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Descompasso entre trabalho remoto e trabalho presencial: o desafio das empresas em reter talentos

O 'home office' deixou de ser uma exceção e se tornou uma realidade comum para muitas empresas ao redor do mundo

Home office: trabalho remoto deixou de ser uma exceção (Getty Imagens/Divulgação)
Home office: trabalho remoto deixou de ser uma exceção (Getty Imagens/Divulgação)

Por Claudia Abdul Ahad Securato*

Com a pandemia, o trabalho remoto deixou de ser uma exceção e se tornou uma realidade comum para muitas empresas ao redor do mundo. Alguns empregados entenderam que há novas formas de trabalhar e viver, diferentes do modelo corporativo tradicional.

Trabalhadores das mais diversas áreas descobriram que suas atividades particulares podem ser conciliadas com a carreira de uma forma diferente do tradicional, e agora, mesmo quando as ordens de distanciamento social vigentes na pandemia parecem ter ficado em um passado longínquo, muitos não estão dispostos a abrir mão dessa flexibilidade a menos que o ambiente presencial realmente ofereça vantagens significativas.
Com a gradual retomada das atividades presenciais, as empresas enfrentam um dilema: como equilibrar o desejo de muitos empregados de continuar trabalhando de casa com a necessidade de manter a cultura organizacional, o comprometimento e a eficiência no treinamento, especialmente dos mais jovens?

Observando que para uma parcela de trabalhadores mais jovens, ingressantes no mercado de trabalho nos últimos quatro anos, os modelos híbrido ou remoto são a regra, e não a exceção, e a implementação de trabalho totalmente presencial significaria uma realidade nunca antes enfrentada.
Algumas empresas, preocupadas com a manutenção da cultura corporativa e com a eficiência do treinamento dos funcionários, estão buscando estratégias para trazer seus colaboradores de volta ao escritório.

Uma grande multinacional do setor de tecnologia, por exemplo, divulgou recentemente que está tomando medidas drásticas para reforçar a presença física no escritório, incluindo a limitação de promoções para funcionários que permanecem em regime remoto. Há relatos de empregados afirmando que nos Estados Unidos, trabalhadores totalmente presenciais receberam quase o dobro de aumentos salariais no ano passado em comparação com seus colegas remotos.

Essa estratégia, contudo, precisa ser analisada com cautela no contexto brasileiro, onde as leis que regem o trabalho são bastante diferentes do sistema norte-americano. A adoção de benefícios diferenciados para quem opta pelo trabalho presencial, como refeições gratuitas, atividades de bem-estar, e a vinculação da presença física no escritório às avaliações de desempenho, pode ser vista como uma violação ao princípio da isonomia se não for cuidadosamente planejada e justificada.

Além disso, companhias passaram a monitorar a frequência dos colaboradores por meio de sistemas de controle de acesso, com consequências para aqueles que não cumprem as políticas de presença, incluindo a possibilidade de desligamento. Essas ações mostram que a diferenciação entre trabalho remoto e presencial vai além de meros incentivos financeiros, tocando em aspectos fundamentais do contrato de trabalho.

O Brasil enfrenta uma escassez significativa de mão de obra qualificada. De acordo com um estudo da consultoria ManpowerGroup, o país é o nono com maior falta de qualificação em uma pesquisa com 40 mil empregadores, com 81% das empresas enfrentando dificuldades para encontrar trabalhadores qualificados.

Este cenário intensifica a necessidade de uma abordagem estratégica na atração e retenção de talentos, exigindo que as áreas de recursos humanos se adaptem a um novo panorama onde os profissionais qualificados são mais seletivos na escolha de onde trabalhar.

Diante desse cenário, a implementação de benefícios e incentivos diferenciados para colaboradores que optem pelo trabalho presencial deve ser estrategicamente pensada.

Por outro lado, as empresas precisam lidar com a realidade de que muitos empregados, especialmente aqueles que se adaptaram bem ao home office, podem simplesmente ignorar benefícios e optar por pedir demissão se forem obrigados a trabalhar 100% presencialmente. Isso coloca as empresas diante de um desafio ainda maior: como reter talentos em um cenário onde a flexibilidade se tornou condicionante para muitos?

O dilema entre home office e trabalho presencial é mais complexo do que aparenta à primeira vista. Para os empregados, a decisão de optar por uma modalidade ou outra envolve uma reflexão profunda sobre suas prioridades pessoais e profissionais.

A qualidade de vida proporcionada pelo trabalho remoto, com a flexibilidade para conciliar responsabilidades pessoais e profissionais, pode ser um fator decisivo para muitos. No entanto, essa escolha pode vir acompanhada de trade-offs significativos, como a possível limitação de oportunidades de promoção e o acesso reduzido a benefícios e recursos oferecidos no ambiente presencial.

Para as empresas, a chave para resolver esse descompasso reside em adotar uma abordagem equilibrada e transparente. É fundamental que as empresas comuniquem claramente os benefícios e oportunidades associadas ao trabalho presencial e que ofereçam uma justificativa sólida para quaisquer diferenciações nas políticas de compensação e promoção.

Além disso, criar um ambiente inclusivo e atender às necessidades emocionais e físicas dos funcionários pode ser uma estratégia eficaz para aumentar o engajamento e a satisfação no trabalho.

Em última análise, o autoconhecimento e a compreensão clara das próprias prioridades são essenciais para que os profissionais tomem decisões informadas sobre onde e como desejam trabalhar. Para as empresas, o sucesso dependerá de sua capacidade de adaptar suas estratégias às novas realidades do mercado de trabalho, garantindo que possam atrair e reter os melhores talentos.

*Dra. Claudia Abdul Ahad Securato é advogada especialista na área trabalhista, sócia do escritório Securato & Abdul Ahad Advogados e professora na Saint Paul Escola de Negócios.