A bagunça mercantilista de Trump
O comércio internacional estimula a economia ao incentivar que os países foquem sua produção no que fazem de melhor, mas o presidente Trump ignora isso
Da Redação
Publicado em 11 de setembro de 2019 às 14h42.
CAMBRIDGE – Quando o presidente dos EUA, Donald Trump, fez uma piada em março de 2018 dizendo que “guerras comerciais são boas, e fáceis de ganhar”, muita gente desconsiderou a afirmação como um floreio praticamente inofensivo. Será que era mesmo?
O motivo pelo qual países se envolvem com o comércio internacional é para conseguir importações – de bens de consumo, bens intermediários usados na produção e bens de capital – em troca de exportações. Posto desta maneira, as exportações simplesmente representam as mercadorias das quais os americanos estão dispostos a abrir mão para adquirir alguma coisa que eles querem ou precisam.
Porém, o comércio internacional também estimula, no geral, o tamanho da torta econômica como um todo, uma vez que significa que os países podem manter o foco em fazer o que quer que façam de melhor, produzindo bens em áreas nas quais são relativamente mais produtivos. De acordo com a teoria da vantagem comparativa de David Ricardo, as forças relativas dos países vêm das diferenças em dotações de fatores. Além disso, como os economistas Paul Krugman e Elhanan Helpman mostraram na década de 80, as forças relativas dos países também estão relacionadas aos investimentos destas nações em várias áreas de especialização.
Ao adotar um modelo mercantilista primitivo no qual exportações são “boas” e importações “ruins”, Trump está revertendo esta lógica econômica impecável. Em um modelo mercantilista, um excesso de exportações sobre importações contribui para a riqueza nacional por meio da acumulação de créditos de papel (anteriormente, ouro). Parece ser isto o que Trump tem em mente quando reclama que a China está drenando 500 bilhões de dólares por ano da economia dos EUA, principalmente ao trocar bens chineses por títulos do Tesouro americano. Não é preciso nem dizer que é difícil entender de que forma “perder” se relaciona a receber um grande volume de mercadorias de alta qualidade a um custo baixo.
Trump parece estar se baseando em uma teoria defendida por seu assessor comercial Peter Navarro, que vem notando que as importações aparecem com um sinal de menos no relatório de identificação preenchido pelo PIB. (Isto é, o PIB é igual ao consumo menos o investimento interno mais exportações menos importações.) Disso ele concluiu que uma redução tarifária sobre as importações irá magicamente levar a uma alta na produção doméstica (PIB), o que atende à demanda que antes era satisfeita pelas importações. Não importa que a garantia de retaliação vá levar a uma contração no comércio global internacional e no PIB dos EUA. (Por falar nisso, espero que Navarro não tenha aprendido macroeconomia internacional quando fez seu doutorado em Harvard no começo dos anos 80 com Richard Caves, que tinha ideias muito diferentes.)
Sem dúvida, é certamente verdade que a China restringe o comércio internacional e impõe altos custos no investimento estrangeiro, em geral forçando empresas do exterior a transferir tecnologia para seus parceiros chineses. O roubo descarado de tecnologia por entidades chinesas também é uma questão importante. Seria melhor para o mundo – e quase com certeza para a China também – que estas práticas restritivas fossem eliminadas. No entanto, se o objetivo dos EUA é diminuir barreiras comerciais, impor tarifas às importações chinesas é um jeito estranho de fazer isso.
Claro, houve um momento há alguns meses em que a China parecia disposta a implementar reformas significativas como parte de um acordo para evitar tarifas olho por olho. Mas mesmo naquela época, havia algo estranho com o arranjo proposto: o governo Trump queria uma lista quantitativa das exportações específicas que a China passaria a importar em volume maior.
