Egon Zehnder: O Poder dos Relacionamentos
Os líderes de hoje precisam de novas habilidades – inclusive de algumas que exigem que saiam de trás de sua mesa
Publicado em 17 de junho de 2021 às, 12h37.
Última atualização em 17 de junho de 2021 às, 12h39.
Por Egon Zehnder
Se você se encontrasse com Lukas socialmente, ele não lhe pareceria ser um líder do tipo heroico: é quieto, até retraído. Você notaria uma figura preocupada, uma mistura de um engenheiro certinho e um cavalheiro cortês que fala de maneira educada, mas intensa, com um colega – e nunca imaginaria que se trata do CEO de um conglomerado multinacional de moda que vale dezenas de bilhões de dólares.
“As aglomerações de gente sugam a minha energia”, confessa ele. Uma anomalia, pode-se pensar, no ramo da moda, tão associado a eventos e o glamour. Mas as aparências enganam: na conversa, logo se compreende que Lukas é, ao mesmo tempo, mais caloroso pessoalmente e mais ponderado do que pode parecer à primeira vista. Ele tem um charme europeu, é uma pessoa de riso fácil, mas vai direto ao ponto. Sua mente afiada é treinada para as oportunidades comerciais, e seu pragmatismo se baseia em décadas de experiência. Em seus mais de 40 anos exercendo diversas funções na mesma empresa, ele partiu do zero e ascendeu aprendendo e se desenvolvendo.
Por que, então, uma figura tão impressionante teria se sentido “despreparada” quando recebeu o manto de CEO?
Saindo de trás da mesa
Assumir a função de CEO significava adentrar um turbilhão de fatores de estresse novos e substanciais. Por ser introvertido, Lukas sempre foi mais feliz em seu próprio mundo previsível e reservado, fazendo cálculos e deduções e comunicando suas decisões à cadeia de comando abaixo. Tratava-se de um modo de atuação perfeitamente adequado a um estilo pessoal retraído – e a uma era em fase final.
Porém, já não é suficiente um CEO apoiar-se em sua própria experiência ou em fatos ou análises que lhes são apresentados. O panorama ficou muito mais complexo e, para formar opiniões e tomar decisões acertadas, os líderes de hoje precisam de novas habilidades – inclusive de algumas que exigem que saiam de trás de sua mesa. Lukas exemplifica um padrão comum nos CEOs da velha guarda: ao subirem na hierarquia de uma empresa, eles desenvolvem seu apoio internamente, sem necessariamente ter interações mais profundas com stakeholders externos à organização ou mesmo fora seu próprio departamento – o que é particularmente válido em uma corporação enorme como a que Lukas lidera. Ele teve de se familiarizar sem demora com uma rede vasta e complexa, cultivando novos relacionamentos com consumidores, fornecedores, autoridades reguladoras, grupos ativistas e seu próprio Conselho.
Os líderes de hoje precisam de novas habilidades – inclusive de algumas que exigem que saiam de trás de sua mesa.
“Ao assumir a função, eu me senti desconectado de muitos atores essenciais – pessoas com as quais, nas minhas funções anteriores, nunca lidei diretamente”, Lukas nos disse. “Uma das minhas tarefas urgentes era fazer contatos e interagir – e, para alguém como eu, isso é estressante! Antes, eu sempre me via mais como o único piloto do navio.”
Outros fatores o levaram para ainda mais longe de sua zona de conforto. Ele estava sob extrema pressão dos investidores para se desfazer de certas divisões de baixo desempenho. Externamente, a indústria da moda como um todo vinha passando por um escrutínio de seu histórico em direitos trabalhistas e questões ambientais. Todos esses conflitos e reivindicações concorrentes pareciam destinados a sobrecarregar Lukas; exigiam todo um novo conjunto de habilidades de resolução de conflitos e interação pessoal – e às vezes pareciam exigir o tempo e a energia de uma dúzia de CEOs. Lukas estava mal preparado para o furacão. “Sou um só!”, ele se lembra de ter exclamado para si mesmo certa manhã em sua mesa, enquanto os e-mails urgentes se acumulavam.
Distribuindo liderança: todo mundo é CEO
Um dos primeiros atos resolutos de Lukas em sua nova função foi identificar as principais marcas da empresa de moda e reconfigurá-las como unidades de negócios distintas, ao mesmo tempo em que se desfazia das divisões menos produtivas. Seu divisor de águas, que tivemos o privilégio de testemunhar em uma sessão com ele, foi a decisão de ampliar a responsabilidade de liderança para além de si mesmo, para o coletivo. Nesse espírito, de forma ousada, ele confiou ao líder de cada divisão da empresa a função de CEO em seu domínio.
