nacional, onde tipicamente um partido levemente conservador e um partido levemente socialista lutavam pelo nível das pensões, política salarial, extensão das transferências sociais e assuntos afins. Cada partido precisava então moderar sua posição para atrair o eleitor mediano. Os sistemas que eles produziam na política nacional eram bastante estáveis, e alguns esperavam que o mesmo mecanismo pudesse se reproduzir ao nível europeu.
Essa dicotomia esquerda-direita desabou na Itália desde o início dos anos 90. Terminou na França mais recentemente, com a eleição presidencial de 2017, na qual nem os candidatos da velha esquerda nem os da velha direita alcançaram o segundo turno. O Partido Social-Democrata Alemão (SPD) tem sido sistematicamente enfraquecido através da sua participação (politicamente responsável) no governo da grande coligação com a União Democrata Cristã. E no Reino Unido, o Brexit destruiu o Partido Conservador e talvez o Partido Trabalhista também.
Na Grécia, o partido governista Syriza saiu-se mal, refletindo evidentemente a opinião de muitos eleitores e gradualmente tornou-se apenas um partido tradicional de centro-esquerda. Com algumas notáveis exceções – Espanha e Áustria, por exemplo – os socialdemocratas da velha guarda apresentaram desempenho ruim. A França e a Alemanha, dois países tradicionalmente no cerne do processo europeu, são os dois exemplos mais evidentes. Os 6% dos votos dos socialistas franceses os condenaram à irrelevância, e atualmente, o SPD não parece mais muito convincente.
As perdas sofridas pelos partidos tradicionais de centro-esquerda refletem a realidade de abertura do mundo de hoje. À medida que a Europa se torna mais importante em nível global, terá de fazer mais do que apenas redistribuir riqueza: simplesmente reproduzir os antigos sistemas de bem-estar social de acordo com a escala europeia é uma receita para intermináveis conflitos entre diferentes partes da União.
O resultado mais interessante das eleições foi a relativa fraqueza dos partidos populistas de direita e dos nacionalistas. Esses também geralmente incluíram uma grande medida de proteção social em suas plataformas. Por exemplo, o Rally Nacional, de Marine Le Pen, (sua nova fachada para a antiga Frente Nacional) estava mais à esquerda em questões sociais do que a lista “Renaissance” do Presidente Emmanuel Macron, o qual o derrotou por pouco.
Os defensores dos partidos populistas perceberam corretamente que o antigo assistencialismo só funciona em um ambiente estritamente nacional. Mas geralmente não havia número suficiente deles para defender a volta a uma Europa de Estados-nação. De fato, os resultados iniciais indicaram que, enquanto Le Pen venceu Macron, seu partido recebeu uma parcela menor de votos do que nas últimas eleições para o Parlamento Europeu em 2014.
Uma razão para o desempenho relativamente fraco dos partidos nacionalistas foi a facilidade com que as discussões sobre escândalos, corrupção e falta de transparência se espalharam através das fronteiras nacionais. O atual escândalo de dinheiro para contratos envolvendo nacionalistas da Áustria (curiosamente chamado de Partido da Liberdade), provavelmente fez com que sua parcela de votos populares caísse, em relação a 2014, e suas contrapartes em outros lugares – na Alemanha e Dinamarca, por exemplo – também se saíram pior do que o esperado.
Essa foi, de fato, a primeira eleição para o Parlamento Europeu que apresentou temas genuinamente europeus. Os partidos verdes pró-europeus – com seu compromisso com o bem público (mais obviamente, segurança climática), que simplesmente não podem ser gerados em níveis nacionais – se saíram muito bem em todos os lugares. Ao mesmo tempo, os Verdes abalaram grande parte da ideologia que ainda sobrecarrega os antigos e convencionais partidos políticos da esquerda e da direita. Sua maior vitória foi na Alemanha, onde terminou em segundo, batendo com facilidade o SPD; mas eles também tiveram forte desempenho no Reino Unido.
Os outros grandes vencedores foram os partidos liberais na aliança chefiada pelo carismático Guy Verhofstadt, que está empenhado em trabalhar com Macron. Juntamente com os Verdes, é quase certo que os liberais sejam a voz parlamentar mais poderosa que moldará a liderança e a agenda da nova Comissão.
