Davos: a cidade suíça se transformou na capital mundial do debate econômico (World Economic Forum/Divulgação)
Ex-ministro do Turismo (Governo Temer), cientista político pela Universidade Americana de Paris, Sênior Fellow do Milken Institute (EUA)
Publicado em 4 de novembro de 2025 às 07h17.
Em um mundo em transição, dois fóruns representam visões opostas sobre o futuro do capitalismo: o World Economic Forum, em Davos, e a Global Conference do Milken Institute, em Los Angeles. O primeiro simboliza a Europa da reflexão e da regulação; o segundo, a América da execução e da inovação. Um debate ideias; o outro, produz resultados.
Criado por Klaus Schwab nos anos 1970, Davos nasceu para reconciliar capitalismo e sociedade. Schwab, autor de The Fourth Industrial Revolution, defende que “as empresas não existem apenas para gerar lucro, mas para servir à sociedade”. Essa visão humanista ajudou a redefinir o capitalismo contemporâneo, mas a Europa que lhe dá base se tornou lenta, regulatória e envelhecida. O continente perdeu parte de sua competitividade industrial e tecnológica, enquanto Estados Unidos e Ásia avançaram em produtividade e inovação.
O Milken Institute, fundado por Mike Milken, representa a outra face do capitalismo: a da transformação prática. O ex-banqueiro que reinventou o mercado de capitais americano criou um think tank apartidário e baseado em evidências, voltado a conectar capital e conhecimento para resolver problemas reais. “O capital mais poderoso é o humano; o que importa não é o dinheiro, mas o conhecimento, a saúde e a oportunidade”, costuma dizer Milken.
O Instituto que não tem fins lucrativos, reúne 400 membros em seu Conselho de Mercado Capitais que representam 35 trilhões de dólares em capital ; atuando em cinco polos , Los Angeles, Washington, Londres, Abu Dhabi e Singapura , operando como um “think and do tank”: pesquisa, propõe e executa. Sua Global Conference, realizada anualmente no Beverly Hilton, em Los Angeles, reúne mais de cinco mil líderes de fundos, líderes mundiais , empresas, governos e universidades para transformar ideias em investimentos. É o fórum do capitalismo de resultados, onde inovação financeira e impacto social se encontram. Uma das premissas : market solutions to social problems .
Em Washington, o Museu do Sonho Americano, mantido pelo Instituto, celebra a crença na mobilidade social por meio de mérito, educação e trabalho, e a necessidade da renovação do “American Dream “. Essa narrativa de prosperidade construída inspira o Brasil a formular o seu próprio “Sonho Brasileiro”: uma síntese de criatividade, produtividade e coesão.
Entre as principais linhas de ação do Milken Institute estão o FasterCures, dedicado à aceleração de descobertas científicas e à resposta global a emergências de saúde, e o State of the State, voltado à melhoria da governança pública e à análise de políticas regionais. Em 2024, o Instituto trouxe ao Brasil uma pesquisa inédita sobre como o país deve se preparar para futuras pandemias, mapeando falhas em vigilância sanitária, logística e coordenação científica. É o think tank agindo na prática , com ciência, dados e planejamento.
Os Financial Innovations Labs são outro exemplo da metodologia aplicada: laboratórios que reúnem técnicos, reguladores e investidores para criar instrumentos financeiros que destravam investimentos e fortalecem mercados. Já foram realizados em países como Israel, Índia, Indonésia, África do Sul e Singapura , onde o modelo de integração entre Estado, inovação e capital privado transformou a cidade em referência mundial. É o espírito de aprimoramento, prevenção e projeção que define o verdadeiro papel de um think tank: pensar o país e projetar sua sociedade.
Agora, esse modelo chega ao Brasil. O primeiro Milken Symposium em São Paulo, nos dias 9 e 10 de novembro, reunirá investidores globais e brasileiros para discutir desenvolvimento sustentável, meio ambiente e inovação, em clima pré-COP. Terá figuras como Gavin Newson , governador da Califórnia e Al Gore . E, em 6 de novembro, no Rio de Janeiro, o Instituto realizará um encontro especializado em data centers e infraestrutura digital, outro pilar da nova economia verde e tecnológica , no Palacio da Prefeitura Municipal . A presença do Milken Institute no país é um marco: conecta o Brasil à maior rede internacional de conhecimento aplicado e inovação financeira.
Esse movimento acontece em um momento de grandes oportunidades. O Brasil é hoje o quinto maior superavitário comercial do planeta, exporta energia, alimentos e tecnologia agroindustrial, mas ainda não transforma essa força em futuro , como lembrava Eliezer Batista, defensor da ideia de que as riquezas naturais devem financiar o desenvolvimento humano e tecnológico. O país vive o presente, mas não projeta o futuro.
Enquanto o Milken Institute trabalha com horizontes de 10, 20 e 30 anos, o Brasil segue prisioneiro de ciclos curtos e de uma política sem projeto nacional. As ferramentas que o Instituto desenvolve , como os Labs e as plataformas de pesquisa , oferecem o que mais precisamos: método, métricas e visão de longo prazo. A capacidade de transformar dados e inteligência em estratégia de país é o que diferencia as nações que se protegem das que apenas sobrevivem.
O contraste entre Davos e Milken reflete também a distância entre Europa e Estados Unidos. O PIB americano ultrapassa US$ 30 trilhões, contra cerca de US$ 20 trilhões da União Europeia. Mas o diferencial real é a produtividade: o PIB per capita dos EUA chega a US$ 86 mil, enquanto o europeu gira em torno de US$ 62 mil. O mercado de capitais americano é várias vezes maior que o europeu em proporção ao PIB, o que permite financiar inovação com agilidade , algo que o Brasil ainda não aprendeu a fazer.
Nossa produtividade por trabalhador equivale a 20% da americana. Essa diferença explica salários baixos, juros altos e crescimento lento. Falta-nos um ecossistema que una capital, conhecimento e execução , exatamente o que o Milken Institute pratica. O país precisa transformar seus fóruns de debate em mecanismos de ação. Um Financial Innovations Lab brasileiro poderia ser o embrião de uma nova política pública, unindo governos , universidades e mercado para criar instrumentos voltados à inovação, à infraestrutura verde e à economia criativa.
Klaus Schwab e Mike Milken, embora diferentes, convergem em um ponto essencial. Schwab lembra que “o futuro não será construído por observadores, mas por participantes corajosos”. Milken completa: “as grandes transformações começam quando alguém decide que o problema de todos é também o seu problema”.
O desafio brasileiro em construir seu sonho pode passar por unir o idealismo de Davos à eficiência de Los Angeles , e andar na frente com as idéias do nosso tempo para os problemas do nosso tempo, deixando para trás velhas ideologias que já não respondem à realidade. Se o Brasil, de tantas riquezas e potencialidades, quiser se proteger e prosperar, precisa de um plano ousado, de um “ Brazilian Dream “ para o Brasil e para os brasileiros. Um plano que una educação, inovação, produtividade e sustentabilidade, transformando nosso superávit de recursos em superávit de oportunidades.
Não faz mais sentido esperar. É tempo de projetar e fazer.
Davos discute o mundo; Milken o transforma.
O Brasil pode, e deve , fazer ambos.