O desmatamento na Amazônia Legal caiu 30,6% entre agosto de 2023 e julho de 2024, segundo dados apresentados pelo Inpe (AFP)
Ex-ministro do Turismo (Governo Temer), cientista político pela Universidade Americana de Paris, Sênior Fellow do Milken Institute (EUA)
Publicado em 4 de setembro de 2025 às 13h47.
Às vésperas da COP30, em Belém, a Amazônia voltará a ocupar o centro do debate global. O que já temos até aqui é um mosaico de boas iniciativas: Tratado de Cooperação Amazônica, OTCA, Pacto de Letícia, Declaração de Belém, Declaração de Bogotá, além do Fundo Amazônia e outras fontes de financiamento internacional. Todos representam boa vontade e ricos conteúdos, mas o conjunto não se consolidou em um plano uno, claro, concreto e transparente, compreensível tanto para os amazônidas quanto para o mundo inteiro, incluídos os investidores globais. As complexidades já foram expressas, mas os riscos de uma estratégia executiva na dimensão dos investimentos necessários ainda não. Falta um plano que resista à luz do dia.
Um plano de verdadeiro impacto não é uma lista de projetos, e sim a expressão de uma dimensão filosófica e lógica consistente, comunicável a todos os públicos. Ignacy Sachs, ecoeconomista e um dos formuladores do conceito de desenvolvimento sustentável, já apontava que a sustentabilidade exige múltiplas dimensões: econômica, social, ecológica, territorial, cultural e política. Entre elas, o eixo econômico aparece em primeiro lugar, não por materialismo, mas porque é ele que sustenta os demais. Sem base financeira estável, políticas sociais e ambientais tornam-se frágeis, reféns de ciclos de doações ou vontades momentâneas. É essa ausência de lastro econômico que explica por que tantas iniciativas amazônicas ainda não se traduziram em resultados permanentes. Os países que têm a Amazônia não deveriam ter que pedir dinheiro. Poderiam, sim, escolher qual dinheiro aceitar, se houver um plano claro, uno e bancável, e sob o manto da soberania e responsabilidade de cada país.
Aqui está uma contradição eloquente: o Brasil recebe recursos da Noruega para preservar sua floresta, enquanto esse mesmo país financia o fundo com a liquidez gerada pela exploração de petróleo no Mar do Norte. O paralelo regional é ainda mais contundente. Desde 2015, a Guiana entrou no mapa do petróleo offshore e transformou-se em uma das economias mais dinâmicas do planeta. Com reservas provadas de mais de 11 bilhões de barris e produção que já se aproxima de 700 mil barris por dia, a renda per capita do país, que era de pouco mais de 6 mil dólares em 2019, deve ultrapassar 30 mil dólares até o fim da década. O FMI projeta taxas de crescimento acima de 20% ao ano.
O Brasil, por sua vez, tem histórico robusto. Produz petróleo offshore há mais de 40 anos, alcançou 3,4 milhões de barris por dia em 2023 e domina a tecnologia de exploração no pré-sal sem acidentes de relevantes proporções. A margem equatorial, na foz do Amazonas, é a nova fronteira. Ao contrário da Guiana, que apenas canaliza sua renda para acelerar o PIB, o Brasil poderia destinar boa parte dos royalties e participações especiais desse petróleo a um Fundo Amazônia 2.0, estruturado em governança multissetorial e metas auditáveis. Seria o casamento da exploração energética responsável com a preservação e valorização concreta da floresta.
Esse é o sentido do “desenvolvimento negociado” de Sachs: não a imposição de modelos ideológicos nem a captura por interesses predatórios, mas um pacto transparente entre Estado, comunidades, setor privado e sociedade civil. A era da inteligência artificial oferece ferramentas para desenvolver, pesquisar, medir, monitorar e publicar resultados em tempo real. Peter Drucker já advertia que “o que não pode ser medido não pode ser gerenciado”. Aplicado à Amazônia, isso significa transformar slogans como “a floresta vale mais em pé” em indicadores tangíveis de pujança e valor econômico, climático e social: hectares preservados, toneladas de carbono estocadas, empregos verdes gerados, renda domiciliar, conectividade e qualidade de vida. E, para o Brasil e seus vizinhos, um grande ganho colateral: o de sermos bons países para nós mesmos e para o mundo. Vale comentar que o turismo, o maior empregador do planeta, vai dobrar de tamanho nos próximos anos, e a parte que mais cresce é o turismo de natureza, o turismo da consciência e da existência.
Os investidores estão além de prontos. Falta a grande exposição de um único plano. O mercado de carbono regulado já movimenta mais de 100 bilhões de dólares por ano, e o voluntário, em processo de reorganização e fortalecimento de credibilidade, pode voltar a crescer com padrões de alta integridade. Somados à bioeconomia, turismo sustentável e infraestrutura verde, esses fluxos podem dar à Amazônia uma nova lógica de prosperidade. O desafio é político e estratégico: transformar boas intenções dispersas em um plano uno, público e transparente, que torne visível o caminho de financiamento e os resultados esperados. A COP30 é a oportunidade histórica de apresentar esse plano ao mundo, não como mais uma vitrine de intenções, mas como um projeto de negócios, de altíssima tecnologia, com realidade, e que combine petróleo responsável, carbono íntegro e floresta em pé.
No final das contas, quem não tem um plano acaba sendo parte dos planos dos outros. Ler na imprensa e nas redes sociais que a Amazônia já começa a ser controlada por organizações criminosas é algo que nos deveria atemorizar. O que não devemos temer é o peso da responsabilidade de assumir nossa herança natural. Termos a coragem de apresentar ao mundo o nosso Plano Amazônico e enfrentar críticas é o nosso teste civilizatório. Não haverá tão cedo uma oportunidade como a COP30 em Belém.