Apesar da natureza fragmentada do novo Parlamento Europeu, deveria ser fácil encontrar uma maioria para uma agenda que reflita o que a maioria dos cidadãos da UE expressou no voto. Uma das características marcantes das convulsões políticas pós-2016 no Reino Unido e nos Estados Unidos é o modo como as legislaturas nacionais têm se afirmado ao enfrentar um poder executivo disfuncional e errático. Os parlamentares europeus devem seguir o mesmo caminho.
Para começar, esses parlamentares deveriam bem aproveitar as lições dos escândalos populistas na Áustria e em outros lugares, e fazer da corrupção uma prioridade máxima nos níveis nacionais e na União Europeia. Além disso, o novo parlamento deverá ajudar a desenvolver uma abordagem coordenada da UE aos desafios globais em matéria de energia e segurança, face à pressão dos EUA e da Rússia no sentido de definir a agenda política. Essas discussões também estarão ligadas ao debate sobre corrupção e influência sem transparência.
Game of Thrones pode ter acabado, mas novas lutas pelo poder na UE estão apenas começando. As eleições para o Parlamento Europeu mudaram a paisagem política do continente de modo importante, com os partidos tradicionais forçados a se reagruparem ou serem substituídos. O que acontece a seguir provavelmente pode oferecer uma visão bastante atraente.
PRINCETON – As eleições para o Parlamento Europeu concluídas em 26 de maio acabaram repetindo o final de Game of Thrones – uma história longa e complexa com um desfecho surpreendente e, para muitos, insatisfatório. Tal como acontece com Game of Thrones, muitas pessoas solicitaram um final diferente. Esses fãs gostariam de demitir os autores e reescrever o roteiro.
Os antieuropeus, que pareciam por um momento como se estivessem sendo conduzidos pelo triunvirato populista de Matteo Salvini, da Itália, Viktor Orbán, da Hungria e Steve Bannon, dos Estados Unidos, na direção de uma triunfal conquista de Bruxelas, foram derrotados. Os pró-europeus, que apoiam os partidos do establishment da União Europeia, também perderam. E os políticos que inventaram o processo de Spitzenkandidaten na tentativa de influenciar a escolha do próximo chefe da Comissão Europeia pareciam patéticos enquanto o restos dos antigos partidos da UE foram eliminados. Em suma, as expectativas convencionais ruíram por terra em todos os sentidos.
Um desfecho óbvio da eleição ficou claro muito antes de os resultados serem anunciados: o duopólio de longa duração na Europa – de forças de centro-esquerda e de centro-direita – está definitivamente ultrapassado. Esse duopólio havia sido mais aparente em nível nacional, onde tipicamente um partido levemente conservador e um partido levemente socialista lutavam pelo nível das pensões, política salarial, extensão das transferências sociais e assuntos afins. Cada partido precisava então moderar sua posição para atrair o eleitor mediano. Os sistemas que eles produziam na política nacional eram bastante estáveis, e alguns esperavam que o mesmo mecanismo pudesse se reproduzir ao nível europeu.
Essa dicotomia esquerda-direita desabou na Itália desde o início dos anos 90. Terminou na França mais recentemente, com a eleição presidencial de 2017, na qual nem os candidatos da velha esquerda nem os da velha direita alcançaram o segundo turno. O Partido Social-Democrata Alemão (SPD) tem sido sistematicamente enfraquecido através da sua participação (politicamente responsável) no governo da grande coligação com a União Democrata Cristã. E no Reino Unido, o Brexit destruiu o Partido Conservador e talvez o Partido Trabalhista também.
Na Grécia, o partido governista Syriza saiu-se mal, refletindo evidentemente a opinião de muitos eleitores e gradualmente tornou-se apenas um partido tradicional de centro-esquerda. Com algumas notáveis exceções – Espanha e Áustria, por exemplo – os socialdemocratas da velha guarda apresentaram desempenho ruim. A França e a Alemanha, dois países tradicionalmente no cerne do processo europeu, são os dois exemplos mais evidentes. Os 6% dos votos dos socialistas franceses os condenaram à irrelevância, e atualmente, o SPD não parece mais muito convincente.
