Negócios do bem, além de fazerem o bem, trazem bens
Os negócios orientados para o bem comum estão virando uma tendência? Vale a pena reorientar os seus negócios ou empreender dentro desse novo cenário?
Publicado em 28 de maio de 2019 às, 11h21.
Última atualização em 4 de setembro de 2019 às, 14h33.
“O mundo mudou drasticamente e vai continuar a mudar em progressão geométrica” – essa frase e suas inúmeras derivações talvez estejam entre as mais faladas nos últimos tempos.
Estamos vivendo um momento de muita complexidade, nosso mundo atual, altamente interligado e volátil, vem tornando o futuro totalmente imprevisível. Mas, olhando para o cenário atual e fatos que emergem, podemos delinear algumas possíveis tendências, e é sobre o tema que inspira o título da matéria, que gostaria de exercitar uma reflexão. Afinal, negócios do bem também podem trazer bens? Essa pode ser considerada uma tendência para os novos tempos?
É fato que 50% das empresas da lista da Fortune 500 de 2006 já não existem mais e que boa parte dos empregos conhecidos vem sumindo do mapa. É fato que o consumidor mudou sua maneira de se relacionar com produtos e serviços, ficando mais exigente, cobrando das empresas posturas mais coerentes com seus discursos, processos mais sustentáveis, a melhoria na qualidade daquilo que é negociado, e principalmente, exigindo mais transparência nas relações. É fato que para se manter hoje no mercado, é necessário um realinhamento com essas novas premissas. É necessário rever o propósito de existência dos nossos negócios e buscar um posicionamento cada vez mais ético e orientado para ajudar a fazer deste, um mundo melhor. Diante desse cenário, o assunto dessa matéria ganha um contorno bem atual.
O mais interessante, é que se eu resolvesse escrevê-la nos primórdios dos anos 90, o tema pareceria um devaneio jovem ou um roteiro “abraça árvore” com tons remanescentes do Woodstock, mas hoje, em meados de 2019, ele se mostra bastante real. É só a gente acompanhar a curva de crescimento estrondoso dos Unicórnios (startup’s que possuem avaliação de preço de mercado acima de 1 bilhão de dólares), se olharmos mais de perto, a grande maioria está orientada para construção de um mundo mais ágil, conectado, sustentável, colaborativo, desburocratizado, compartilhado, independente, etc, construindo grandes negócios para o bem comum. E os bilhões de valuation provam seu retorno.
Os Unicórnios estão amedrontando o mercado, abalando as estruturas tradicionais, fazendo os grandes conglomerados repensarem suas estratégias, seu core e sua missão no mundo. Estão fazendo com que todos repensemos nossa maneira de fazer negócios, ganhar dinheiro, empregar gente, nos relacionar. Estão inspirando.
E não são apenas as startups que entram nessa onda, muitas empresas já estabelecidas estão ganhando notoriedade como entidades inovadoras, visionárias e alinhadas a uma intenção de bem maior. Exemplos não faltam, é só dar uma olhada nas chamadas “Empresas B” (B Corporation); companhias certificadas como sendo não as melhores do mundo, mas aquelas que são “boas para o planeta”. Essas empresas acreditam que o lucro caminha junto com benefícios sociais.
Conheci essa certificação em um evento em São Paulo por volta de 2014, quando na época só haviam 800 certificações no mundo. Hoje são 2788 empresas e 150 indústrias distribuídas em 64 países, e esse número vem crescendo rapidamente. Parece que os negócios orientados para o bem comum chegam para ficar e se delinear como tendência. O mundo agradece!
Para me ajudar a falar sobre esse assunto conversei com Gustavo Gaion – uma pessoa incrível que vem estudando o tema com afinco. Gaion é publicitário da área de mídia, empreendedor digital e um dos sócios do Self Mosaico. Ocupou importantes posições de liderança por onde passou, atuando como Vice Presidente e Diretor Geral de Mídia em grandes agências como Young & Rubicam, Ogilvy, Almap, além de marcar presença também na Leo Burnett e Grey.
Gustavo recentemente passou por uma uma transição de carreira interessante - do corporativo para o empreendedorismo. E foi em meio a essa mudança de escopo profissional que potencializou suas pesquisas sobre os “Negócios do Bem”. E vamos para o nosso bate-papo...
Já de início procurei entender se estudar o tema e pensar em empreender negócios bons para o mundo, o ajudou em sua transição do corporativo para o empreendedorismo.
“Apesar de ter passado toda a minha carreira dentro de empresas, empreender sempre foi uma vontade. O que acontece quando se está atuando no corporativo é que as demandas e necessidades do dia a dia criam um cenário onde falta tempo para se dedicar ao plano de empreendedorismo, coragem de investir abrindo mão da estabilidade financeira, e às vezes as duas coisas. Ter um propósito aliado ao plano de empreender sem dúvida tem facilitado esse processo de transição profissional. Fazer algo que se conecta com sua ambição de um mundo melhor torna os desafios de empreender mais fáceis.” – respondeu ele
Sigo perguntando o que o levou a pesquisar esse tema e há quanto tempo estava se dedicando a essa pesquisa.
“Comecei a pesquisar sobre o tema a pouco mais de um ano e meio, influenciado pelo momento em que me encontrava profissionalmente. Sempre acreditei que cuidar de pessoas e de toda cadeia que envolve o processo produtivo de uma empresa é o que traz os melhores resultados. Essa crença parece óbvia, mas não é o que se pratica. A busca incessante por um resultado financeiro crescente e recorrente faz com que as organizações deixem de cuidar de seus colaboradores e de todo o ecossistema de stakeholders, o que por consequência coloca o negócio em risco a médio e longo prazo. Decidi investir tempo estudando referências de empresas que acreditam no mesmo que eu, e acabei encontrando uma série de exemplos e cases super interessantes.”
