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A inteligência artificial chinesa já está no Brasil — e não mais na forma de softwares como Deepseek

O ciclo da IA como serviço está dando lugar a uma nova era: IA como objeto. E, nesse campo, a China opera com uma vantagem quase intransponível

Robô (Yaroslav Kushta/Getty Images)

Robô (Yaroslav Kushta/Getty Images)

Publicado em 28 de junho de 2025 às 08h49.

Última atualização em 4 de julho de 2025 às 08h52.

Por In Hsieh*

Quando falamos de IA, o pensamento imediato no Ocidente ainda se limita a nomes como ChatGPT, Google Gemini, Meta AI ou Claude. Na cabeça da maioria, IA continua sendo um

conceito abstrato, restrito a softwares, assistentes virtuais e ferramentas baseadas na nuvem.

Mas, enquanto se discute algoritmos, prompts e modelos generativos hospedados a quilômetros de distância, um movimento muito mais tangível, silencioso e transformador vem

ganhando escala — e não nasce no Vale do Silício. Surge no outro lado do mundo, na China.

Essa nova revolução da IA não acontece na tela. Ela acontece na sua mão, no seu bolso e no seu ambiente de trabalho. Ela é física.

É uma IA que não depende de APIs, nem de servidores externos. Ela está embarcada diretamente em objetos — onde hardware, chip e modelo de IA formam um único organismo

inteligente, capaz de operar de forma autônoma, local, offline.

Ao contrário dos assistentes baseados na nuvem, essa nova geração roda diretamente dentro de dispositivos físicos: câmeras, drones, smartphones, gravadores, wearables, robôs e uma nova classe de gadgets que literalmente colocam IA para funcionar no mundo real. O fenômeno não é previsão — é presente.

  • A Insta360, líder global em câmeras inteligentes, desenvolveu modelos capazes de filmar, editar, cortar e gerar roteiros automaticamente, aplicando IA embarcada que entende contexto, rostos, movimentos e cenários — sem depender da nuvem.
  • A startup Plaud, que viralizou em 2025 com o Plaud Note, criou um gravador de bolso que faz transcrição, tradução multilíngue e resumos automáticos, rodando IA diretamente no chip. Foram mais de 300 mil unidades vendidas em menos de cinco meses, colocando o dispositivo como um dos maiores fenômenos de consumo tech do ano.
  • DJI, há anos referência mundial em drones, incorporou IA avançada para gerar mapeamento de terrenos, reconhecimento de objetos, planejamento de rotas e desvio de obstáculos — tudo operando de forma independente, sem supervisão constante.
  • Smartphones topo de linha, como o Xiaomi 14 Ultra, Honor Magic6 Pro e o novo Huawei Pura 70 Ultra, já operam modelos LLM embarcados, permitindo que usuários façam tradução simultânea offline, resumos instantâneos, geração de texto, edição inteligente de fotos e até criação de imagens — direto no aparelho.

Vantagem cultural

Se na primeira onda da inteligência artificial quem comandou foram as big techs ocidentais, agora o jogo virou. A liderança pertence a quem domina não só algoritmos, mas também fabricação, cadeia de suprimentos, integração de hardware e capacidade de escalar produção física. E, nesse campo, a China opera com uma vantagem quase intransponível.

Essa não é apenas uma vantagem tecnológica. É também industrial, logística e cultural. O que parecia coisa de ficção — dispositivos que traduzem, gravam, entendem, editam e

automatizam tarefas físicas no mundo real — tornou-se acessível, escalável e, cada vez mais, indispensável.

Essa realidade ficou explícita durante a BEYOND Expo 2025, maior evento de inovação da Ásia, realizado em maio em Macau. Enquanto que em eventos como WebSummit e SXSW, boa

parte das empresas ocidentais ainda exibiu IA em telões, slides e apresentações conceituais, as empresas asiáticas exibiam IA funcionando, de forma palpável, dentro de

produtos — seja em robôs, câmeras, fones, carros, wearables ou devices corporativos.

Esse movimento não é uma previsão futura nem uma tendência distante. Ele já está acontecendo aqui. Agora.

Empresas e profissionais no Brasil estão, muitas vezes sem se dar conta, começando a utilizar dispositivos inteligentes que incorporam IA local: Câmeras que não apenas gravam, mas editam, enquadram e publicam automaticamente; gravadores de bolso como o Plaud Note, que capturam reuniões, audiências e entrevistas, fazem a transcrição, traduzem em tempo real e ainda geram resumos organizados de forma automática; drones agrícolas, industriais e logísticos que mapeiam áreas, identificam falhas e operam sozinhos, sem controle remoto ativo; e robôs de entrega, segurança ou hospitalidade, já em operação em hotéis, centros de distribuição, condomínios e universidades brasileiras.

E o que vem pela frente vai muito além: assistentes pessoais físicos, dispositivos vestíveis inteligentes, equipamentos industriais e logísticos dotados de IA e uma nova geração de produtos corporativos capazes  As maiores oportunidades não estão apenas na importação ou revenda desses dispositivos. Elas estão em integrar, tropicalizar, customizar e construir soluções e serviços locais sobre essa camada física da IA.

Para empresas brasileiras, isso abre possibilidades imediatas:

  • Criar serviços especializados, como configuração, treinamento, suporte técnico, manutenção e adaptação dos devices para o mercado nacional.
  • Automatizar suas próprias operações, substituindo processos manuais, reduzindo custos operacionais e ganhando eficiência em áreas como varejo, agronegócio, logística, saúde, educação e segurança.
  • Desenvolver produtos híbridos, combinando hardware e IA embarcada, seja em parceria com fabricantes asiáticos, startups de deep tech ou centros de pesquisa e inovação locais.

De Shenzhen, o Vale do Silício do Hardware, até Yiwu, o maior centro global de suprimentos para e-commerce, microempreendedores, lojistas e pequenos fabricantes estão criando dispositivos inteligentes de nicho, combinando IA de código aberto, hardware modular, sensores e manufatura ágil.

Se lá até um pequeno comerciante do outro lado do mundoé capaz de criar um produto inteligente, por que aqui seria diferente? A tecnologia está acessível. O mercado está pronto. Falta apenas quem perceba isso antes dos outros.

O ciclo da IA como serviço está dando lugar a uma nova era: IA como objeto.

*Acelerador de negócios digitais e investimentos entre Brasil e China.

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