Egon Zehnder: Navegando por um mundo em mudança
Leia o segundo de uma série de sete artigos da consultoria Egon Zehnder focado em Liderança para a Prosperidade
Publicado em 21 de maio de 2021 às, 14h45.
Por Egon Zehnder
“Eu não revelaria isso para os meus gerentes nem para o Conselho”, Mateo nos confidenciou assim que começamos a trabalhar com ele. “Mas a verdade é que estou intrigado. Não sei dizer exatamente onde errei.” Até alguns anos atrás, sua carreira tinha sido tão regular e confiável quanto um instrumento de engenharia de precisão, com um desempenho fora de série como CEO.
Mateo iniciou sua carreira como um talentoso profissional de formação científica em uma indústria prestigiosa, na qual se valeu de suas habilidades analíticas para otimizar processos, administrar uma equipe eficiente e afastar concorrentes em um mercado de margens apertadas. Ascendendo continuamente até o cargo de CEO, Mateo impulsionou a inovação e o desempenho ao longo de vários ciclos econômicos, mantendo uma posição forte em seu setor dinâmico e altamente competitivo. Ele criou uma presença global, usando recursos e habilidades que estavam na vanguarda de vários segmentos da tecnologia. A marca de sua empresa passou a representar produtos líderes com excelente funcionalidade e valor para o cliente.
“Tivemos um dos melhores desempenhos do nosso setor, mesmo em âmbito mundial, por dez anos. Mas aí começaram os problemas”, refletiu Mateo em uma sessão intensa e franca conosco. “O desempenho caiu devagar, depois rapidamente. Pensei: este é um dos ciclos que já gerenciei antes. Continuei fazendo o que sempre tinha feito. Quando as respostas testadas e aprovadas não funcionaram, a equipe e eu sofremos fortes ataques de todos os lados. Como CEO, você está tão sintonizado com o futuro da sua empresa, tão atento à qualidade, aos custos e às vendas, que sente os golpes no corpo quando eles vêm.”
Como CEO, você está tão sintonizado com o futuro da sua empresa, tão atento à qualidade, aos custos e às vendas, que sente os golpes no corpo quando eles vêm.
O setor passou por uma reviravolta devido a uma tecnologia de produto radicalmente nova e com muito mais aceitação social. Isso exigia uma mentalidade nova, habilidades novas, investimento pesado e inovações ousadas para reformular toda a jornada do cliente. Mateo tinha visto a abordagem da nova tecnologia, mas a tinha rejeitado por considerá-la duvidosa e dependente demais de investimentos; ele achava que qualquer disrupção viria apenas em um futuro distante. Quando ele se deu conta do verdadeiro potencial dela, concorrentes ágeis e novos players inesperados já haviam começado a ganhar participação de mercado. “Quando vi os produtos dos nossos concorrentes, só pude admirá-los”, Mateo nos disse, fazendo um gesto negativo com a cabeça. “Mas me senti constrangido. Uma voz em mim disse: ‘este é o futuro – e você não está nele’.”
Para Mateo, o segundo golpe veio em meio ao aumento do ativismo em prol da justiça social por parte dos acionistas, apoiados por jornalistas de renome. Passou a haver um crescente questionamento quanto à sustentabilidade dos processos e produtos desenvolvidos sob sua liderança e ao setor como um todo. Os ativistas afirmavam que sua empresa sendo a líder do setor, havia ignorado seu impacto ambiental negativo e perdido oportunidades de preservar recursos naturais. Grupos de stakeholders externos alegaram que deveriam ter recebido permissão para colaborar no desenvolvimento de práticas ambientalmente corretas. Mateo sempre achou melhor continuar com sua missão principal de fabricar produtos excepcionais de alta tecnologia. Agora, enquanto as pressões ficavam avassaladoras, Mateo e equipe continuavam subestimando as tendências que surgiam, hesitando em se comprometer com a transformação – e a reputação da empresa começou a perder terreno.
Liderança proativa e responsável, não mera conformidade
Aos poucos, Mateo percebeu que estava perante alguns dos desafios empresariais de nossa época. Ele precisaria reagir, não desprezando-os como um problema para o futuro distante, mas envolvendo-se de imediato e fazendo uma transformação radical para sobreviver.
Embora o período de um ano para cá tenha parecido fugir do roteiro, exigindo adaptação a um tumultuoso “novo normal”, também vem sendo uma continuação de nossa era atual, só que mais rápida e mais exigente: apresentando à humanidade incerteza, mudanças aceleradas, interconexão e interdependência.
A inovação tecnológica deixou de ser um segmento distinto para se tornar uma força de mudança e disrupção onipresentes, desafiando não só os produtos, processos e tecnologias aos quais Mateo estava acostumado, como também o funcionamento de setores inteiros e a natureza da sociedade. Junto com a tecnologia em rápida transformação, estamos perante um panorama político no qual redes comerciais, ordens políticas e lealdades outrora estáveis estão em mudança. Preocupações sociais generalizadas e polarização crescente contribuem para o caráter turbulento desse panorama.
A inovação tecnológica deixou de ser um segmento distinto para se tornar uma força de mudança e disrupção onipresentes, desafiando o funcionamento de setores inteiros e a natureza da sociedade.
