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Direto de Nova York: o Brasil no centro da revolução digital do setor público

Nos debates do Fórum Econômico Mundial, paralelos à Assembleia Geral da ONU, destaquei como agentes de IA já estão transformando serviços públicos no Brasil

 (Leandro Fonseca/Exame)

(Leandro Fonseca/Exame)

Publicado em 30 de setembro de 2025 às 05h59.

Durante esta última semana, em Nova York, participei de debates estratégicos organizados pelo Fórum Econômico Mundial, em paralelo à Assembleia Geral da ONU.

O foco foi a discussão sobre Agentic AI & Governance, o uso de agentes inteligentes para repensar a forma como os governos prestam serviços públicos. Estar nesse palco, ao lado de líderes como Alexander De Croo, ex-primeiro-ministro da Bélgica, Carolina Rossini, da Datasphere Initiative, e Benedict Macon-Cooney, do Tony Blair Institute, reforça o que tenho defendido: o Brasil já conquistou relevância global no debate sobre governo digital. Mas também expõe o desafio que ainda temos de expandir essa transformação para estados e, principalmente, municípios, que são onde o cidadão realmente sente a presença (ou ausência) do Estado.

Segundo o GovTech Maturity Index 2022, do Banco Mundial, o Brasil ocupa hoje a segunda posição mundial em maturidade de governo digital, impulsionado por iniciativas como a plataforma GOV.BR. Esse é um ativo de enorme valor institucional. Porém, o impacto da inovação ainda se concentra no nível federal. A vida cotidiana do cidadão, nas cidades e comunidades, continua marcada por filas, burocracia e falta de acesso. É aí que a inteligência artificial pode se tornar a maior alavanca de eficiência e inclusão.

Nos painéis do Fórum, apresentei a visão de um governo zero-click: um modelo em que o cidadão não precisa solicitar direitos ou serviços, porque o Estado age de forma antecipada. Falamos de um governo que lembra automaticamente uma mãe sobre a vacinação de seu filho, ou que ativa um benefício social assim que identifica que a família tem direito, sem que seja necessário atravessar camadas de burocracia. Essa não é uma ideia para o futuro distante, é uma realidade que já está sendo implementada no Brasil.

No Colab, plataforma que fundei há mais de uma década, a inteligência artificial já está em execução para transformar a relação entre governos e cidadãos. Utilizamos IA para desenhar automaticamente fluxos de serviços públicos, compreender a linguagem das pessoas e interagir em multicanais como aplicativos e WhatsApp. Hoje, agentes inteligentes já estão em funcionamento em cidades referência como Niterói, Santo André e Duque de Caxias, mas também em municípios de menor porte, como Araxá (MG) e Paraíso do Tocantins. Em todos esses contextos, a lógica é a mesma: reduzir etapas burocráticas, oferecer respostas imediatas e tornar o governo mais proativo. O que antes parecia conceito é agora prática: o governo zero-click já está acontecendo.

Alguns pontos-chave que emergiram das discussões em Nova York ajudam a balizar esse caminho: confiança como base, onde transparência, responsabilidade e supervisão humana são essenciais para a adoção da IA em governos; ganhos de eficiência, já comprovados na simplificação de processos e redução de gargalos, mas dependentes de vitórias rápidas (quick wins) para gerar credibilidade; o potencial de salto do Sul Global, que pode leapfrog (ou seja, “saltar etapas” e superar barreiras legadas) e avançar direto para modelos digitais mais ágeis; e, por fim, a necessidade de lidar com riscos claros, como privacidade, segurança cibernética, exclusão digital e mau uso da IA, que exigem governança incremental e cuidadosa.

O Brasil já mostrou que pode liderar o debate global. Agora, precisamos traduzir essa liderança em impacto concreto na vida das pessoas, especialmente nas cidades. Meu compromisso é continuar levando essa visão a fóruns internacionais, mas, sobretudo, implementá-la em território nacional, demonstrando que a inteligência artificial pode aproximar governos dos cidadãos de forma prática e humana. Um Estado que não espera o pedido, mas que age para garantir direitos. Esse é o governo zero-click que já estamos construindo.

*Gustavo Maia é diretor executivo do Colab e membro do Conselho Global sobre GovTech e Infraestruturas Públicas Digitais do Fórum Econômico Mundial.