Os chineses, é claro, estavam satisfeitos em prosseguir desta maneira, já que isso está de acordo com o modelo de governança econômica de comando e controle. Porém, o que se supõe é que a abordagem americana seja diferente. Por reconhecer que nós não sabemos se as compras da China devem acontecer na forma de produtos agrícolas, caminhonetes da Ford ou aeronaves da Boeing (que costumavam ser consideradas confiáveis), os Estados Unidos deveriam estar defendendo uma redução geral dos impostos e de outras restrições comerciais para que o mercado pudesse decidir que mercadorias deveriam ser produzidas e comercializadas.
Em todo caso, hoje parece provável que os EUA não terão alternativa a não ser uma guerra comercial longa, o que implica em custos de longo prazo para os consumidores e empresas americanas. Apesar dos efeitos ainda favoráveis da reforma tributária de 2017 e dos cortes do governo a regulamentações prejudiciais, o crescimento está enfraquecendo, e Trump está tentando – futilmente – colocar a culpa no Federal Reserve americano e nas empresas improdutivas dos EUA. O problema real é a abordagem de Trump à política comercial, que é muito pior do que a de seu antecessor, e pode muito bem empurrar a economia americana para uma recessão.
O problema, em linhas gerais, é que o status quo político dos EUA está chegando a um consenso de que algo deve ser feito para conter as práticas comerciais restritivas da China. No entanto, às vezes é melhor conviver com uma situação que está longe de ser a ideal.
Quanto a Trump, ele parece genuinamente adorar impostos, já que eles impedem importações “ruins” e aumentam a receita. Ao contrário dos outros argumentos econômicos que ele vem apresentando, sua defesa das tarifas aparentemente é sincera, e portanto, seu comprometimento com essa política econômica é irrevogável. Porém, isso torna difícil ver como os EUA podem chegar a um acordo comercial satisfatório com a China. Pior: Trump pode ampliar ainda mais seu uso das tarifas como ferramentas de negociação com vários outros países.
Apesar de tudo, eu não diria que Trump tem o menor “QI econômico” entre os presidentes recentes. Mas há claramente um enorme abismo entre o que ele sabe e o que ele pensa que sabe. Uma vez que é este último que determina a política comercial americana, os EUA têm um problema sério nas mãos.
CAMBRIDGE – Quando o presidente dos EUA, Donald Trump, fez uma piada em março de 2018 dizendo que “guerras comerciais são boas, e fáceis de ganhar”, muita gente desconsiderou a afirmação como um floreio praticamente inofensivo. Será que era mesmo?
O motivo pelo qual países se envolvem com o comércio internacional é para conseguir importações – de bens de consumo, bens intermediários usados na produção e bens de capital – em troca de exportações. Posto desta maneira, as exportações simplesmente representam as mercadorias das quais os americanos estão dispostos a abrir mão para adquirir alguma coisa que eles querem ou precisam.
Porém, o comércio internacional também estimula, no geral, o tamanho da torta econômica como um todo, uma vez que significa que os países podem manter o foco em fazer o que quer que façam de melhor, produzindo bens em áreas nas quais são relativamente mais produtivos. De acordo com a teoria da vantagem comparativa de David Ricardo, as forças relativas dos países vêm das diferenças em dotações de fatores. Além disso, como os economistas Paul Krugman e Elhanan Helpman mostraram na década de 80, as forças relativas dos países também estão relacionadas aos investimentos destas nações em várias áreas de especialização.
Ao adotar um modelo mercantilista primitivo no qual exportações são “boas” e importações “ruins”, Trump está revertendo esta lógica econômica impecável. Em um modelo mercantilista, um excesso de exportações sobre importações contribui para a riqueza nacional por meio da acumulação de créditos de papel (anteriormente, ouro). Parece ser isto o que Trump tem em mente quando reclama que a China está drenando 500 bilhões de dólares por ano da economia dos EUA, principalmente ao trocar bens chineses por títulos do Tesouro americano. Não é preciso nem dizer que é difícil entender de que forma “perder” se relaciona a receber um grande volume de mercadorias de alta qualidade a um custo baixo.