As responsabilidades das empresas nunca foram tão grandes, como os líderes corporativos e grupos de stakeholders reconhecem cada vez mais. Governos, funcionários, clientes, acionistas e ativistas estão pedindo que as empresas sejam uma força benéfica, que crie prosperidade para muitas pessoas. Esse novo papel fica evidente na ascensão dos investimentos de impacto e da demanda, por parte do consumidor, de bens e serviços eticamente conscientes, sem mencionar as novas métricas de sucesso das empresas, como o “quociente de decência”. Em suma, há uma expectativa crescente de que os líderes empresariais ofereçam presciência, em vez de mera conformidade.
Com inúmeras empresas sob a pressão dessas forças e da pandemia de COVID-19, muitos CEOs estão sentindo uma necessidade urgente de criar novas maneiras de liderar sua instituição. É necessário um novo arquétipo de liderança – alguém que seja capaz de vislumbrar o futuro em uma era de incertezas, percebendo tendências e transformando-se de forma proativa; que seja ágil e adaptável, empático e íntegro, além de atento às oportunidades inerentes ao caos e às crises.
Como sobressair
O ano passado foi uma prova de fogo para os CEOs: alguns não estavam preparados para superar os desafios, enquanto outros sobressaíram, demonstrando o tipo de liderança necessária em um período de crise e incerteza.
Nossas intensas interações com milhares de líderes de todo o mundo mostram que os CEOs que estão bem preparados para esta nova era se comprometem a manter a visão clara e a permanecer autoconscientes, adaptáveis e alertas para oportunidades de relacionamentos valiosos.
Os CEOs que estão bem preparados para esta nova era se comprometem a manter a visão clara e a permanecer autoconscientes, adaptáveis e alertas para oportunidades de relacionamentos valiosos.
Uma CEO que ilustra bem as vantagens da adaptabilidade é Tara, que dirige uma grande rede de restaurantes e conduziu sua empresa ao longo de uma transformação enorme. Por muitos anos, Tara e sua diretoria analisaram todos os aspectos da experiência do cliente, avaliaram e aprimoraram suas capacidades e implementaram um fluxo constante de ajustes diários cuidadosos para revitalizar a empresa.
Sob sua liderança, a partir de 2017, a empresa tomou decisões estratégicas que geraram crescimento mesmo durante a pandemia. Tara, que fica atenta à necessidade de se adaptar e está sempre pronta para questionar suas próprias práticas, inspira a mesma abertura entre seus executivos. Ouvindo as necessidades dos clientes e observando as tendências de forma rigorosa, Tara e equipe vêm examinando as mudanças que surgem no comportamento do consumidor, bem como as maneiras pelas quais eles chegam a seus restaurantes. A empresa fez um investimento substancial na simplificação de seu drive-through e de seus sistemas de pedidos via internet e por aplicativo muito antes da COVID-19 obrigar os concorrentes a fazerem o mesmo. Apesar de essas mudanças terem representado um afastamento dos velhos modelos de prestação de serviços, a rede de restaurantes continuou respeitando seus antigos valores: conveniência, eficiência e presença na comunidade.
Acompanhando as mudanças na demanda do consumidor, a empresa de Tara fez um ajuste radical em seus cardápios; por exemplo, inverteu as proporções de certas categorias de comidas e bebidas para satisfazer os novos gostos dos clientes e, ao mesmo tempo, reinventou os itens mais consumidos. Tara também incluiu horários alternativos fora do funcionamento costumeiro da rede de restaurantes em resposta à necessidade de opções mais flexíveis por parte dos clientes. A rede se expandiu para novos mercados, o que lhe permitiu suportar a queda das vendas nos tradicionais redutos urbanos. Como forma de expressar essas transformações, Tara reformulou a marca de sua empresa de modo a transmitir a nova direção desta, ao mesmo tempo em que manteve o suficiente da marca antiga para preservar o status regional de ícone.
Tara também trabalhou para garantir que quaisquer benefícios permeiem sua organização e sejam irradiados para as comunidades de stakeholders externos e indiretos. A empresa ampliou suas iniciativas de responsabilidade social corporativa na pandemia, enquanto reabria e operava filiais com cautela para garantir a saúde dos funcionários e clientes.
Os CEOs de hoje devem compreender que a incerteza e a instabilidade continuarão sendo a norma, mas devem reconhecer que as mudanças trazem oportunidades. CEOs excelentes podem tropeçar, como aconteceu com Mateo. No entanto, assim como Tara, eles buscarão tecnologias e modelos de negócios inovadores para reforçar os atuais pontos fortes da organização e permitir que novas perspectivas surjam e floresçam. Reconhecerão que, hoje, a transformação não é um ingrediente opcional para as empresas que se empenham em ter uma boa performance. A transformação é, sim, performance: como CEO, se você não está no centro de um conjunto barulhento, diversificado e divergente de interesses e stakeholders, liderando a transformação, não está performando.
Os CEOs de hoje devem compreender que a incerteza e a instabilidade continuarão sendo a norma, mas devem reconhecer que as mudanças trazem oportunidades.
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