O mercado de carbono, além de um instrumento contábil ou financeiro, é também expressão de um novo contrato social (Getty Images)
EXAME Saint Paul
Publicado em 1 de outubro de 2025 às 21h46.
Por Cláudio Gonçalves dos Santos e Sérgio Volk
Construir um Estado de bem-estar social no Brasil é um ideal que exige mais do que ampliação de políticas sociais: implica repensar o modelo de desenvolvimento nacional, articulando crescimento econômico, justiça distributiva e responsabilidade ambiental. Essa tarefa demanda reformas estruturais, cooperação entre os setores público e privado, além de uma nova cultura política que una eficiência econômica e compromisso com o futuro coletivo.
Nesse novo pacto, a transição para uma economia de baixo carbono ocupa lugar central. O Brasil, com sua matriz energética relativamente limpa, sua vasta cobertura florestal e seu potencial em bioeconomia, tem condições únicas de liderar essa agenda. No entanto, para transformar ativos naturais em ativos econômicos, é preciso institucionalizar mecanismos que valorizem a sustentabilidade, e, assim, o mercado de carbono apresenta-se como uma das principais alavancas de modernização e inovação econômica.
Em dezembro de 2024, a Comissão de Valores Mobiliários (CVM) publicou a Resolução n. 223, obrigando companhias abertas a adotar a Orientação Técnica OCPC 10, que estabelece critérios para o reconhecimento, a mensuração e a divulgação contábil de créditos de carbono e ativos ambientais. Resultado de parceria com o Comitê de Pronunciamentos Contábeis (CPC), a medida fortalece a governança climática, a transparência e a comparabilidade entre empresas — requisitos cada vez mais valorizados por investidores institucionais, nacionais e estrangeiros.
No plano legislativo, o avanço veio com a aprovação da Lei n. 15.042/2024, criando o Sistema Brasileiro de Comércio de Emissões de Gases de Efeito Estufa (SBCE). Trata-se de um mecanismo de mercado no qual empresas que reduzem suas emissões podem vender excedentes a outras que ultrapassam seus limites, estabelecidos por metas setoriais. Inspirado em experiências internacionais — como o European Union Emissions Trading Scheme (EU ETS) — o SBCE oferece previsibilidade regulatória, sinal de preço para o carbono e incentivos à inovação tecnológica limpa.
Paralelamente, a B3, a bolsa de valores brasileira, tem colaborado com o setor privado na criação de infraestruturas para o mercado voluntário de carbono. Com apoio de entidades como o Instituto Clima e Sociedade (ICS), a B3 trabalha na construção de uma plataforma de negociação robusta, segura e acessível, com o objetivo de elevar a integridade ambiental e a confiança dos agentes de mercado. A iniciativa sinaliza uma mudança de paradigma no mercado de capitais, com foco crescente em ativos sustentáveis e métricas ESG (ambientais, sociais e de governança).
No plano econômico, o valor do carbono e os custos das emissões são estudados desde os anos 1990 pelo economista William Nordhaus, da Universidade de Yale. Seu modelo Dynamic Integrated Climate-Economy (DICE) estima o chamado Custo Social do Carbono (CSC) — o valor monetário dos prejuízos gerados por cada tonelada adicional de CO₂ lançada na atmosfera, considerando danos à agricultura, saúde pública, infraestrutura urbana, biodiversidade e segurança hídrica.
Vários países incorporam o CSC em suas políticas climáticas, como Estados Unidos, Alemanha, Nova Zelândia, Canadá e Coreia do Sul. Ao precificar o carbono de forma explícita, governos conseguem orientar investimentos públicos e privados, incentivar tecnologias limpas e promover maior eficiência econômica com menor impacto ambiental.
