A retomada da economia e a digitalização da saúde no Brasil
Não vamos voltar ao ritmo pré-pandemia de uma hora para outra. Haverá lentidão e tropeços até encontrarmos a receita para caminharmos na nova dimensão
Publicado em 22 de maio de 2020 às, 14h59.
Última atualização em 22 de maio de 2020 às, 15h35.
Procura um apoio, tenta se erguer, perde o equilíbrio, cai. Levanta-se de novo, consegue se manter em pé, aprende mais um pouco. A paternidade me ensinou que essa é a rotina de uma criança ao aprender a andar.
A vantagem é que, com prática e estímulo, o equilíbrio começa a aparecer, passos mais largos e seguros são dados e a confiança vai aumentando. Aprender a andar é um processo, não algo que acontece da noite para o dia.
Recuperar-nos da covid-19 vai exigir “baby steps”. Não vamos voltar ao ritmo pré-pandemia de uma hora para outra. Haverá lentidão e tropeços até encontrarmos a receita para caminharmos nessa nova dimensão em que fomos lançados.
Teremos que incorporar novos comportamentos, como o uso cotidiano de máscaras, e renunciar a outros a que estávamos habituados. Quando, por exemplo, poderemos voltar a cumprimentar as pessoas com um aperto de mão?
A pandemia de covid-19 se alastrou pelo planeta em pouco mais de 100 dias. O mundo, que entrava em mais um ano de um longo ciclo de crescimento, deu um “cavalo de pau” e se viu diante de seu maior desafio desde o fim da segunda guerra mundial.
Médicos, cientistas, governos e empresas tentam encontrar respostas para nossas incontáveis perguntas. Temos algumas pistas, muitas opiniões, mas muito poucas certezas – ou quase nenhuma.
Ao contrário da metáfora que muitos usam, essa não é uma “guerra”. É a mãe natureza que relativiza a importância de nossa geração diante de suas 4,5 bilhões de voltas em torno do Sol.
É Darwin em estado bruto. Não se trata do mais forte ou inteligente, mas daquele que melhor se adapta. A única certeza: o mundo não sairá dessa crise como entrou.
Muitos de nós temos aproveitado esse momento para fazer uma revisão completa da própria vida. Hábitos, comportamentos, valores, desejos, tudo está sendo questionado – e, frequentemente, recalibrado. Estamos agora focados em sobreviver à crise, protegendo em primeiro lugar a saúde das pessoas.
Depois de nos adaptarmos ao lockdown, muitas economias começam a ter algum nível de flexibilização, será preciso voltar os olhos para o futuro. Parafraseando o estadista britânico Winston Churchill, estamos atravessando um inferno e precisamos continuar andando. Como será o “novo normal” pós-pandemia?
Reuniões que se arrastavam por horas e demandavam semanas de negociação de agenda entre assistentes são resolvidas em slots de 15 minutos. O aperto de mão deu lugar ao quadradinho na tela, para que todos nos mantenhamos em nosso “Lar doce escritório”.
Ainda que existam limitações, é preciso reconhecer que é possível ser tão produtivo em casa quanto na empresa. Nas últimas semanas muitas empresas começaram a questionar se, passada a crise da covid-19, poderiam redimensionar seus escritórios e criar um modelo permanente de trabalho remoto para seus funcionários.
O experimento social do isolamento em escala global vai impulsionar o que se começa a chamar de “low touch economy”, uma economia baseada na combinação de tecnologia e distanciamento físico.
Do mesmo modo, a experiência de consumir online, intensificada durante a pandemia, não deve voltar aos níveis pré-Covid-19 quando a doença já estiver sob controle. Os consumidores se habituaram a comprar quase tudo pela internet – de alimentos e produtos de limpeza em um supermercado a filmes e seriados nas diversas plataformas de streaming.
Sem poder frequentar bares e restaurantes, eles recorrem aos serviços de delivery para saborear seus pratos favoritos em casa. Com shows e concertos cancelados, o público agora assiste aos espetáculos em lives na internet. Não se trata de comportamentos adotados apenas pelos “nativos digitais”.
Pessoas de todas as faixas etárias se renderam a essa nova maneira de consumir. A digitalização exponencial é um caminho irreversível.
A covid-19 acelerou a transformação digital das empresas mais rápido do que qualquer CIO, CTO ou guru da tecnologia foi capaz. O setor de saúde será um dos mais afetados por essas transformações. A telemedicina chegou para ficar e eliminar a barreira física, o deslocamento e a limitação de convergência do espaço tempo.
As empresas que atuam nesse mercado precisarão prover mais tecnologia, mais inovação, mais inteligência e muito mais integração de dados.
A medida é uma excelente notícia para médicos (que podem fazer consultas de casa), pacientes (que podem dar continuidade a seus tratamentos ou fazer consultas de baixa complexidade sem se colocar em situação de risco) e empresas do setor (tanto as tradicionais quanto as healthtechs que começam a se multiplicar).
Num país com dimensões continentais como o Brasil e com trânsito caótico nas grandes cidades, o tempo e o custo de deslocamento até um consultório médico podem ser impeditivos para que o paciente cuide da saúde com o rigor necessário.
Com consultas, exames, prontuário eletrônico, todo seu histórico disponível de forma integrada em seu smartphone, o paciente vai poder ter muito mais controle sobre sua saúde. Além do simples fato de que evitaremos aglomerações em serviços de saúde. A saúde chegou para ficar nos celulares.
Diante das notícias internacionais nos convencemos de que era melhor ficar em casa. Um experimento social como nunca visto antes. Escolhemos a vida e achatamos, ou pelo menos alongamos, a curva. Mas ela está longe de estar controlada.
Assim como no resto do mundo, o Brasil está colocando à prova neste momento toda sua cadeia de saúde. Fornecedores de suprimentos, hospitais, operadoras, todos precisarão encontrar uma maneira de se adaptar à nova realidade.
O pânico reacendeu na população a certeza de que a saúde é o bem mais valioso que existe. Para cuidar dela à altura, precisaremos deixar de lado velhas convicções do passado e abraçar os melhores recursos que a tecnologia pode oferecer.
Em contrapartida, imaginemos o potencial desse mar de dados integrados de nossa saúde, hábitos e deslocamentos. Com tanta informação disponível, em alguns países já se discute até mesmo a possibilidade de emitir “certificados de imunidade” para pessoas que foram contaminadas e não apresentam mais sintomas de Covid-19 – isso se confirmado que os anticorpos são duradouros.
Esses cidadãos estariam, por exemplo, liberados do confinamento. A pergunta que fica é: em termos éticos, quais os limites para o uso das informações de saúde das pessoas? Esse será um dos grandes debates depois de sairmos dessa crise. Ao escolhermos a vida, reinterpretaremos a liberdade?
Literalmente, andar livremente nesse mundo novo será a conquista de um período em que fomos obrigados a aprender em poucos meses o que levaríamos anos para planejar e colocar em prática. Não seremos os mesmos, viveremos ainda o medo durante a era pré-Vacina.
O que nos resta é encarar o primeiro degrau. Parar, olhar, respeitar, buscar um apoio e confiantes seguirmos em frente para o próximo passo. Baby steps.
Pra quem será seu primeiro aperto de mão Pós-Covid-19?
Carlos Marinelli é CEO do Grupo Fleury