É hora de acreditar nos humanos de negócios
Já deu o tempo dos James Bonds corporativos, com licença para matar, desde que entreguem resultados para os acionistas
Bibiana Guaraldi
Publicado em 8 de dezembro de 2020 às 10h32.
Certo dia, fiz um exercício e digitei “homens de negócios” em um mecanismo de buscas na internet. Fiquei surpreso com o que apareceu: imagens de pessoas sem rostos, com formatos de executivos. Na verdade, nem tão surpreendente assim, pois confirmava o estereótipo que temos em nossas mentes: homens de terno e gravata. Fiquei refletindo: Por quê apenas homens? E homens brancos?! Por quê rankings de bilionários? Por quê sucesso ser sinônimo de IPOs de unicórnio? E, principalmente, por quê quando falamos em negócios quase nunca relacionados a temas como família ou aspectos mais humanizados?
É uma reflexão que havia iniciado em 2005, quando escrevi o livro "Como fazer uma empresa dar certo em um país incerto’, para o Instituto Empreender Endeavor. Ao final das entrevistas com 50 homens e 1 mulher (já é um ponto) para falar exclusivamente de como fazer melhores empresas, eu sempre perguntava do que mais se arrependiam e do que mais se orgulhavam. Quase todos tinham muito orgulho da empresa e carreiras que haviam construído. E uma parte considerável revelava que se arrependia muito de não ter acompanhando o crescimento dos filhos. Na época, meu primogênito, hoje um adolescente de 16 anos, engatinhava pela sala enquanto eu escrevia o livro. Olhava para ele e imaginava que não gostaria de chegar a um ponto na minha vida que olhasse para trás e me arrependesse de um tempo perdido. Aquilo ficou na minha cabeça por mais de dez anos junto com uma constante reflexão sobre o que realmente importava no equilíbrio entre vida pessoal e trabalho.
Enquanto isso, trabalhando em uma revista de economia e depois em um grande banco, vi de tudo. Empresas preocupadas com os funcionários, chefes e projetos inspiradores. E também ambientes que valorizavam expressões como: “fulano é um trator”, “moedor de carne”, “aumento de produtividade”, “ganhos de eficiência”, "sinergias", “noites viradas para entregar uma apresentação”. Cada vez que ouvia algo assim, ficava desconfortável sem saber bem por quê.
Até que as sinapses se conectaram no típico insight de chuveiro. Pensei em líderes que eram bem-sucedidos, mas nunca precisaram abrir mão de valores ou de ética para construir negócios bem-sucedidos. Como me disse certa vez Fábio Barbosa, meu chefe muitos anos no Banco Real/Santander, estas pessoas podiam comentar com tranquilidade na mesa de jantar com a família todas as decisões que tomaram durante o dia. Não ter nada a esconder é uma premissa da vida do que batizei na minha cabeça de “humanos de negócios”. São líderes que merecem ter suas histórias contadas para inspirar a transformação necessária no mundo dos negócios.
Os empresários e empreendedores que nos trouxeram até aqui, com negócios altamente impactantes para o meio ambiente e acentuando desigualdades socais, não vão nos ajudar a cumprir metas de redução de carbono ou reinvenção dos negócios. Já deu o tempo dos James Bonds corporativos, com licença para matar, desde que entreguem resultados para os acionistas. (Uma afirmação um pouco exagerada, mas nem tanto, vide o desastre ambiental de Brumadinho, sobre o qual relatório da Polícia Federal afirma que executivos sabiam dos riscos de rompimento das barragens e nada fizeram — afinal, o preço das ações poderia ser impactado com estas notícias na imprensa). Líderes do passado estão muito presos a uma dinâmica competitiva com pouco espaço para colaboração. A evolução do capitalismo demanda outras habilidades.
E aqui entram os humanos de negócios, líderes com a capacidade de vislumbrar e cuidar do todo. Resilientes, como Adriana Barbosa, da Feira Preta, que enfrentou preconceitos, depressão e dívidas no processo de criar a maior feira afrodescendente da América Latina. Inconformados, como Safia Minney, pioneira em cadeia de moda sustentável, que desenvolveu para minimizar os enormes sofrimentos de pessoas que trabalham costurando roupas por 12 horas e ganhando menos de um dólar por dia. Com senso de justiça afiado, como Jayme Garfinkel, ex-presidente da Porto Seguro, que agora investe em um projeto de inserção de egressos do sistema prisional. Empáticos, como Paula Dib, que usa o tempo a favor do design para transformar a vida de comunidades no interior do Brasil. Idealistas, como Luiz Seabra, que criou, a partir da visão de olhar e cuidar do ser humano como um todo, uma das empresas referência em sustentabilidade no mundo. Ou mesmo visionários, como John Fullerton, VP Global de derivativos do banco JP Morgan, que saiu para criar o Capital Institute e usar as finanças de maneira regenerativa.
A lista é longa: são 27 perfis retratados no livro Humanos de Negócios — que acabo de publicar pela Editora Voo, uma pequena parte dos nomes de homens e mulheres que estão (re)humanizando o capitalismo. Tenho certeza que você conhece líderes assim. Ou talvez você seja um deles. É hora de contar estas histórias para acelerar o processo de evolução do capitalismo para além da sustentabilidade. É hora de (re)humanizar para regenerar o estrago que está feito. Inspiração não falta, basta olhar para o lugar certo e ajustar nosso sistema de valores para ficar mais em equilíbrio com o que vai ser exigido da humanidade nas próximas décadas. Afinal, ninguém quer que seja tarde demais.