No Brasil, a institucionalização do mercado de carbono é um passo essencial para consolidar um modelo de desenvolvimento moderno, competitivo e ambientalmente responsável. Contudo, sua efetividade depende de outros fatores: segurança jurídica, transparência, capacidade de fiscalização, participação da sociedade civil e integração com políticas setoriais, como transporte, energia, agricultura e infraestrutura.
Mais do que uma ferramenta de mercado, o crédito de carbono é parte de uma nova lógica de desenvolvimento, pois permite que o país monetize sua capacidade de conservar florestas, restaurar biomas e inovar em tecnologias verdes. Ao mesmo tempo, impõe novos deveres: combater o greenwashing — uso de declarações e certificações que sugerem compromisso com a sustentabilidade ambiental, mas que são inverídicas, com o objetivo de enganar consumidores, investidores ou reguladores —, garantir rastreabilidade e investir em capacitação técnica e institucional.
A transição ecológica, se bem conduzida, pode gerar ganhos em produtividade, geração de empregos verdes e inserção qualificada do Brasil em cadeias de valor sustentáveis. Ela deve ser vista como uma agenda de competitividade, não como ônus. Afinal, um país que investe em clima, ciência e governança está mais preparado para lidar com os riscos e as oportunidades da nova economia global.
Portanto, o mercado de carbono, além de um instrumento contábil ou financeiro, é também expressão de um novo contrato social que reconhece os limites ecológicos do planeta e busca conciliá-los com as legítimas aspirações por bem-estar e desenvolvimento. É nesse horizonte que o Brasil pode e deve assumir protagonismo.
Sobre os autores
Cláudio Gonçalves dos Santos é economista, mestre em Administração Financeira e Contabilidade, com MBA em Finanças de Empresas. É gestor de valores mobiliários registrado na CVM, conselheiro de administração e professor em cursos de pós-graduação na Universidade Presbiteriana Mackenzie e na Fundação Escola de Comércio Álvares Penteado (FECAP). É sócio da Planning, onde atua com assessoria financeira, avaliação de empresas (valuation) e gestão de patrimônio (wealth management), membro do Instituto Brasileiro de Governança Corporativa (IBGC) e da Associação Brasileira de Private Equity e Venture Capital (ABVCAP).
É autor dos livros Securitização — Novos Rumos do Mercado Financeiro (2011), Finanças Estruturadas — O papel da securitização de ativos como mecanismo de financiamento para empresas e projetos (2015) e Clãs Parentais — Fragmentos da História do Brasil (2023). Também assinou o prefácio e a revisão técnica da obra Bank Valuation & Value-Based Management, de Jean Dermine (2018). Publica regularmente artigos em jornais e revistas especializadas.
Em março de 2013, recebeu da Câmara Municipal de São Paulo votos de júbilo e de congratulações pelos serviços prestados a empresários e instituições, como a Ordem dos Economistas do Brasil e a Associação dos Analistas e Profissionais de Investimento do Mercado de Capitais.
Sérgio Volk é economista, mestre em Finanças e Contabilidade, com doutorado em Economia pela Escola Brasileira de Economia e Finanças da Fundação Getulio Vargas (EPGE/FGV). Especialista em gestão e avaliação de empresas, é conselheiro fiscal do IBEF/SP e membro do conselho consultivo da Cogni ESG. Além disso, é professor na FEI, em São Paulo, e autor de mais de 60 artigos em seu site.
Anteriormente, ocupou cargos de direção financeira em empresas como Cecrisa, Portinari (atual Dexco) e Dagranja (atual Seara), dentre outras. Foi também diretor de câmbio no Banco do Estado do Espírito Santo (Banestes), conselheiro fiscal da Electrolux do Brasil S.A., da Inepar Energia S.A. e da Sofape Fabricante de Filtros S.A (TECFIL), e presidente do Instituto Brasileiro de Executivos de Finanças (IBEF) do Espírito Santo, Paraná e Araraquara. Além disso, foi professor na Fundação Armando Alvares Penteado (FAAP) e na Universidade Federal do Ceará (UFC).