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A catástrofe da covid-19 na América Latina, por quatro ex-presidentes

Se não for tratada adequadamente, a crise poderá causar um dos episódios mais trágicos da história da região

EQUADOR: o país foi o primeiro da região a entrar em colapso pelo coronavírus. / REUTERS/Vicente Gaibor del Pino
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Da Redação

Publicado em 17 de abril de 2020 às 15h04.

Última atualização em 17 de abril de 2020 às 19h12.

A pandemia do COVID-19 é um choque de magnitude sem precedentes e duração incerta. As consequências têm sido catastróficas. Se não for tratada adequadamente, a crise poderá causar um dos episódios mais trágicos da história da América Latina.

Até agora, as respostas políticas em nossa região foram desiguais. Vários governos reagiram prontamente, tornando a proteção da saúde pública seu principal objetivo. Infelizmente, outros minimizaram os riscos da pandemia, não informaram os cidadãos e desconsideraram as evidências científicas e os conselhos de seus próprios especialistas. Tais líderes escolheram seguir políticas populistas e desagregadoras em meio à tragédia.

Diminuir o número de mortos na pandemia deve ser a principal prioridade da América Latina. Os administradores públicos deveriam se concentrar na atualização dos sistemas de saúde, na canalização de recursos para os hospitais, na adaptação temporária da infraestrutura ociosa, como hotéis e centros de convenções e no aumento acentuado da realização dos testes.

Os líderes latino-americanos também deveriam condenar os controles de exportação de suprimentos médicos e outros recursos críticos e exigir um aumento de recursos para a Organização Mundial da Saúde, ao contrário da decisão imprudente do presidente dos EUA, Donald Trump, de congelar cerca de US $ 500 milhões em financiamento para a OMS. É necessária uma coordenação global mais forte entre as autoridades de saúde para melhorar a capacidade de realizar testes, tratar e isolar pacientes e desenvolver uma cura e vacina – a solução definitiva para a pandemia.

O choque econômico é enorme. Além da interrupção da produção doméstica, as economias latino-americanas sofrem com a queda de volumes e preços das exportações, perda de receita com o turismo e as remessas e grandes saídas de capital. O choque de oferta para grande parte da economia, juntamente com a demanda prejudicada pode desencadear uma espiral contracionista.

Para evitar isso, políticas ousadas para proteger a renda familiar são essenciais. Isso implica transferências de dinheiro para as pessoas vulneráveis ​​à crise, incluindo trabalhadores informais e autônomos que não têm acesso às subvenções de emprego ou seguro-desemprego.

Ajuda às empresas também é indispensável. Os subsídios para ajudar empresas a pagar suas folhas de pagamentos, dependentes da manutenção do emprego, protegem tanto empresas como trabalhadores durante a crise e são cruciais para uma rápida recuperação econômica quando as condições se normalizarem.

Se as falências generalizadas não forem evitadas, a próxima vítima da pandemia poderá ser o sistema bancário. Nesse ponto, o sistema de pagamentos – na verdade, economias inteiras – correm o risco de colapso.

Muitas empresas, especialmente as pequenas e médias, sofrerão perdas significativas de receita durante a crise. Sem apoio, a falta de liquidez logo se tornará um problema de solvência. Diferimento de impostos, rolagem de empréstimos e crédito subsidiado não serão suficientes.

Essa emergência exige garantias sem precedentes de crédito por parte do governo para assegurar que os bancos continuem emprestando, bem como mudanças regulatórias temporárias para incentivar a expansão do crédito. Os bancos estatais bem capitalizados e bem administrados também podem desempenhar papel de liderança.

De maneira mais ampla, enquanto as políticas diferem entre os países, provavelmente serão necessários recursos fiscais extraordinários para impulsionar a recuperação em todos os lugares. Os governos precisarão estimular o emprego e a atividade econômica sem exacerbar os riscos relacionados à saúde.

O problema é que o atual o espaço para políticas na América Latina é ainda muito menor agora do que foi após a crise financeira global de 2008. Os custos fiscais deveriam ser compensados ​​por ajustes orçamentários em áreas de baixa prioridade. Um compromisso dos governos para corrigir o maior déficit fiscal resultante dentro de um período razoável mitigaria o risco de um rebaixamento do crédito.