As perdas sofridas pelos partidos tradicionais de centro-esquerda refletem a realidade de abertura do mundo de hoje. À medida que a Europa se torna mais importante em nível global, terá de fazer mais do que apenas redistribuir riqueza: simplesmente reproduzir os antigos sistemas de bem-estar social de acordo com a escala europeia é uma receita para intermináveis conflitos entre diferentes partes da União.
O resultado mais interessante das eleições foi a relativa fraqueza dos partidos populistas de direita e dos nacionalistas. Esses também geralmente incluíram uma grande medida de proteção social em suas plataformas. Por exemplo, o Rally Nacional, de Marine Le Pen, (sua nova fachada para a antiga Frente Nacional) estava mais à esquerda em questões sociais do que a lista “Renaissance” do Presidente Emmanuel Macron, o qual o derrotou por pouco.
Os defensores dos partidos populistas perceberam corretamente que o antigo assistencialismo só funciona em um ambiente estritamente nacional. Mas geralmente não havia número suficiente deles para defender a volta a uma Europa de Estados-nação. De fato, os resultados iniciais indicaram que, enquanto Le Pen venceu Macron, seu partido recebeu uma parcela menor de votos do que nas últimas eleições para o Parlamento Europeu em 2014.
Uma razão para o desempenho relativamente fraco dos partidos nacionalistas foi a facilidade com que as discussões sobre escândalos, corrupção e falta de transparência se espalharam através das fronteiras nacionais. O atual escândalo de dinheiro para contratos envolvendo nacionalistas da Áustria (curiosamente chamado de Partido da Liberdade), provavelmente fez com que sua parcela de votos populares caísse, em relação a 2014, e suas contrapartes em outros lugares – na Alemanha e Dinamarca, por exemplo – também se saíram pior do que o esperado.
Essa foi, de fato, a primeira eleição para o Parlamento Europeu que apresentou temas genuinamente europeus. Os partidos verdes pró-europeus – com seu compromisso com o bem público (mais obviamente, segurança climática), que simplesmente não podem ser gerados em níveis nacionais – se saíram muito bem em todos os lugares. Ao mesmo tempo, os Verdes abalaram grande parte da ideologia que ainda sobrecarrega os antigos e convencionais partidos políticos da esquerda e da direita. Sua maior vitória foi na Alemanha, onde terminou em segundo, batendo com facilidade o SPD; mas eles também tiveram forte desempenho no Reino Unido.
Os outros grandes vencedores foram os partidos liberais na aliança chefiada pelo carismático Guy Verhofstadt, que está empenhado em trabalhar com Macron. Juntamente com os Verdes, é quase certo que os liberais sejam a voz parlamentar mais poderosa que moldará a liderança e a agenda da nova Comissão.
Apesar da natureza fragmentada do novo Parlamento Europeu, deveria ser fácil encontrar uma maioria para uma agenda que reflita o que a maioria dos cidadãos da UE expressou no voto. Uma das características marcantes das convulsões políticas pós-2016 no Reino Unido e nos Estados Unidos é o modo como as legislaturas nacionais têm se afirmado ao enfrentar um poder executivo disfuncional e errático. Os parlamentares europeus devem seguir o mesmo caminho.
Para começar, esses parlamentares deveriam bem aproveitar as lições dos escândalos populistas na Áustria e em outros lugares, e fazer da corrupção uma prioridade máxima nos níveis nacionais e na União Europeia. Além disso, o novo parlamento deverá ajudar a desenvolver uma abordagem coordenada da UE aos desafios globais em matéria de energia e segurança, face à pressão dos EUA e da Rússia no sentido de definir a agenda política. Essas discussões também estarão ligadas ao debate sobre corrupção e influência sem transparência.
Game of Thrones pode ter acabado, mas novas lutas pelo poder na UE estão apenas começando. As eleições para o Parlamento Europeu mudaram a paisagem política do continente de modo importante, com os partidos tradicionais forçados a se reagruparem ou serem substituídos. O que acontece a seguir provavelmente pode oferecer uma visão bastante atraente.