A elite urbana dos EUA rejeitou Trump; a brasileira abraça Bolsonaro
Os nossos liberais, representados na elite econômica, são mais tolerantes com a intolerância? Essa é a pergunta mais perturbadora da eleição
Da Redação
Publicado em 8 de outubro de 2018 às 06h35.
Última atualização em 8 de outubro de 2018 às 13h11.
Escrevo esse artigo no momento em que as eleições brasileiras encerraram a sua apuração e também fortemente impactado pelo excelente texto de Marcos Lisboa sobre o liberal inglês John Stuart Mill, publicado domingo em vários jornais. Com a sua maestria habitual, Lisboa faz o triste diagnóstico que “o desolador é constatar que a brutalidade que indignou Mill há 150 anos ainda continua na ordem do dia. Neste país que flerta com o retrocesso, alguns autodenominados liberais se dizem saudosos da ditadura, em meio a manifestações intolerantes com a divergência e as minorias.”
Nessa nossa eleição altamente atípica tornou-se lugar comum comparar o fenômeno de Bolsonaro com o que ocorreu com Trump nas eleições americanas em 2016. Vou desconsiderar aspectos ideológicos de debater se o pensamento deles seria verdadeiramente de direita e/ou liberal, que não são o objetivo desse artigo, e me concentrar no ponto que Lisboa levantou de manifestações de intolerância com a divergência e as minorias.
De fato, nesse aspecto não se pode negar que Bolsonaro e Trump tenham uma longa história de conduta similar, especialmente nesse ponto das minorias. Não estou fazendo julgamento de valor nem uma constatação que por conta disso os candidatos seriam melhores ou piores para os seus Países, estou apenas constatando o factual observável. Até aí nada de mais, diria o leitor.
A análise começa a ficar interessante quando comparamos a votação de Trump em Manhattan, maior concentração de milionários dos Estados Unidos, onde ele teve apenas 11% dos votos, com o desempenho de Bolsonaro nas nossas “Manhattans”, os Jardins em São Paulo e Barra da Tijuca no Rio de Janeiro, onde o capitão atingiu mais de 50% e 60%, respectivamente, já no primeiro turno quando tínhamos vários candidatos disponíveis.
O que esses números querem dizer? Obviamente é complicado comparar as duas informações sendo as eleições tão diferentes e em Países tão distintos. Entretanto uma hipótese precisa ser levantada: não seria a nossa elite econômica substancialmente diferente da elite da Manhattan original em termos comportamentais e de valores?
Como Marcos Lisboa ensaiou em seu diagnóstico, eu completo: não é o caso dos nossos liberais, representados na elite econômica, serem mais tolerantes com a intolerância? Essa é uma pergunta muito mais perturbadora do que quem vai ganhar as eleições, pois acredito que o País sobrevive a qualquer um, mesmo com eventuais recuos econômicos, o problema é sobreviver a esse diagnóstico sobre a nossa elite econômica.
Sem uma elite tolerante com as minorias e alinhada com o mundo contemporâneo fica muito difícil construir um País desenvolvido, ou alguém acha que Manhattan é o que é por acaso? Falo aqui das elites econômicas e não dos candidatos. Torço, um tanto descrente, para que seja apenas um ponto fora da curva levado pelas emoções de eleições muito polarizadas.
*Paulo Dalla Nora Macêdo é investidor em energia renovável e tem MBA pelo INSEAD
Escrevo esse artigo no momento em que as eleições brasileiras encerraram a sua apuração e também fortemente impactado pelo excelente texto de Marcos Lisboa sobre o liberal inglês John Stuart Mill, publicado domingo em vários jornais. Com a sua maestria habitual, Lisboa faz o triste diagnóstico que “o desolador é constatar que a brutalidade que indignou Mill há 150 anos ainda continua na ordem do dia. Neste país que flerta com o retrocesso, alguns autodenominados liberais se dizem saudosos da ditadura, em meio a manifestações intolerantes com a divergência e as minorias.”
Nessa nossa eleição altamente atípica tornou-se lugar comum comparar o fenômeno de Bolsonaro com o que ocorreu com Trump nas eleições americanas em 2016. Vou desconsiderar aspectos ideológicos de debater se o pensamento deles seria verdadeiramente de direita e/ou liberal, que não são o objetivo desse artigo, e me concentrar no ponto que Lisboa levantou de manifestações de intolerância com a divergência e as minorias.
De fato, nesse aspecto não se pode negar que Bolsonaro e Trump tenham uma longa história de conduta similar, especialmente nesse ponto das minorias. Não estou fazendo julgamento de valor nem uma constatação que por conta disso os candidatos seriam melhores ou piores para os seus Países, estou apenas constatando o factual observável. Até aí nada de mais, diria o leitor.
A análise começa a ficar interessante quando comparamos a votação de Trump em Manhattan, maior concentração de milionários dos Estados Unidos, onde ele teve apenas 11% dos votos, com o desempenho de Bolsonaro nas nossas “Manhattans”, os Jardins em São Paulo e Barra da Tijuca no Rio de Janeiro, onde o capitão atingiu mais de 50% e 60%, respectivamente, já no primeiro turno quando tínhamos vários candidatos disponíveis.
O que esses números querem dizer? Obviamente é complicado comparar as duas informações sendo as eleições tão diferentes e em Países tão distintos. Entretanto uma hipótese precisa ser levantada: não seria a nossa elite econômica substancialmente diferente da elite da Manhattan original em termos comportamentais e de valores?
Como Marcos Lisboa ensaiou em seu diagnóstico, eu completo: não é o caso dos nossos liberais, representados na elite econômica, serem mais tolerantes com a intolerância? Essa é uma pergunta muito mais perturbadora do que quem vai ganhar as eleições, pois acredito que o País sobrevive a qualquer um, mesmo com eventuais recuos econômicos, o problema é sobreviver a esse diagnóstico sobre a nossa elite econômica.
Sem uma elite tolerante com as minorias e alinhada com o mundo contemporâneo fica muito difícil construir um País desenvolvido, ou alguém acha que Manhattan é o que é por acaso? Falo aqui das elites econômicas e não dos candidatos. Torço, um tanto descrente, para que seja apenas um ponto fora da curva levado pelas emoções de eleições muito polarizadas.
*Paulo Dalla Nora Macêdo é investidor em energia renovável e tem MBA pelo INSEAD