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A jornada de evolução nos Conselhos do Brasil

É fundamental reforçar a atenção dada à composição do Conselho, que deve ser estruturado a partir de critérios claros, coerentes e intimamente conectados à estratégia do negócio

Uma das soluções é estruturar um processo de integração e capacitação dos novos conselheiros (iStock/iStockphoto)
Uma das soluções é estruturar um processo de integração e capacitação dos novos conselheiros (iStock/iStockphoto)
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Opinião

Publicado em 7 de janeiro de 2021 às, 13h12.

Última atualização em 7 de janeiro de 2021 às, 13h12.

O número de IPOs na Bolsa brasileira aumentou consideravelmente em 2020. O ano deve terminar com quase 30 novas empresas negociando suas ações na B3 e mais de 40 aguardando autorização para fazer suas ofertas iniciais nos próximos meses.

A abertura de capital representa um marco na trajetória das empresas e demanda uma evolução na governança corporativa. O Conselho de Administração, responsável por zelar pela continuidade da empresa, passa a ter um papel ainda mais complexo e fundamental nessas organizações em que o capital é mais pulverizado – sem um grupo de controle como a família fundadora, o governo ou um fundo de private equity. Nesse contexto, é fundamental reforçar a atenção dada à composição do Conselho, que deve ser estruturado a partir de critérios claros, coerentes e intimamente conectados à estratégia do negócio.

Porém, especialmente no Brasil, onde o número de companhias de capital aberto é reduzido – menos de 400 em comparação às mais de 5.000 nos Estados Unidos –, esse tema ainda é novo para muitos empresários, que nem sempre sabem como organizar e gerir um Conselho atuante e eficaz.

A melhor ferramenta para ajudar a aprimorar a atuação do Conselho de Administração é a Avaliação de Eficácia do Conselho, um diagnóstico que ajuda a identificar seus pontos fortes e o que pode melhorar. A partir de 2021, as regras do Novo Mercado da B3 exigirão que as companhias façam e divulguem um processo de avaliação do Conselho, de seus comitês e da diretoria pelo menos uma vez durante a vigência do mandato com o auxílio de um facilitador externo.

A Egon Zehnder foi uma das consultorias pioneiras no mundo a realizar esse tipo de diagnóstico desde a criação do famoso relatório Cadbury de Governança Corporativa no Reino Unido. Desde então, já são mais de 650 processos concluídos globalmente. No Brasil, desde 2010, já foram mais de 70 projetos de busca e avaliações para Conselhos em empresas de capital aberto e fechado, mas a demanda tem aumentado pela exigência do órgão regulador e pela crescente complexidade do mandato, que faz muitos Presidentes de Conselho enxergarem o valor de um diagnóstico externo.

Nesse tipo de projeto, tipicamente três dimensões são avaliadas: os processos, que incluem agenda e fluxo de informações; a dinâmica, que aborda a qualidade das discussões e a tomada de decisão; e a composição, que trata das competências e características interpessoais dos conselheiros, incluindo uma avaliação de cada um com a impressão dos pares e autoavaliação. Esse diagnóstico assegura um olhar externo para a atuação do Conselho, que melhora a governança da empresa e serve como ferramenta de desenvolvimento para os conselheiros – pessoas que, nessa posição e etapa da carreira, dificilmente contam com alguém para lhes dar um feedback honesto sobre sua atuação nesse papel tão importante.

A experiência em dezenas de projetos similares nos últimos dez anos no país nos levou a identificar quais são, em nossa visão, os maiores desafios dos Conselhos das companhias nacionais. A seguir, compartilhamos algumas reflexões sobre os maiores dilemas com os quais nos deparamos nessas revisões.

Operação ou estratégia?

Na grande maioria dos projetos de avaliação realizados no Brasil, identificamos a dificuldade de equilibrar o envolvimento na operação e nas questões de curto prazo com a dedicação a pautas estratégicas e de mais longo prazo. “Gastamos mais tempo em sermos informados sobre o andamento das operações, enquanto alguns debates importantes ficam espremidos”, definiu um conselheiro. Esse desafio não é apenas local, sendo também um desafio comum em projetos globais conduzidos pela consultoria, mas por aqui há alguns fatores que acentuam essa tendência e fazem com que essa seja a pauta mais frequente.

Um deles é a realização de encontros mensais. Em outros países, as reuniões geralmente são trimestrais. Com esse ritmo forte, o risco de se concentrar no resultado de curto prazo e nas decisões de negócio é maior. Outra razão é a cultura de delegar as decisões para cima, especialmente se os executivos forem menos experientes, como tem sido cada vez mais a tônica nas organizações de alto turnover ou de crescimento acelerado. Além disso, o fato de a estratégia ser um assunto mais amplo e complexo, que pode levar a caminhos pouco confortáveis para a organização, exige uma ousadia maior dos conselheiros. Por fim, vale considerar que estamos em um país com muitas crises. As oscilações do mercado e os problemas institucionais demandam revisões constantes de estratégia. Nesses momentos, o Conselho se aproxima mais da empresa e se concentra no que é urgente.

