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Um Salto Quântico no Cérebro Global

Coronavirus: uma oportunidade de evolução? Acompanhe o entrelaçamento de ideias de dois gigantes - Ervin Laszlo e Yuval Harari.

 (Bret Kavanaugh via Unsplash/Site Exame)
(Bret Kavanaugh via Unsplash/Site Exame)
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Publicado em 5 de abril de 2020 às, 08h30.

Última atualização em 13 de dezembro de 2020 às, 10h43.

“Um Salto Quântico no Cérebro Global” - esse é o título de um dos livros de Ervin Laszlo que me inspira a escrever essa matéria, hoje, dia 03 de Abril de 2020. 

Laszlo é, ao meu ver, uma das grandes mentes do nosso tempo. Filósofo, cientista interdisciplinar e indicado duas vezes ao prêmio Nobel da Paz, em seu livro, faz uma série de indicações sobre muitos dos contextos que estamos vivendo no mundo hoje. Sem dúvida estamos imersos em uma das crises de maior impacto em nossa sociedade contemporânea, necessitando daquilo que ele batizou como “salto quântico no cérebro global”. Hoje, mais de um terço da população mundial está confinada em suas casas, enquanto aguarda as diretrizes para o final da crise e palpita sobre os efeitos da prolongada quarentena. 

Para iniciar a matéria, compartilho um dos pensamentos de Ervin: “Defrontamo-nos com uma nova realidade, tanto individual como coletivamente. A mudança se dá porque o mundo humano tornou-se instável e não mais sustentável. Mas a revolução da realidade abriga uma oportunidade única: essa é a primeira década da história que nos oferece a escolha entre ser a última de um mundo desvanecente e obsoleto, ou a primeira década de um mundo novo e viável. A realidade emergente é radicalmente nova, intrinsecamente surpreendente e anteriormente imprevista. Vivemos a era da macromudança.”

Parece que foi escrito “ontem” tamanha a sintonia fina com o momento atual, mas o livro teve sua primeira publicação em 2008. As antenas de Laszlo já estavam mais do que sintonizadas em uma nova e emergente necessidade de mudanças globais em larga escala. 

Mal entramos em Abril e hoje, mais do que nunca em nossa história, vivemos o real sentido da palavra interconexão. Para quem ainda duvidava que o mundo e a humanidade estivessem entrelaçados, o COVID-19 veio validar. Além do sentido de interconexão, em pouquíssimo tempo, esse, que é um inimigo “invisível”, sublinhou o significado de diversos conceitos de nossa contemporaneidade: complexidade, exponencialidade, macromudança, interdependência…

O tecido global está sofisticadamente entrelaçado e para puxar o fio desse novelo em que nos encontramos, somente pensamentos e soluções que se originem sob o mesmo viés de sofisticação podem nos auxiliar. Para uma solução nessa escala, precisamos da ajuda de pensadores, filósofos, sociólogos, economistas e outros tantos experts que tenham uma visão igualmente global, ou; do Holos (todo).

Chegou a hora de mais uma mudança: de uma civilização de Logos (Razão) para uma civilização de Holos (todo). Atingir uma civilização de Holos significa passar por uma transformação que é única na História, mas que é mais rápida do que qualquer transformação que tenha ocorrido no passado.” - alerta Ervin Laszlo

Interessante é que Yuval Harari - historiador e autor de “Sapiens” e “Homo Deus”, outra mente brilhante do nosso século, esses dias publicou no Financial Times um artigo sobre a crise entitulado: “The world after Coronavirus” - O mundo depois do Coronavirus. Entre muitas observações extremamente ricas e interessantes, faz uma abordagem sobre algumas escolhas importantes que - enquanto humanidade, teremos que passar a fazer. Um dos pontos que me chamou atenção, e está alinhado ao pensamento desse texto, foi o que ele pontua como escolha entre o isolamento nacionalista e a solidariedade global. A provocação nos faz pensar em qual é o lado desse dilema que queremos estar.