Trump parece estar se baseando em uma teoria defendida por seu assessor comercial Peter Navarro, que vem notando que as importações aparecem com um sinal de menos no relatório de identificação preenchido pelo PIB. (Isto é, o PIB é igual ao consumo menos o investimento interno mais exportações menos importações.) Disso ele concluiu que uma redução tarifária sobre as importações irá magicamente levar a uma alta na produção doméstica (PIB), o que atende à demanda que antes era satisfeita pelas importações. Não importa que a garantia de retaliação vá levar a uma contração no comércio global internacional e no PIB dos EUA. (Por falar nisso, espero que Navarro não tenha aprendido macroeconomia internacional quando fez seu doutorado em Harvard no começo dos anos 80 com Richard Caves, que tinha ideias muito diferentes.)
Sem dúvida, é certamente verdade que a China restringe o comércio internacional e impõe altos custos no investimento estrangeiro, em geral forçando empresas do exterior a transferir tecnologia para seus parceiros chineses. O roubo descarado de tecnologia por entidades chinesas também é uma questão importante. Seria melhor para o mundo – e quase com certeza para a China também – que estas práticas restritivas fossem eliminadas. No entanto, se o objetivo dos EUA é diminuir barreiras comerciais, impor tarifas às importações chinesas é um jeito estranho de fazer isso.
Claro, houve um momento há alguns meses em que a China parecia disposta a implementar reformas significativas como parte de um acordo para evitar tarifas olho por olho. Mas mesmo naquela época, havia algo estranho com o arranjo proposto: o governo Trump queria uma lista quantitativa das exportações específicas que a China passaria a importar em volume maior.
Os chineses, é claro, estavam satisfeitos em prosseguir desta maneira, já que isso está de acordo com o modelo de governança econômica de comando e controle. Porém, o que se supõe é que a abordagem americana seja diferente. Por reconhecer que nós não sabemos se as compras da China devem acontecer na forma de produtos agrícolas, caminhonetes da Ford ou aeronaves da Boeing (que costumavam ser consideradas confiáveis), os Estados Unidos deveriam estar defendendo uma redução geral dos impostos e de outras restrições comerciais para que o mercado pudesse decidir que mercadorias deveriam ser produzidas e comercializadas.
Em todo caso, hoje parece provável que os EUA não terão alternativa a não ser uma guerra comercial longa, o que implica em custos de longo prazo para os consumidores e empresas americanas. Apesar dos efeitos ainda favoráveis da reforma tributária de 2017 e dos cortes do governo a regulamentações prejudiciais, o crescimento está enfraquecendo, e Trump está tentando – futilmente – colocar a culpa no Federal Reserve americano e nas empresas improdutivas dos EUA. O problema real é a abordagem de Trump à política comercial, que é muito pior do que a de seu antecessor, e pode muito bem empurrar a economia americana para uma recessão.
O problema, em linhas gerais, é que o status quo político dos EUA está chegando a um consenso de que algo deve ser feito para conter as práticas comerciais restritivas da China. No entanto, às vezes é melhor conviver com uma situação que está longe de ser a ideal.
Quanto a Trump, ele parece genuinamente adorar impostos, já que eles impedem importações “ruins” e aumentam a receita. Ao contrário dos outros argumentos econômicos que ele vem apresentando, sua defesa das tarifas aparentemente é sincera, e portanto, seu comprometimento com essa política econômica é irrevogável. Porém, isso torna difícil ver como os EUA podem chegar a um acordo comercial satisfatório com a China. Pior: Trump pode ampliar ainda mais seu uso das tarifas como ferramentas de negociação com vários outros países.
Apesar de tudo, eu não diria que Trump tem o menor “QI econômico” entre os presidentes recentes. Mas há claramente um enorme abismo entre o que ele sabe e o que ele pensa que sabe. Uma vez que é este último que determina a política comercial americana, os EUA têm um problema sério nas mãos.