Apoio externo às contas fiscais e à balança de pagamentos é crucial, especialmente para os países menores e menos desenvolvidos da América Latina. Se empresas privadas e governos apresentarem déficits maiores, é provável que as lacunas nas contas correntes dos países também aumentem. As recentes saídas de capital das economias emergentes – uma das maiores reversões de fluxo de capital na história moderna dos mercados financeiros – agravam o problema.

A depreciação associada de moedas de mercados emergentes pode ser uma força desestabilizadora. Para muitas economias da região, um apoio externo oficial muito maior será a única maneira de lidar com esses choques combinados.

O Fundo Monetário Internacional tem um papel essencial a desempenhar aqui. O FMI deve atender às necessidades fiscais e cambiais de curto prazo dos países e continuar apoiando as economias durante uma crise cuja duração permanece altamente incerta. O Fundo precisa de mais recursos e a capacidade de desembolsá-los rapidamente. Os governos latino-americanos devem se unir para pedir uma nova emissão da moeda de reserva global do FMI, Direitos Especiais de Saque, totalizando 01 trilhão de DES.

Embora os DES’s sejam alocados aos países membros de conformidade com suas cotas do FMI, uma alocação não proporcional pode ser obtida através da criação de um pool comum supervisionado pelo Fundo. Além disso, a duplicação imediata dos Novos Acordos de Empréstimo daria ao FMI a capacidade necessária para atender à demanda urgente e futura de empréstimos. Por fim, como os programas tradicionais de empréstimos do FMI não serão aprovados a tempo, o Fundo deve aumentar significativamente o acesso aos meios com desembolso rápido e baixa condicionalidade, como seu Instrumento de Financiamento Rápido, ou criar novas linhas de crédito pandêmicas.

Os principais bancos centrais que emitem moedas de reserva podem ajudar ampliando o acesso às linhas de swap, direta ou indiretamente, por meio do FMI ou do Banco de Pagamentos Internacionais, como intermediários da liquidez do banco central. Internamente, os bancos centrais devem usar todos os instrumentos possíveis, inovando sempre que necessário, para fornecer ampla liquidez aos mercados financeiros e à economia.

Finalmente, os bancos multilaterais de desenvolvimento (BMDs), como o Banco Mundial, o Banco Interamericano de Desenvolvimento e o CAF – o Banco de Desenvolvimento da América Latina, deveriam duplicar o montante de empréstimos líquidos para a região e explorar mercados de capitais globais altamente líquidos para fornecer mais apoio orçamentário. Em circunstâncias excepcionais e em países sem acesso ao mercado, um congelamento da dívida poderia complementar os empréstimos oficiais.

Os BMDs também deveriam fornecer diretrizes aos países sobre as várias áreas políticas envolvidas na resposta à crise, incluindo suas próprias estimativas das taxas de morbidade/mortalidade pelo COVID-19 – especialmente em países onde os governos estão minimizando a ameaça à saúde. Tempo é fundamental.

O desafio colocado por esta pandemia não tem paralelo na história recente. O mundo e a região da América Latina e do Caribe não devem permitir reações atrasadas ou inadequadas. Confiança mútua, transparência e racionalidade – não populismo ou demagogia – continuam sendo as melhores orientações nestes tempos de incerteza. A crise não pode ser uma desculpa para enfraquecer nossos direitos duramente conquistados. Em vez disso, deveria se tornar uma oportunidade para fortalecer a democracia na América Latina e mostrar o que ela pode proporcionar aos cidadãos.

Fernando Henrique Cardoso, Presidente do Brasil de 1995 a 2002, é membro do Conselho Editorial do Americas Quarterly e da Comissão Global de Políticas sobre Drogas.

Ricardo Lagos, ex-Presidente do Chile (2000-2006) e enviado especial da ONU para mudanças climáticas (2007-2010), é presidente da Fundação Democracia y Desarrollo e membro dos The Elderers e da Comissão Global sobre Política de Drogas.