Yuval começa seu texto dizendo: “Humanidade está se deparando com uma crise global. Talvez a maior crise de nossa geração.” E pontua que “As decisões tomadas por pessoas e governos nas próximas semanas, provavelmente irão moldar o mundo nos próximos anos. Irão moldar, não apenas nossos sistemas de saúde, mas também nossa economia, política e cultura.”. Essa é a macromudança em escala global tão falada por Laszlo nos últimos anos. Agora ela é fato e se faz necessária. Quando as portas se abrirem novamente, o mundo tenderá a uma nova configuração. Boa? Ruim? Algum palpite? Por mais que façamos previsões, a complexidade do tecido social e da cultura global não nos deixa enxergar com facilidade. 

Antes de seguir, quero ainda acrescentar mais um elemento para nossa análise, volto então aos ensinamentos de Ervin Laszlo. Em seu livro ele traz a imagem de um momento da escalada evolutiva batizado de “Ponto de Bifurcação”. Para o filósofo, esse é um momento chave com o qual tudo que está vivo e evolui se depara:

(Walk and Talk/Site Exame)

Diante desse ponto na trajetória evolutiva, as possibilidades são: o salto ou o colapso do objeto, seja ela pertencente ao macro ou microcosmo. Essa tese ajuda a explicar o fato, por exemplo, da extinção de mais de 90% dos seres vivos que já existiram em nosso planeta. Em um ponto de sua evolução, diversas espécies não seguiram em sua jornada evolutiva, portanto, colapsaram. Esse ponto dual também explica a ruína de diversas sociedades como o antigo Império Romano, as civilizações Maia e Inca e até as exímias civilizações Grega e Egípcia, que hoje, guardam apenas fragmentos de sua cultura ancestral. O macrocosmo, através de seus corpos celestes também segue a mesma regra. Isso sem esquecer de toda a forma humana antecedente a nós Sapiens - sobre esse tema, Yuval Harari é mestre. Todas colapsaram. O caminho do salto também foi recorrente diversas vezes em nossa história: saltamos na passagem da Idade Média para o Renascimento, novamente no movimento Iluminista abrindo caminho para as ciências, assim por diante. Nós Sapiens, mesmo em um movimento não linear, fomos subindo e descendo a ladeira da evolução, mas caminhamos adiante.

Agora nos encontramos diante de outro ponto de bifurcação em nossa história. Ou saltamos e seguimos em nosso processo evolutivo, ou podemos estar à beira de um colapso. Sou uma otimista de carteirinha, então, me posiciono no grupo daqueles que querem subir uma oitava, mas dependerá de nossa escolha coletiva o caminho a seguir.

Ervin faz um alerta interessante dizendo que no caso de nossa sociedade moderna, justamente por seu alto grau de interconexão e complexidade, esse ponto de bifurcação não seria mais em escala regional - como em outros momentos da história (Renascimento, Iluminismo, etc…), mas pela primeira vez em escala mundial. Laszlo já predizia que o próximo ponto de bifurcação na jornada histórica exigiria um salto global como antídoto para o colapso. Com esse, que não é um pequeno adendo, nosso palpite sobre o futuro fica ainda mais acalorado. Ou todos saltamos, ou o futuro pode virar um borrão ainda mais nebuloso.

Em ressonância com Laszlo, Yuval Harari também aponta o caminho da solidariedade global como a melhor escolha que temos nas mãos: “Em primeiro lugar, para vencer o vírus, precisamos compartilhar informações globais. Essa é a grande vantagem dos humanos sobre os vírus. Um coronavírus na China e um coronavírus nos Estados Unidos não podem trocar conselhos sobre como infectar seres humanos. Mas a China pode ensinar aos Estados Unidos muitas lições valiosas sobre o coronavírus e como tratá-lo. O que um médico italiano descobre em Milão logo de manhã pode muito bem salvar vidas em Teerã ao entardecer. Quando o governo do Reino Unido hesita entre várias políticas, pode receber conselhos de coreanos que já enfrentaram um dilema semelhante há um mês. Mas, para que isso aconteça, precisamos de um espírito de cooperação e confiança global.” e emenda “Os países devem estar dispostos a compartilhar informações abertamente e a procurar humildemente conselhos, e devem poder confiar nos dados e nas ideias que recebem.”