Largar o leme assim não foi fácil, mas foi revelador. Abriu seus olhos para uma forma de liderança diferente e mais distribuída – que exigia menos liderança na frente, mais confiança e o desenvolvimento de relacionamentos em todos os níveis hierárquicos. Com isso, foram postas em ação diversas ideias criativas e estratégicas antes atoladas na burocracia corporativa. Ao mesmo tempo, ele manteve linhas de comunicação ativas e trabalhou para criar um ambiente propício. Investiu em programas de liderança para seus executivos e os incentivou a ingressar em Conselhos de outras empresas como forma de ampliar sua perspectiva e desenvolver sua rede de colegas CEOs. “Percebi que estou aí para empoderar os outros”, Lukas nos disse recentemente. “Ao dar o máximo de mim, devo inspirar todos os demais a também dar o máximo de si. Mas primeiro preciso criar o espaço para eles.”
Em nossas discussões, vimos Lukas expandir o conceito de liderança distribuída ainda mais, para além do executivo, chegando a todas as pessoas da empresa. Essa abordagem mais igualitária tem a vantagem adicional de empoderar os funcionários, mesmo os mais subalternos, para que falem livremente o que pensam a respeito de questões sobre as quais a liderança precisa ouvir. Lukas incentiva as pessoas a expressar opiniões divergentes no local de trabalho – mesmo as muito difíceis ou emotivas. “Uma gama mais ampla de experiências só nos deixa mais fortes”, disse ele.
Como as ondulações que se propagam quando se joga uma pedra em um lago, essa abordagem relacional levou Lukas a repensar também a dinâmica das conexões de sua empresa com as partes externas. Em vez de enxergar os stakeholders como entidades às vezes difíceis de ser gerenciadas, ele passou a vê-los como portas para oportunidades e a ver sua própria empresa como parte de um ecossistema muito maior e interdependente, formado por fornecedores, funcionários, consumidores, governo e autoridades reguladoras, todos ligados por relacionamentos vitais. Hoje, ele busca ativamente novas parcerias, inclusive alianças com todos os tipos de organizações e com outros CEOs.
Priorizando a ética e os lucros
Lukas se tornou CEO em um momento no qual as ONGs ambientais e de direitos humanos estavam ficando cada vez mais eloquentes, poderosas e certeiras em suas críticas à indústria da moda, em alguns casos entrando diretamente na sala da diretoria na forma de investidores ativistas. Sempre ponderado e com um forte senso ético, Lukas sabia que as empresas teriam de enfrentar essas questões urgentes. Com o desenvolvimento de sua compreensão da liderança relacional, ele pôde expandir sua visão de responsabilidade coletiva e interdependência a ponto de englobar questões de justiça social – e pôde lidar com elas de maneira produtiva. “Aprendi a converter a tensão corrosiva em tensão criativa”, conta ele.
As considerações pragmáticas, no entanto, nunca são esquecidas. Em nenhum momento Lukas perde de vista a tarefa fundamental do CEO, de conduzir os negócios por um rumo financeiramente sensato, gerando valor para os acionistas. Equilibrando princípio e pragmatismo, Lukas encontra maneiras de integrar esses interesses e contrapartidas. Foi a conexão de Lukas com sua base de consumidores que o levou a enfocar um imperativo social específico: a igualdade de gênero. A maioria dos clientes da indústria da moda é do sexo feminino; prestar atenção às questões de gênero faz sentido tanto do ponto de vista empresarial quanto do ético. Isso também é significativo porque muitas mulheres trabalham na indústria da moda mundial, sobretudo na linha de frente. Com a pandemia de COVID-19, milhões de trabalhadores estão sofrendo perda de renda – principalmente mulheres jovens.
“As decisões tomadas no meu escritório afetam a vida de mulheres do mundo inteiro”, diz Lukas, sério. “É uma responsabilidade imensa.” Mais perto de si, Lukas também está profundamente preocupado com a paridade de gênero dentro da empresa, que emprega muitas mulheres, mas menos nos cargos superiores e no Conselho. A intenção declarada dele é aumentar a representatividade feminina em todos os escalões.
Nós, da Egon Zehnder, vimos como CEOs de sucesso aceitam de bom grado um lugar de desconforto. Os líderes empresariais de hoje não podem ter receio de fazer as perguntas difíceis que o contexto mundial em transformação exige – de suas organizações e de si mesmos. No caso de Lukas, seu desafio era entrar em contato e se conectar com o coletivo. Ele fez isso com firmeza, expandindo progressivamente seus círculos de interação – primeiro para os colegas executivos, depois para todos os níveis da organização, de lá para os stakeholders externos e, por fim, para as questões urgentes do planeta. Ao fazer isso, ele criou uma nova cultura na qual a conexão autêntica é incentivada em todos os níveis, ajudando a empresa a manter sua posição de liderança em um setor competitivo e em constante mudança.