Para endereçar esse dilema, geralmente sugere-se que o Conselho reveja seus processos, como a agenda e a pauta das reuniões. O presidente do Conselho tem o papel fundamental de colocar temas mais estratégicos e menos operacionais nas discussões. É preciso também observar a dinâmica entre os conselheiros e o management, para que os papéis não se misturem, e fazer uma composição com conselheiros de perfis complementares, sem a tendência de querer operar o negócio. Há uma frase em inglês que define bem essa divisão: o Conselho deve ter “nose in, hands out”, ou seja, deve estar sempre farejando os problemas, sem colocar a mão na massa, com a função de direcionar e supervisionar, não de gerenciar.

O valor de conhecer o negócio

Um segundo desafio comum, que aparece em metade das avaliações conduzidas no Brasil, é o grau de profundidade que os conselheiros têm sobre o negócio ou o setor. Nem todos são especialistas no segmento em que a companhia atua, o que torna mais difícil opinar nas reuniões. “Falta mais conhecimento do Conselho sobre a empresa e isso toma tempo para tomarmos algumas decisões”, ouvimos com frequência dos conselheiros e dos próprios CEOs.

Superar esse desconhecimento passa com frequência por enfrentar uma barreira cultural. Existe um receio de pedir para um profissional muito qualificado, que geralmente já foi um CEO, gastar seu precioso tempo para conhecer sobre aquele negócio específico. As empresas não estruturam um onboarding eficaz para situar os conselheiros sobre a empresa e seu setor e, em alguns casos, mesmo quando pedido por eles, têm dificuldade de fazer um mergulho – algo que se agravou consideravelmente durante a pandemia pela impossibilidade de se fazerem visitas presenciais. As reuniões virtuais permitiram um aumento de interações sem deslocamento, mas impediram visitas a fábricas, clientes e escritórios, o que torna mais difícil entender o real clima da organização.

Os conselheiros deveriam ser mais bem preparados, o que só é possível com o esforço dos dois lados: os membros do Conselho precisam ter mais disponibilidade e o management precisa organizar conteúdos e encontros para transmitir tal conhecimento, isso tudo orquestrado pelo presidente do Conselho. É importante que os conselheiros conheçam os executivos de várias áreas, não apenas o CEO e o CFO.

Uma das soluções é estruturar um processo de integração e capacitação dos novos conselheiros. Outra é realizar sessões informais de aprofundamento com executivos, para que expliquem suas áreas e as iniciativas em cada uma, ou criar uma rotina de visita a campo. Além disso, alguns Conselhos atualmente complementam a falta de conhecimento específico convidando especialistas para atuarem nos comitês, que apoiam a discussão dos conselheiros.

Diversidade para enriquecer a discussão

Outro dilema é a composição do grupo. Como reunir as pessoas certas para discutir as questões relacionadas ao momento da empresa? Não é raro encontrar profissionais que foram excelentes CEOs e, ao assumirem a presidência do Conselho, têm dificuldade de mudar o comportamento operacional para o estratégico, exigido pela nova função. A composição também passa pela atenção à sucessão, um tema geralmente abordado de forma pouco estruturada: os apontamentos são feitos em cima da troca do mandato sem considerar exatamente quais competências ou experiências podem ser complementares.

Para muitos Conselhos, aqui e lá fora, falta maior diversidade. É uma pauta ainda pouco abordada durante as avaliações, mas que tem sido cada vez mais demandada pelos investidores. A mais comum nos últimos anos tem sido a de gênero. Para se ter uma ideia, de todas as contratações de conselheiros feitas pela Egon Zehnder no Brasil nos últimos dois anos, 55% foram mulheres. Porém, apenas 10% das vagas de Conselho no Brasil são ocupadas por mulheres, segundo o IBGC.

Se, há alguns anos, a prioridade era reunir especialistas em Conselhos e pessoas seniores para dar credibilidade aos processos de governança, agora, a tendência é mesclar executivos tradicionais com gente que, de fato, tenha promovido a disrupção, seja mais familiarizada com o digital, seja jovem, tenha origens diversas, traga frescor e ideias para a empresa se reinventar ou ganhar uma nova perspectiva sobre sua atuação.

Comando com qualidade e energia

Um último aprendizado sobre a construção de Conselhos eficazes é a importância de seu presidente. Como em qualquer organização, o bom desempenho depende da liderança. Percebemos nas avaliações realizadas globalmente que há uma forte correlação entre a avaliação do e da eficácia do Conselho.

Essa figura tem um papel importantíssimo para construir credibilidade, levar energia, dar tração ao trabalho e atrair as melhores pessoas. Características que contribuem para um trabalho fora da curva são o inconformismo, a vontade de aprender, o entusiasmo pelo desafio e a capacidade de dar voz e valorizar o conhecimento de todos os conselheiros.

Para que tanto os conselheiros individualmente como o Conselho como grupo possa melhorar sua atuação e lidar com esses desafios, a Avaliação de Eficácia do Conselho é muito valiosa. Afinal, a solução de um problema sempre parte de um bom diagnóstico. Claro, enfrentar dilemas não é um exercício simples e envolve superar o receio da exposição. Mas contar com um parceiro experiente para apoiar a discussão torna mais fácil lidar com assuntos difíceis. Ao final, o processo motiva os conselheiros a refletirem e ajustarem seu comportamento em face aos desafios que a empresa enfrenta, assim como apresenta um plano de ação com as oportunidades de aprimoramento. Um Conselho excelente é, acima de tudo, aquele que busca sua melhoria contínua.