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Duas décadas depois do apagão, falta de energia volta a assombrar o país

Autores de novo livro que trata do maior racionamento da história do Brasil falam sobre as lições que não foram aprendidas com o episódio de 2001

Linha de transmissão: risco de racionamento voltou ao noticiário em 2021, com queda no nível de chuvas e baixo volume nos reservatórios (Dowell/Getty Images)
Linha de transmissão: risco de racionamento voltou ao noticiário em 2021, com queda no nível de chuvas e baixo volume nos reservatórios (Dowell/Getty Images)
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Opinião

Publicado em 17 de maio de 2021 às, 18h00.

Toda manhã bem cedo, entre junho de 2001 e fevereiro de 2002, o presidente Fernando Henrique Cardoso sentia na pele as medidas do racionamento de energia elétrica quando pulava na piscina do Palácio da Alvorada. Anunciado em 18 de maio de 2001 e instituído em 1° de junho, o plano foi a última tentativa de evitar blecautes rotativos que poderiam se estender por mais de oito horas diárias e mergulhar São Paulo, Rio de Janeiro e outras grandes cidades brasileiras no caos. Como alternativa, apostou-se na colaboração da população e na ameaça de multa aos que extrapolassem a meta de redução obrigatória de 20% do consumo.

A crise, anunciada por anos em seminários, publicações e em relatórios do próprio governo, foi sentida por 160 milhões de brasileiros. Apenas os moradores da região Sul ficaram de fora, em razão da falta de capacidade das linhas de transmissão de escoar energia para outras áreas do país.

Como um acidente aéreo, um dos maiores racionamentos já implementados no planeta foi resultado de uma série de falhas: o planejamento havia sido desmontado, investimentos foram postergados, empresas ficaram à espera da privatização do sistema Eletrobras, houve desarticulação entre os setores do governo, a Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) e o Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS). A esperada salvação que viria das usinas térmicas a gás ficou nas pranchetas. São Pedro foi o menos culpado.

O problema foi superado com a criação da Câmara de Gestão da Crise de Energia, grupo interministerial liderado pelo então chefe da Casa Civil, Pedro Parente, a quem se concedeu poderes que englobavam várias pastas ao longo da Esplanada dos Ministérios. Na visão de Parente, o governo havia errado por falha de comunicação. Tinha de se utilizar os símbolos corretos para passar as mensagens à população. A comunicação e a transparência eram os pilares. Quando um marqueteiro sugeriu que o título da Câmara não deveria conter a palavra crise, o ministro foi taxativo. “Não, tem que usar a palavra crise, porque a população precisa entender que estamos vivendo uma. Não adianta esconder.”

Parente também defendeu que toda a gestão do grupo fosse baseada no método PDCA – plan, do, check and act (ou seja, planejar, implementar, conferir e promover melhorias contínuas). Ao assumir o grupo, Parente ligou para Vicente Falconi. Além das metas, o guru da gestão ficou encarregado de passar um pente fino nas obras de geração, transmissão e distribuição que estavam previstas para os próximos anos, mapear seu andamento e listar os obstáculos.

O plano deu certo. A população reduziu o consumo e o país conseguiu driblar os cortes rotativos de energia. Mas o racionamento reduziu o ritmo da economia, que cresceu 1,6% em 2001, em vez dos 4% previstos inicialmente, enterrou a agenda de privatizações e foi um dos elementos que contribuíram para a vitória da oposição nas eleições presidenciais de 2002.

Em 2021, a ameaça de racionamento voltou ao noticiário. As chuvas, a 80% da média histórica nos últimos cinco anos, irão requerer cuidado na operação do sistema, melhor gestão do uso múltiplo das águas e terão impacto sobre os custos de operação, com aumento dos encargos voltados à geração térmica, segundo a consultoria PSR, a mais renomada do setor. Ela ainda estima que o valor gasto em 2021 com os Encargos de Serviços do Sistema (ESS) possa atingir R$ 20 bilhões. A tarifa brasileira, uma das mais altas do mundo, continuará pressionada. Esse cenário traz desafios para a agenda de modernização do setor e ampliação do mercado livre.

O quadro atual mostra que o país não aprendeu com a história. A Empresa de Pesquisas Energéticas (EPE), órgão estatal de planejamento criado em 2004, vive há anos, a cada exercício, a ameaça de falta de recursos para manter seu trabalho. Decisões da agência reguladora têm sido contestadas pelo Tribunal de Contas da União (TCU). No setor de gás natural, a desverticalização ainda não foi concluída.

A política continua interferindo na gestão das empresas estatais. A Eletrobras conduziu no início do ano um processo de contratação de um executivo para substituir Wilson Ferreira Jr., que, por não acreditar na venda da estatal nesse mandato presidencial, decidiu dirigir a BR Distribuidora. A consultoria Korn Ferry liderou o processo, atropelado pelo Executivo, que nomeou o secretário de energia elétrica do Ministério de Minas e Energia, Rodrigo Limp, para chefiar a estatal.

A privatização da Eletrobras voltou ao debate no Congresso, mas as resistências são muitas. Em 12 de maio, em evento, o presidente da Comissão de Minas e Energia, deputado Edio Lopes (PL-RR), disse que a MP 1.031, que autoriza a União a vender sua participação majoritária na empresa, traz preocupações. “Há de se discutir necessidade de garantias eficazes para servidores que compõem o grupo Eletrobras. Acredito que não haverá tempo para exaurir a discussão sobre o melhor equilíbrio.”

O risco de racionamento é ainda remoto, mas o cenário atual enseja reflexões e receios. Vinte anos separam as duas crises, que apresentam uma semelhança principal: o custo vai parar no bolso do consumidor, seja via aumento de tarifa, seja por alta de tributos.

 

*Roberto Rockmann e Lúcio Mattos são autores do livro “Curto-Circuito, quando o Brasil quase ficou às escuras”, cujo pré-lançamento será em 18 de maio


 

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