Egon Zehnder: O CEO Adaptativo
A adaptação também é um processo iterativo de observação e experimentação que encontra novas maneiras de se desenvolver e as aperfeiçoa
Publicado em 26 de julho de 2021 às, 16h50.
Última atualização em 26 de julho de 2021 às, 16h55.
Por Egon Zehnder
Em nossas milhares de interações com CEOs em todo o mundo, deparamo-nos com muitas personalidades dominantes: líderes que assumem o controle das reuniões, buscando direcionar os eventos a um objetivo bem definido. Mas Raj era diferente. Em vez de expor todas as questões e propor um caminho a seguir desde o início de nosso relacionamento, ele ouvia. Raj era um ouvinte ativo: fazia perguntas precisas, buscava clareza e mantinha um alto grau de foco inteligente que seria assustador se não fosse equilibrado por uma postura cordial e empática.
Isso contrastava com o hiperconfiante e dominador Mike, que Raj havia substituído recentemente no cargo de CEO de uma grande companhia farmacêutica multinacional. Aliás, quando foi escolhido para o cargo, Raj hesitou em aceitá-lo. Veterano na empresa, tendo liderado com sucesso, por muitos anos, a maior divisão dela, sua hesitação não era fruto de falta de competência. Na verdade, Raj receava que houvesse uma expectativa no sentido de ele atuar mais como Mike: um líder inflexível, incapaz de se abrir a pontos de vista diferentes. Porém, após um período de reflexão, Raj percebeu que, com coragem e convicção, poderia aceitar o cargo – e reinventá-lo de acordo com seus próprios instintos.
Mantendo-se fiel a si mesmo, Raj adotou um estilo adaptativo que lhe permitiu liderar com autenticidade pessoal.
Liderança adaptativa em tempos conturbados
Em períodos de estabilidade, os problemas costumam ser previsíveis, rapidamente compreensíveis e resolvidos recorrendo-se a um manual consagrado: basta os líderes exercerem sua expertise e autoridade já conhecidas¹. Em um ambiente instável, no entanto, pessoas e organizações enfrentam crises inéditas que exigem estratégias e habilidades novas. Os líderes ficam, então, tentados a intervir com a promessa de um “conserto”, em vez de pararem para ouvir, absorver a complexidade da situação e aprender.²
É aí que entra o conceito de “liderança adaptativa”. Ele vem da teoria da evolução: nas empresas, assim como nos organismos biológicos, as adaptações bem-sucedidas permitem que um sistema sobreviva em ambientes novos e inóspitos. A adaptação também é um processo iterativo de observação e experimentação que encontra novas maneiras de se desenvolver e as aperfeiçoa. A tarefa do líder adaptativo é mobilizar as pessoas nesse processo. Um conceito evolutivo fundamental é o de diversidade: é preciso estar preparado para empregar uma variedade de abordagens, persistindo mesmo que algumas venham a falhar. Em uma organização, isso significa criar uma cultura que busque visões diversificadas dentro e fora da empresa – o que chamamos de inteligência distribuída ou coletiva.³
Para Raj, essas ideias eram transformadoras e combinaram imediatamente com seus próprios dons e preferências. “Aprendi sobre a adaptabilidade bem a tempo para mim, para a empresa e para o ambiente em que estamos”, reflete Raj com sua característica autoconsciência. “Ela me mostrou um caminho a seguir.”
Isso significava abandonar a ideia de que o CEO é um visionário cuja função é estimular a organização de acordo com um plano fixo. Em vez disso, Raj assumiu o cargo com um espírito criativo e humilde, uma mentalidade de escuta e aprendizagem e uma disposição para assumir riscos calculados por meio de experimentação fundamentada. Esses insights se mostraram especialmente eficientes quando o setor farmacêutico se viu na linha de frente da batalha contra a COVID-19.
Ouça e aprenda – e evolua
Raj se deu conta de que precisava ficar atento, observando de perto o ecossistema de sua empresa e ouvindo muitas opiniões antes de tomar decisões de alto risco. Quando tomava medidas, ele o fazia de maneira ousada, causando disrupção na dinâmica operacional compartimentalizada da equipe executiva. Antes, cada diretor comandava sua unidade e interagia pouco com os colegas – um sintoma da estratégia de liderança de cima para baixo utilizada por Mike. Raj reavivou o trabalho em equipe, incentivando em toda a diretoria uma predisposição a colaborar e a ter a mente aberta. “A resolução de problemas novos exige um compromisso de entender a complexidade”, refletiu Raj, “o que requer o uso de múltiplos pontos de vista. Para entendermos e aprendermos, temos que nos conectar uns com os outros de maneira muito mais estreita”. Essa mudança não prejudicou de forma alguma a prestação de contas e os compromissos individuais, que passaram a incluir a prestação de contas e o cuidado coletivos.