Juan Manuel Santos, laureado com o Prêmio Nobel da Paz, é ex-Presidente da Colômbia (2010-2018) e membro da Comissão Global de Políticas sobre Drogas.

Ernesto Zedillo é ex-Presidente do México (1994-2000) e membro da Comissão Global de Políticas sobre Drogas.

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A pandemia do COVID-19 é um choque de magnitude sem precedentes e duração incerta. As consequências têm sido catastróficas. Se não for tratada adequadamente, a crise poderá causar um dos episódios mais trágicos da história da América Latina.

Até agora, as respostas políticas em nossa região foram desiguais. Vários governos reagiram prontamente, tornando a proteção da saúde pública seu principal objetivo. Infelizmente, outros minimizaram os riscos da pandemia, não informaram os cidadãos e desconsideraram as evidências científicas e os conselhos de seus próprios especialistas. Tais líderes escolheram seguir políticas populistas e desagregadoras em meio à tragédia.

Diminuir o número de mortos na pandemia deve ser a principal prioridade da América Latina. Os administradores públicos deveriam se concentrar na atualização dos sistemas de saúde, na canalização de recursos para os hospitais, na adaptação temporária da infraestrutura ociosa, como hotéis e centros de convenções e no aumento acentuado da realização dos testes.

Os líderes latino-americanos também deveriam condenar os controles de exportação de suprimentos médicos e outros recursos críticos e exigir um aumento de recursos para a Organização Mundial da Saúde, ao contrário da decisão imprudente do presidente dos EUA, Donald Trump, de congelar cerca de US $ 500 milhões em financiamento para a OMS. É necessária uma coordenação global mais forte entre as autoridades de saúde para melhorar a capacidade de realizar testes, tratar e isolar pacientes e desenvolver uma cura e vacina – a solução definitiva para a pandemia.

O choque econômico é enorme. Além da interrupção da produção doméstica, as economias latino-americanas sofrem com a queda de volumes e preços das exportações, perda de receita com o turismo e as remessas e grandes saídas de capital. O choque de oferta para grande parte da economia, juntamente com a demanda prejudicada pode desencadear uma espiral contracionista.

Para evitar isso, políticas ousadas para proteger a renda familiar são essenciais. Isso implica transferências de dinheiro para as pessoas vulneráveis ​​à crise, incluindo trabalhadores informais e autônomos que não têm acesso às subvenções de emprego ou seguro-desemprego.

Ajuda às empresas também é indispensável. Os subsídios para ajudar empresas a pagar suas folhas de pagamentos, dependentes da manutenção do emprego, protegem tanto empresas como trabalhadores durante a crise e são cruciais para uma rápida recuperação econômica quando as condições se normalizarem.

Se as falências generalizadas não forem evitadas, a próxima vítima da pandemia poderá ser o sistema bancário. Nesse ponto, o sistema de pagamentos – na verdade, economias inteiras – correm o risco de colapso.

Muitas empresas, especialmente as pequenas e médias, sofrerão perdas significativas de receita durante a crise. Sem apoio, a falta de liquidez logo se tornará um problema de solvência. Diferimento de impostos, rolagem de empréstimos e crédito subsidiado não serão suficientes.

Essa emergência exige garantias sem precedentes de crédito por parte do governo para assegurar que os bancos continuem emprestando, bem como mudanças regulatórias temporárias para incentivar a expansão do crédito. Os bancos estatais bem capitalizados e bem administrados também podem desempenhar papel de liderança.

De maneira mais ampla, enquanto as políticas diferem entre os países, provavelmente serão necessários recursos fiscais extraordinários para impulsionar a recuperação em todos os lugares. Os governos precisarão estimular o emprego e a atividade econômica sem exacerbar os riscos relacionados à saúde.

O problema é que o atual o espaço para políticas na América Latina é ainda muito menor agora do que foi após a crise financeira global de 2008. Os custos fiscais deveriam ser compensados ​​por ajustes orçamentários em áreas de baixa prioridade. Um compromisso dos governos para corrigir o maior déficit fiscal resultante dentro de um período razoável mitigaria o risco de um rebaixamento do crédito.

