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Quando normalizamos o erro, o absurdo torna-se praticável.

Ao achar que pequenos erros e desvios morais são normais, é que tudo começa a ficar preocupante.

 (Jeet Mahetalia/Site Exame)
(Jeet Mahetalia/Site Exame)
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Publicado em 30 de abril de 2019 às, 08h30.

Última atualização em 30 de abril de 2019 às, 08h30.

Em 1961 um psicólogo americano chamado Stanley Milgran, formado na universidade de Yale, conduziu um experimento, que futuramente seria batizado com seu próprio nome - “A Experiência Milgran”.

O experimento mostrava como os participantes observados tendem a obedecer pessoas em cargos de autoridade (cargos e patentes mais altas), mesmo que estas contradigam o bom-senso individual. O objetivo do experimento de Milgram foi verificar a obediência das pessoas à autoridade, e como esta autoridade incide sobre a capacidade do sujeito prejudicar outro ser humano.

A experiência pretendia inicialmente explicar a normalização dos crimes bárbaros cometidos no tempo do Nazismo, em parte aceitos pela população alemã daquela época.

O experimento consistia em 2 atores e a cobaia (uma pessoa). Um dos atores vestindo um jaleco branco (representando a autoridade de cientista) incentivava a cobaia a aplicar choques de voltagens até mesmo fatais em um outro ator, que ficava em uma outra sala separada. Os choques não eram reais, mas quem sabia disso eram os 2 atores apenas, a cobaia pensava que realmente estava aplicando tais choques em uma outra pessoa.

Mesmo a cobaia ouvindo os gritos de “pare" do ator que estava na sala ao lado, ela continuava a aplicar os choques sob a orientação da suposta autoridade, o "cientista". 

Surpreendentemente 65% (dois terços) dos participantes continuou a aplicar os choques até o mais alto nível de 450 volts, e todos os participantes continuaram até 300 volts.

Caso tenham interesse, há um filme no Netflix que conta a história de Stanley Milgran e de seu experimento.

Mas o que de fato o "Experimento Milgran" nos mostra? 

No meu entendimento ele nos abre os olhos de como podemos estar agindo de forma contrária aos nossos valores éticos e ao que é correto, atribuindo a culpa ou responsabilidade a uma autoridade. Ou seja, nos eximindo de qualquer responsabilidade sobre o ato.

A maior parte de nós, excluindo é claro as pessoas que possuem algum tipo de psicopatia, nasce com um senso e um instinto do que é certo e errado, do que é correto ou não se fazer a outro ser humano. Mas parece que ao entrarmos no mundo corporativo, alguns de nós passam a abrir pequenas exceções.

Essas pequenas exceções passam a se tornar mais frequentes e se normalizam, dando lugar a novas pequenas exceções, estas últimas um pouco maiores do que as primeiras e assim por diante.

No cenário politico brasileiro vimos isso acontecer por décadas. A corrupção se tornou algo tão banal que todo o povo brasileiro sabia, e de alguma forma passou a encará-la como normal, algo inerente ao nosso governo. Em uma época passamos até a usar o jargão “ele rouba mas faz”, para justificar o voto em um candidato específico que roubava mas fazia algumas coisas boas. Apenas nos últimos anos vimos que não, que a corrupção não era normal, e alguma justiça passou a ser aplicada.

Quando voltamos os holofotes para as empresas, esta "autoridade" configurada no experimento Milgran pode ser o chefe, a empresa, a cultura, o momento, o mercado entre outros. Neste sentido, acabamos por imaginar que somos isentos de responsabilidade em relação aos pequenos erros com as pessoas, que por ventura podemos aceitar comete-los sob o comando de nossos “Chefes”.

Não, nós não somos isentos desta responsabilidade! Assim como os soldados da SS também não foram.

Ao achar que pequenos erros e desvios morais são (moral no sentido do que é correto se fazer com outro ser humano) normais, é que tudo começa a ficar preocupante. Por exemplo: 

  • Achar que é normal tornar a vida de uma pessoa mais difícil dentro de uma empresa para forçar um pedido de demissão;
  • Achar que é normal ser desrespeitoso e assediar moralmente as pessoas, só porque neste mercado sempre foi assim;
  • Achar que a pressão por resultados é inversamente proporcional ao respeito pelas pessoas;
  • Achar que é normal enganar pessoas para se obter margens mais altas;
  • Achar que é normal falar uma coisa e fazer outra, enganando assim as pessoas para que elas sejam conduzidas de uma forma mais conveniente;
  • Tratar mal e colocar uma pressão além da necessária em parceiros e fornecedores sob tom de ameaça;

Os exemplos podem ser vários, eles ainda acontecem diariamente em inúmeros lugares.

Enfim, no momento em que passamos a achar estes erros normais, que muitas vezes são legalmente aceitos mas moralmente condenáveis, é que começamos a abrir espaço para que erros maiores ocorram e para que o absurdo se torne aceitável. 

Se você é uma boa pessoa, com este instinto do que é certo e errado, siga-o sempre. Geralmente o que queremos que os outros façam para nós é o que devemos fazer para o outro, e o que não queremos para nós é o que não devemos fazer ao outro. É simples, e agir de uma forma ou de outra não é resultado do que o seu “chefe" pediu para você fazer ou deixar de fazer. O que é certo é certo, e aceitar o errado mesmo que sob comando de uma “patente" mais alta continua sendo errado, ao fazer isso você se torna responsável e cúmplice. 

No momento em que vivemos, de uma pressão gigantesca por resultados, com margens cada vez mais apertadas, com uma concorrência crescente e predatória, precisamos sempre vigiar para que não cometamos esses pequenos erros morais com as pessoas que nos ajudam a construir nossas empresas. São elas, assim como você, que se dedicam para que o trabalho saia da melhor forma e, a melhor maneira de agir com elas é com respeito e verdade - por mais dura que a verdade seja. 

A gente se esquece que as posições que temos em nossas empresas são meras patentes, e que em algum momento essas patentes serão dadas à outras pessoas. No final o que fica é o respeito, admiração e o impacto positivo que você construiu junto as pessoas ao seu redor. 

E os resultados financeiros?! São a consequência de uma equipe motivada por um líder inspirador e correto, que não sacrifica seus valores pela cega obtenção de margens, e ao não fazer isso e conquistar a confiança destas pessoas, estas pessoas se sacrificam voluntariamente pelo todo, trazendo assim resultados acima do esperado.

Manter-se reto, justo e correto com as pessoas é um desafio, mas ao fazê-lo a recompensa é alta… ao fazê-lo, o que é certo começa a se tornar regra, e o errado exceção, e assim o absurdo não mais se tornará praticável.

(Thiago Franzão/Site Exame)

Texto escrito pelo parceiro Thiago Franzão, membro do Humans Can Fly.