Puxando um gancho da fala do Gaion, hoje realmente são muitas as empresas preocupadas em deixar um rastro mais positivo no planeta. Em todos os segmentos encontramos exemplos que transbordam uma mudança positiva nas mais variadas áreas. Os exemplos são inúmeros. Quem nunca ouviu as lendárias histórias sobre Herb Kelleher - Presidente da Southwest Airlines, falecido do início desse ano, um líder inspirador que deixa um rastro de inúmeros aprendizados sobre uma liderança totalmente orientada para gestão de pessoas. Ficam aqui duas frases clássicas de Kelleher:
“Seus colaboradores vêm em primeiro lugar. Se você tratá-los bem, sabe o que vai acontecer? Seus clientes voltam, e isso vai fazer os acionistas felizes. Comece com os colaboradores e o resto seguirá.”
“Eu penso que a liderança é valorizar o tempo que você gasta com a sua equipe mais do que qualquer outra coisa que venha a fazer.”
A Southwest diga-se de passagem, é uma cia aérea bilionária, que em 45 anos de existência, sempre teve lucro. Ela é apenas uma das empresas que foram fundadas com uma orientação para a qualidade da relação com as pessoas - de colaboradores, passando por clientes e acionistas.
E já que entramos no assunto liderança, segui o papo perguntando se ele acreditava que por trás de todo negócio que tem como propósito o “bem comum”, deveria existir também uma boa pessoa, dotada de valores e princípios.
“Sim, sem dúvida. Eu costumo dizer que o “exemplo” não é a melhor forma de liderar e sim a única. Essa visão tem que vir de um líder que inspire todos, conduzindo seus negócios com congruência entre o que pensa, diz e faz. Eu sempre procurei cultivar um ambiente de harmonia e valorização das pessoas por onde passei. O clima era visível, e a motivação da minha equipe acabava, muitas vezes, descolando do clima e energia da empresa como um todo. Durante um tempo eu tentei levar isso adiante dentro de toda a organização, mas sempre acabava entrando em confronto com a visão que a maior parte das empresas tem hoje, que é o foco na construção de value proposition e maximização dos resultados financeiros de curto prazo. Com isso decidi investir tempo em investigar o que estava acontecendo com aquelas empresas que tinham decidido cuidar melhor das pessoas, não só pela atratividade e prêmios de RH, como em resultados concretos de negócio.” E encerra dizendo: “Se você quer influenciar e inspirar, seja um exemplo de conduta, isso exige responsabilidade, e é claro, atitude.”
Aproveitei para perguntar qual era para ele a diferença - em termos de rentabilidade, de um negócio cujos resultados estão orientados para os investidores e acionistas, em relação àqueles cujo resultado está orientado para as pessoas ou para o bem comum.
“Existe uma pesquisa que acabou se transformando em livro chamado ‘Firms of endearment – How World-Class Companies Profit from Passion and Purpose’ (Empresas que Cuidam – Como grandes empresas lucram com paixão e propósito). Essa pesquisa certifica empresas que se preocupam em cuidar das pessoas e do mundo. Existe uma quantidade relevante de negócios que estão dentro dessa análise e que são chamados de FOEs - companhias que remuneram bem seus colaboradores, não pressionam nem tendem a espremer seus fornecedores, entregam bons produtos, serviços e experiências a preços honestos e se preocupam com o impacto que podem causar no planeta.
Os resultados demonstram que num período acumulado de 10 anos, um grupo de 18 empresas (FOEs) de capital aberto, trouxe oito vezes mais resultado para seus acionistas que aquelas outras empresas que compõem as S&P 500.
Confesso que fiquei surpreso e muito feliz quando fiz essa descoberta. O mais interessante é notar que empresas que investem em tratar bem seus funcionários, são transparentes com seus clientes, não pressionam seus fornecedores, oferecem um bom produto/serviço com um preço justo, e cuidam do ambiente em que estão inseridas, são as que mais crescem a médio e longo prazo, ou seja, tem um modelo de negócio muito mais sustentável.” – concluiu ele.
E para encerrar, pergunto se o Gaion também via os “negócios do bem” não só como uma realidade atual, mas como uma tendência duradoura.
“Não só acho como tenho certeza que é uma tendência que veio para ficar. É gratificante perceber que já existe uma série de negócios e organizações que estão transformando o mundo através de novos modelos de liderança orientados ao bem comum, construindo riquezas e com isso, tornando o mundo um lugar melhor de se viver. Para mim, esse modelo construtivo é o único que transforma, e o melhor, é que já colecionamos vários exemplos assim para nos inspirar.”
Pessoalmente, acredito estarmos diante de um momento muito fértil e interessante, com grandes chances de alterar o status do que se pode entender como negócio. A palavra vem do latim “NEGOTIUM” – que significa “negar o ócio”, ou seja, trabalhar, se empenhar em algo, lucrar, para, depois, dedicar-se ao que é bom e positivo: viver a vida. Sinto que esses novos contornos dos Negócios, agora voltados para o bem comum, podem transmutar nossa relação com o próprio trabalho. Ter a certeza de que as horas diárias destinadas ao profissional resultam em um bem comum e ajudam a construir um futuro mais luminoso, talvez nos traga um bem maior do que qualquer resultado material: nossa própria felicidade, satisfação e sentimento de dever cumprido.
Por Luah Galvão
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