E sobre a questão emergente e urgente da economia comenta: “A cooperação global também é vitalmente necessária na frente econômica. Dada a natureza global da economia e das cadeias de suprimentos, se cada governo fizer suas próprias coisas sem considerar os outros, o resultado será um caos e uma crise cada vez mais profunda. Precisamos de um plano de ação global e precisamos dele rapidamente.” e nos alerta “Infelizmente, os países hoje dificilmente fazem essas coisas. Uma paralisia coletiva tomou conta da comunidade internacional. Parece não haver adultos na sala de controle. Por semanas, esperava-se que houvesse uma reunião de emergência dos líderes mundiais para desenvolver um plano de ação comum. Os líderes do G7 conseguiram organizar uma videoconferência apenas nesta semana, e nenhum plano foi alcançado.”

Yuval ao longo do seu discurso nos convoca, enquanto humanidade, a uma nova forma de pensar e agir. Para ele, governos, empresas, instituições e a mídia passam a ocupar um importante lugar nesse drive de mudança: é necessário que tenham cada vez mais transparência e nos nutram com informações cada vez mais relevantes (não manipuladas), gerando em nós a autonomia para nossas próprias decisões. Yuval comenta que um cidadão bem informado e consciente é aquele que ajuda nas decisões que favorecem a saída da crise. Está nas mãos de cada um de nós o papel que queremos ocupar nessa mudança, e somente com o esforço do coletivo é que vamos saltar.

A humanidade precisa tomar uma decisão. Seguiremos o caminho da desunião ou seguiremos o caminho da solidariedade global? Se escolhermos a desunião, a crise não apenas permanecerá, mas provavelmente causará catástrofes ainda piores no futuro. Se escolhermos a solidariedade global, será uma vitória, não apenas contra o coronavírus, mas contra todas as futuras epidemias e crises que a humanidade possa enfrentar no século XXI.”

Ervin Laszlo, em uma entrevista depois do início da quarentena, aponta a necessidade que temos - enquanto indivíduos e sociedade - em buscar a COERÊNCIA. Para Laszlo, o homem contemporâneo perdeu tanto a coerência com a sua essência, quanto com a natureza ao redor. É como se tivéssemos rompido com a nossa natureza interna e externa, e de algum modo, isso nos deixou órfãos de uma compreensão de mundo mais ampla. 

Para Laszlo, temos que perceber essa crise como uma oportunidade de revisão de nossos valores enquanto humanos. “A mudança de realidade que experimentamos hoje se refere à maneira como nos relacionamos uns com os outros, com a natureza e com o cosmos.” - comenta em seu livro. Já em sua recente entrevista, alerta: “A hora é AGORA.” 

Não sou eu, não é você, não são os governos, agentes da economia ou empresas que darão o próximo salto. Somos todos nós; pequenos e grandes partícipes dessa rede global em ebulição. Que o colapso possa estar descartado, e que estejamos todos buscando manter o Sapiens como espécie que merece estar ainda em movimento.

Por Luah Galvão

Em 2017 já havia usado o livro “Um Salto Quântico para o Cérebro Global” como referência para escrever matéria “Liderança Holística - acompanhando um mundo em transição”. Esse texto reverbera com o momento que estamos vivendo. Segue o link para aqueles que quiserem ler.

https://exame.com/blog/o-que-te-motiva/lideranca-holistica/

Luah Galvão e Danilo España são idealizadores do Walk and Talk.