*Rodrigo V Cunha é jornalista, CEO da ProfilePR e autor do livro Humanos de Negócios
Certo dia, fiz um exercício e digitei “homens de negócios” em um mecanismo de buscas na internet. Fiquei surpreso com o que apareceu: imagens de pessoas sem rostos, com formatos de executivos. Na verdade, nem tão surpreendente assim, pois confirmava o estereótipo que temos em nossas mentes: homens de terno e gravata. Fiquei refletindo: Por quê apenas homens? E homens brancos?! Por quê rankings de bilionários? Por quê sucesso ser sinônimo de IPOs de unicórnio? E, principalmente, por quê quando falamos em negócios quase nunca relacionados a temas como família ou aspectos mais humanizados?
É uma reflexão que havia iniciado em 2005, quando escrevi o livro "Como fazer uma empresa dar certo em um país incerto’, para o Instituto Empreender Endeavor. Ao final das entrevistas com 50 homens e 1 mulher (já é um ponto) para falar exclusivamente de como fazer melhores empresas, eu sempre perguntava do que mais se arrependiam e do que mais se orgulhavam. Quase todos tinham muito orgulho da empresa e carreiras que haviam construído. E uma parte considerável revelava que se arrependia muito de não ter acompanhando o crescimento dos filhos. Na época, meu primogênito, hoje um adolescente de 16 anos, engatinhava pela sala enquanto eu escrevia o livro. Olhava para ele e imaginava que não gostaria de chegar a um ponto na minha vida que olhasse para trás e me arrependesse de um tempo perdido. Aquilo ficou na minha cabeça por mais de dez anos junto com uma constante reflexão sobre o que realmente importava no equilíbrio entre vida pessoal e trabalho.
Enquanto isso, trabalhando em uma revista de economia e depois em um grande banco, vi de tudo. Empresas preocupadas com os funcionários, chefes e projetos inspiradores. E também ambientes que valorizavam expressões como: “fulano é um trator”, “moedor de carne”, “aumento de produtividade”, “ganhos de eficiência”, "sinergias", “noites viradas para entregar uma apresentação”. Cada vez que ouvia algo assim, ficava desconfortável sem saber bem por quê.
Até que as sinapses se conectaram no típico insight de chuveiro. Pensei em líderes que eram bem-sucedidos, mas nunca precisaram abrir mão de valores ou de ética para construir negócios bem-sucedidos. Como me disse certa vez Fábio Barbosa, meu chefe muitos anos no Banco Real/Santander, estas pessoas podiam comentar com tranquilidade na mesa de jantar com a família todas as decisões que tomaram durante o dia. Não ter nada a esconder é uma premissa da vida do que batizei na minha cabeça de “humanos de negócios”. São líderes que merecem ter suas histórias contadas para inspirar a transformação necessária no mundo dos negócios.
Os empresários e empreendedores que nos trouxeram até aqui, com negócios altamente impactantes para o meio ambiente e acentuando desigualdades socais, não vão nos ajudar a cumprir metas de redução de carbono ou reinvenção dos negócios. Já deu o tempo dos James Bonds corporativos, com licença para matar, desde que entreguem resultados para os acionistas. (Uma afirmação um pouco exagerada, mas nem tanto, vide o desastre ambiental de Brumadinho, sobre o qual relatório da Polícia Federal afirma que executivos sabiam dos riscos de rompimento das barragens e nada fizeram — afinal, o preço das ações poderia ser impactado com estas notícias na imprensa). Líderes do passado estão muito presos a uma dinâmica competitiva com pouco espaço para colaboração. A evolução do capitalismo demanda outras habilidades.
E aqui entram os humanos de negócios, líderes com a capacidade de vislumbrar e cuidar do todo. Resilientes, como Adriana Barbosa, da Feira Preta, que enfrentou preconceitos, depressão e dívidas no processo de criar a maior feira afrodescendente da América Latina. Inconformados, como Safia Minney, pioneira em cadeia de moda sustentável, que desenvolveu para minimizar os enormes sofrimentos de pessoas que trabalham costurando roupas por 12 horas e ganhando menos de um dólar por dia. Com senso de justiça afiado, como Jayme Garfinkel, ex-presidente da Porto Seguro, que agora investe em um projeto de inserção de egressos do sistema prisional. Empáticos, como Paula Dib, que usa o tempo a favor do design para transformar a vida de comunidades no interior do Brasil. Idealistas, como Luiz Seabra, que criou, a partir da visão de olhar e cuidar do ser humano como um todo, uma das empresas referência em sustentabilidade no mundo. Ou mesmo visionários, como John Fullerton, VP Global de derivativos do banco JP Morgan, que saiu para criar o Capital Institute e usar as finanças de maneira regenerativa.
A lista é longa: são 27 perfis retratados no livro Humanos de Negócios — que acabo de publicar pela Editora Voo, uma pequena parte dos nomes de homens e mulheres que estão (re)humanizando o capitalismo. Tenho certeza que você conhece líderes assim. Ou talvez você seja um deles. É hora de contar estas histórias para acelerar o processo de evolução do capitalismo para além da sustentabilidade. É hora de (re)humanizar para regenerar o estrago que está feito. Inspiração não falta, basta olhar para o lugar certo e ajustar nosso sistema de valores para ficar mais em equilíbrio com o que vai ser exigido da humanidade nas próximas décadas. Afinal, ninguém quer que seja tarde demais.
*Rodrigo V Cunha é jornalista, CEO da ProfilePR e autor do livro Humanos de Negócios