Para o líder adaptativo, promover essas conexões é crucial não apenas para diagnosticar problemas, mas também para estimular a organização a se transformar em reação a eles. As pessoas não mudam de imediato – temendo não tanto a mudança em si, mas possíveis perdas. Para seguirem em frente, elas devem sentir que seus pontos de vista e seus valores estão sendo respeitados. Essa abordagem relacional reforça a confiança e expande a consciência e o entendimento de todos os envolvidos: a escuta leva à aprendizagem. Alexander Grashow, escritor e teórico da liderança adaptativa, observou: “Se há um segredo para uma boa parceria, colaboração, relação, é este: esteja em diálogo, não em monólogo. A maioria das pessoas passa a vida inteira em monólogo”.4 Infelizmente, para muitos CEOs, esse comportamento se torna um hábito.
Com base em conversas produtivas em toda a empresa, Raj fez outras mudanças significativas no modelo de negócios dela: ampliou o acesso aos medicamentos, instituindo tetos de preço nas regiões mais pobres, reforçou a transparência com relação aos dados de ensaios clínicos e aumentou a colaboração com os stakeholders para enfrentar os desafios sanitários mundiais.
Ao mesmo tempo que a liderança adaptativa exige compromisso com esse tipo de inovação, ela também envolve um entendimento do que não deve mudar. Nas palavras de Ronald Heifetz e Marty Linsky, “as mudanças sustentáveis e transformadoras são mais evolutivas do que revolucionárias”5. Isso envolve identificar os valores, a cultura, os conhecimentos e as habilidades existentes na instituição e aproveitar a força deles.
Um desses trunfos, Raj percebeu, era a abundância de dados de pacientes que a empresa possuía. Os líderes atentos também sabem “ouvir” os dados e entendem o valor da coleta e análise constantes de informações. Com o advento da COVID-19, os insights digitais permitiram que os executivos tomassem medidas rápidas para proteger as vulneráveis cadeias de suprimentos internacionais. Para manter a agilidade em resposta ao impacto da pandemia sobre os mercados, Raj aumentou a frequência das previsões operacionais. Isso permitiu à empresa compreender a eficácia das estratégias da organização, ficar de olho nas mudanças emergentes no comportamento dos pacientes e prever oportunidades de crescimento. Por exemplo, com a maior demanda de autocuidado, a empresa conseguiu tirar proveito de seus pontos fortes tradicionais – remédios, como analgésicos, e suplementos alimentares –, bem como de produtos novos, como kits de teste rápido.
A empresa também conseguiu migrar rapidamente a grande maioria de sua força de trabalho para um modelo de trabalho remoto durante o lockdown – experimento que se revelou vantajoso, otimizando muitos processos. Por meio de discussões e sondagens regulares, a organização continuou se comunicando com todos os funcionários, garantindo sua segurança e conforto durante a crise. Em outras iniciativas de colaboração e distribuição, a empresa fez parceria com hospitais e instituições filantrópicas de todas as regiões em que atua, a fim de garantir o fornecimento de produtos de saúde essenciais; também está trabalhando com outras empresas no desenvolvimento de uma vacina contra a COVID-19.
Adotar a liderança adaptativa pode ser difícil. A maioria das pessoas tem tendências profundamente inculcadas de se ater ao que é conhecido e seguro: usar informações prontamente acessíveis em vez de seguir em direção ao desconhecido, substituir perguntas difíceis por fáceis e resistir às críticas. Sentimo-nos mais seguros quando tratamos problemas inéditos de maneiras conhecidas, em vez de trabalharmos com eles em toda a sua complexidade. Esses vieses arraigados podem nos ajudar em períodos de estabilidade, mas, ao entrarmos em uma era caracterizada por mudanças rápidas, é a liderança adaptativa do tipo que Raj exemplifica – autoconsciente, relacional, coletiva, em aprendizagem contínua – que nos fará avançar em um novo mundo repleto de incerteza.
1.Heifetz, R, Leadership Without Easy Answers, Harvard University Press, Massachusetts, 1994, 71-4.
2.Heifetz, R & Linsky, M, Leadership on the Line, Harvard Business Review Press, Massachusetts, 2002, 12.
3.Heifetz, R, Grashow, A & Linsky, M, The Practice of Adaptive Leadership: Tools and Tactics for Changing Your Organization and the World, Harvard Business Press, Massachusetts, 2009, 14-17.
4.Gast Fawcett, E, “Shh… Be Quiet and Listen”, National Center for Family Philanthropy, 20 de outubro de 2017. ncfp.org/2017/10/20/shhbe-quiet-and-listen
5.Heifetz & Linsky, Leadership On The Line, 17.