Apoio externo às contas fiscais e à balança de pagamentos é crucial, especialmente para os países menores e menos desenvolvidos da América Latina. Se empresas privadas e governos apresentarem déficits maiores, é provável que as lacunas nas contas correntes dos países também aumentem. As recentes saídas de capital das economias emergentes – uma das maiores reversões de fluxo de capital na história moderna dos mercados financeiros – agravam o problema.

A depreciação associada de moedas de mercados emergentes pode ser uma força desestabilizadora. Para muitas economias da região, um apoio externo oficial muito maior será a única maneira de lidar com esses choques combinados.

O Fundo Monetário Internacional tem um papel essencial a desempenhar aqui. O FMI deve atender às necessidades fiscais e cambiais de curto prazo dos países e continuar apoiando as economias durante uma crise cuja duração permanece altamente incerta. O Fundo precisa de mais recursos e a capacidade de desembolsá-los rapidamente. Os governos latino-americanos devem se unir para pedir uma nova emissão da moeda de reserva global do FMI, Direitos Especiais de Saque, totalizando 01 trilhão de DES.

Embora os DES’s sejam alocados aos países membros de conformidade com suas cotas do FMI, uma alocação não proporcional pode ser obtida através da criação de um pool comum supervisionado pelo Fundo. Além disso, a duplicação imediata dos Novos Acordos de Empréstimo daria ao FMI a capacidade necessária para atender à demanda urgente e futura de empréstimos. Por fim, como os programas tradicionais de empréstimos do FMI não serão aprovados a tempo, o Fundo deve aumentar significativamente o acesso aos meios com desembolso rápido e baixa condicionalidade, como seu Instrumento de Financiamento Rápido, ou criar novas linhas de crédito pandêmicas.

Os principais bancos centrais que emitem moedas de reserva podem ajudar ampliando o acesso às linhas de swap, direta ou indiretamente, por meio do FMI ou do Banco de Pagamentos Internacionais, como intermediários da liquidez do banco central. Internamente, os bancos centrais devem usar todos os instrumentos possíveis, inovando sempre que necessário, para fornecer ampla liquidez aos mercados financeiros e à economia.

Finalmente, os bancos multilaterais de desenvolvimento (BMDs), como o Banco Mundial, o Banco Interamericano de Desenvolvimento e o CAF – o Banco de Desenvolvimento da América Latina, deveriam duplicar o montante de empréstimos líquidos para a região e explorar mercados de capitais globais altamente líquidos para fornecer mais apoio orçamentário. Em circunstâncias excepcionais e em países sem acesso ao mercado, um congelamento da dívida poderia complementar os empréstimos oficiais.

Os BMDs também deveriam fornecer diretrizes aos países sobre as várias áreas políticas envolvidas na resposta à crise, incluindo suas próprias estimativas das taxas de morbidade/mortalidade pelo COVID-19 – especialmente em países onde os governos estão minimizando a ameaça à saúde. Tempo é fundamental.

O desafio colocado por esta pandemia não tem paralelo na história recente. O mundo e a região da América Latina e do Caribe não devem permitir reações atrasadas ou inadequadas. Confiança mútua, transparência e racionalidade – não populismo ou demagogia – continuam sendo as melhores orientações nestes tempos de incerteza. A crise não pode ser uma desculpa para enfraquecer nossos direitos duramente conquistados. Em vez disso, deveria se tornar uma oportunidade para fortalecer a democracia na América Latina e mostrar o que ela pode proporcionar aos cidadãos.

Fernando Henrique Cardoso, Presidente do Brasil de 1995 a 2002, é membro do Conselho Editorial do Americas Quarterly e da Comissão Global de Políticas sobre Drogas.

Ricardo Lagos, ex-Presidente do Chile (2000-2006) e enviado especial da ONU para mudanças climáticas (2007-2010), é presidente da Fundação Democracia y Desarrollo e membro dos The Elderers e da Comissão Global sobre Política de Drogas.

Juan Manuel Santos, laureado com o Prêmio Nobel da Paz, é ex-Presidente da Colômbia (2010-2018) e membro da Comissão Global de Políticas sobre Drogas.

Ernesto Zedillo é ex-Presidente do México (1994-2000) e membro da Comissão Global de Políticas sobre Drogas.

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