O mercado de carbono, além de um instrumento contábil ou financeiro, é também expressão de um novo contrato social (Getty Images)
EXAME Saint Paul
Publicado em 18 de novembro de 2025 às 16h25.
Por Sérgio Volk e Cláudio Gonçalves dos Santos *
Construir um Estado de Bem-Estar Social no Brasil é um ideal que exige mais do que ampliação de políticas sociais. Implica repensar o modelo de desenvolvimento nacional, articulando crescimento econômico, justiça distributiva e responsabilidade ambiental. Essa tarefa demanda reformas estruturais, cooperação entre os setores público e privado e uma nova cultura política que una eficiência econômica e compromisso com o futuro coletivo.
Nesse novo pacto, a transição para uma economia de baixo carbono ocupa lugar central. O Brasil, com sua matriz energética relativamente limpa, sua vasta cobertura florestal e potencial em bioeconomia, tem condições únicas de liderar essa agenda. Mas para transformar ativos naturais em ativos econômicos, é preciso institucionalizar mecanismos que valorizem a sustentabilidade. É nesse contexto que o mercado de carbono se apresenta como uma das principais alavancas de modernização e inovação econômica.
Em dezembro de 2024, a Comissão de Valores Mobiliários (CVM) publicou a Resolução nº 223, obrigando companhias abertas a adotar a Orientação Técnica OCPC 10. A norma estabelece critérios para o reconhecimento, mensuração e divulgação contábil de créditos de carbono e ativos ambientais. Resultado de parceria com o Comitê de Pronunciamentos Contábeis (CPC), a medida fortalece a governança climática, a transparência e a comparabilidade entre empresas — requisitos cada vez mais valorizados por investidores institucionais, nacionais e estrangeiros.
No plano legislativo, o avanço veio com a aprovação da Lei nº 15.042/2024, que criou o Sistema Brasileiro de Comércio de Emissões de Gases de Efeito Estufa (SBCE). Trata-se de um mecanismo de mercado no qual empresas que reduzem suas emissões podem vender excedentes a outras que ultrapassam seus limites, estabelecidos por metas setoriais. Inspirado em experiências internacionais — como o European Union Emissions Trading Scheme (EU ETS) — o SBCE oferece previsibilidade regulatória, sinal de preço para o carbono e incentivos à inovação tecnológica limpa.
Paralelamente, a B3, Bolsa de Valores brasileira, tem colaborado com o setor privado na criação de infraestrutura para o mercado voluntário de carbono. Com apoio de entidades como o Instituto Clima e Sociedade (ICS), a B3 trabalha na construção de uma plataforma de negociação robusta, segura e acessível, buscando elevar a integridade ambiental e a confiança dos agentes de mercado. A iniciativa sinaliza uma mudança de paradigma no mercado de capitais, com foco crescente em ativos sustentáveis e métricas ESG — ambientais, sociais e de governança.
No plano econômico, o valor do carbono e os custos das emissões são estudados desde os anos 1990 pelo economista William Nordhaus, da Universidade de Yale. Seu modelo DICE (Dynamic Integrated Climate-Economy) estima o chamado Custo Social do Carbono (CSC) — o valor monetário dos prejuízos gerados por cada tonelada adicional de CO₂ lançada na atmosfera. O CSC considera danos à agricultura, saúde pública, infraestrutura urbana, biodiversidade e segurança hídrica.
Vários países incorporam o CSC em suas políticas climáticas, entre eles Estados Unidos, Alemanha, Nova Zelândia, Canadá e Coreia do Sul. Ao precificar o carbono de forma explícita, governos conseguem orientar investimentos públicos e privados, incentivar tecnologias limpas e promover maior eficiência econômica com menor impacto ambiental.
No Brasil, a institucionalização do mercado de carbono é um passo essencial para consolidar um modelo de desenvolvimento moderno, competitivo e ambientalmente responsável. Mas sua efetividade depende de outros fatores: segurança jurídica, transparência, capacidade de fiscalização, participação da sociedade civil e integração com políticas setoriais — como transporte, energia, agricultura e infraestrutura.
Mais do que uma ferramenta de mercado, o crédito de carbono é parte de uma nova lógica de desenvolvimento. Ele permite que o país monetize sua capacidade de conservar florestas, restaurar biomas e inovar em tecnologias verdes. Ao mesmo tempo, impõe novos deveres: combater o greenwashing (uso de declarações e certificações que sugerem compromisso com a sustentabilidade ambiental, mas que são inverídicas, com o objetivo de enganar consumidores, investidores ou reguladores), garantir rastreabilidade e investir em capacitação técnica e institucional.
A transição ecológica, se bem conduzida, pode gerar ganhos em produtividade, geração de empregos verdes e inserção qualificada do Brasil em cadeias de valor sustentáveis. Ela deve ser vista como uma agenda de competitividade, não como ônus. Afinal, um país que investe em clima, ciência e governança está mais preparado para lidar com os riscos e oportunidades da nova economia global.
Mais do que um instrumento contábil ou financeiro, o mercado de carbono é expressão de um novo contrato social. Um contrato que reconhece os limites ecológicos do planeta e busca conciliá-los com as legítimas aspirações por bem-estar e desenvolvimento. É nesse horizonte que o Brasil pode — e deve — assumir protagonismo.
Minicurriculo
Sérgio Volk é economista, mestre em finanças e contabilidade, cursou doutorado em economia pela EPGE-FGV/RJ, especialista em gestão e avaliação de empresas. Foi Diretor Financeiro nas empresas: Revestimento Cerâmico CECRISA, Portinari (atual Dexco), DaGranja Agroindustrial (atual Seara), dentre outras. Foi Diretor de Câmbio e Assuntos Internacionais do BANESTES, além de Conselheiro Fiscal da Electrolux do Brasil S.A., Inepar Energia S.A. e TECFIL – Sofape Fabricante de Filtros S.A. Foi Presidente do IBEF Espírito Santo, Paraná e Araraquara; Conselheiro Fiscal do IBEF/SP e membro do Conselheiro Consultivo da Cogni ESG; foi professor na FAAP – Centro Universitário Armando Alvares Penteado, é professor em cursos de pós-graduação na FEI, SP.
Cláudio Gonçalves dos Santos é economista, mestre em administração financeira e contabilidade, gestor de valores mobiliários, sócio da Planning, professor em curso de pós-graduação na Universidade Presbiteriana Mackenzie e da FECAP/SP e Diretor do IIE - Instituto de Inteligência Econômica.
Membro do IBGC – Instituto Brasileiro de Governança Corporativa e da ABVCAP – Associação Brasileira de Private Equity e Venture Capital.