E a marca virou hit! - A jornada de uma empreendedora de sucesso
Luah Galvão faz uma "entrevista pé na areia" com Angela Bergo, criadora da Anbê
Da Redação
Publicado em 10 de junho de 2022 às 15h30.
Algumas histórias reais são um celeiro de ideias e aprendizagem. Essa, sem dúvida, é uma delas...
Compartilho com vocês minha conversa com uma empreendedora da área da moda que teve seu momento de glória nos anos 90, e quando seu negócio começou a perder o brilho, deu uma guinada extraordinária, reposicionando seu negócio, sua comunicação, sua marca e principalmente; o propósito de sua empresa. Vem comigo que vai valer à pena!
Seu nome Angela Bergo.
Mulher de personalidade forte para os de fora, e amorosa para os de dentro. Divertida, workaholic, multipotencial com faro fino e olhar al é m do tempo. O coração manda, as mãos e a cabeça executam.
Nascida na periferia da capital paulista, surfou as ondas das grandes grifes alternativas dos anos 90 - época dos grandes desfiles, criativas coleções, do mundo das super modelos e do badalado Mercado Mundo Mix - que lançou inúmeros estilistas de renome.
Angela, que desde muito nova sempre gostou da moda, começou na venda direta como sacoleira. “ Vendia roupas nas ruas e para o pessoal das lojas. Ia de bicicleta, à p é ou de ônibus. Tudo que eu olhava e achava que ia vender, eu vendia”- relembra. Mais para frente passou a desenvolver coleções para grifes de renome como Ópera Rock, Khelf, Wrangler, entre outras, onde emplacou com peças habilmente pensadas e criadas. “ Vou vender?! Ent ão, vou vender para as melhores lojas. Eu tinha estrela”. Foi aos poucos conquistando seu espaço e reconhecimento enquanto estilista.
Com o tempo acabou criando a marca“Elemento Vazado” que colocou o tecido suplex no mercado da moda como ninguém. Desenhava peças diversas que realçavam a silhueta. Inovou em tops, blusinhas e collants. Entrou para o Mercado Mundo Mix. “ Na é poca a Elemento foi uma revolução no Mundo Mix, meu ponto era tão bom que tínhamos at é segurança de terno e gravata para controlar a entrada dos consumidores atrás das nossas peças. Eu fazia roupas de muita qualidade e com tecidos que modelavam o corpo e não desbotavam.” – conta Angela. Sempre com uma cabeça visionária, via o que os outros ainda não estavam enxergando - “ Fui a primeira a fazer sacolas estampadas com logo e a introduzir a maquininha de cartão “ – se referindo ao Mercado M.M.”
Por volta do ano 2000, a roupa da Elemento Vazado saiu na capa da revista Vogue. Nada mais nada menos que a supermodel Isabeli Fontana era quem vestia uma jaqueta amarela da marca. Vestiu também apresentadores da MTV. Não é preciso nem comentar. A marca virou hit.
Vieram ações da marca em Campos do Jordão, Riviera de São Lourenço, Market Plaza. A Elemento Vazado ganhou uma super loja na rua Oscar Freire, outra no corredor das grandes grifes alternativas do Shopping Eldorado, um show room no Itaim, etc... – todos em SP.
Olhado assim parece uma jornada rumo ao estrelato rápido e sem paradas. Mas ouvindo de perto a história da minha entrevistada, a vida lhe trouxe inúmeros desafios, principalmente na vida pessoal. Foram 2 acidentes atingindo o fêmur no mesmo lugar: um aos 5 anos e outro no início do primeiro casamento. Problemas de abandono em família quando era nova - uma irmã excepcional e um irmão mais novo que foram deixados aos seus cuidados. Um casamento de muitos anos naufragado. Crises de ansiedade e pânico.
Na moda quebrou por falta de administração. Um dia uma grande marca fez uma compra de grandes proporções não pagou a fatura. A Elemento Vazado cresceu muito além das pernas de Angela. Tudo foi muito, e pra aqueles que amam trabalhar como ela, muitas vezes é difícil saber a hora de recalcular a rota e descentralizar o comando.
Quando achou que não haveria uma segunda chance, amigos cantaram aos pés do ouvido que o Arraial d’Ajuda na Bahia estava começando a decolar e que sentiam que lá ela poderia fazer sucesso. Confiou e foi ver de perto!
“ Sou muito intensa”- diz ela. Tanto que a primeira vez que foi para Arraial procurar um ponto comercial, ficou tão obstinada que acabou a temporada desidratada no hospital tomando soro. Mal comeu ou bebeu até achar um canto. E achou.
Levou as peças da Elemento Vazado pra ver se decolavam dentro de um novo formato. Abriu sua primeira loja na Bahia, mas decidiu seguir morando em São Paulo, onde ficava a confecção.
Depois de alguns anos veio a separação do primeiro marido e sócio, com quem ficou 18 anos. Foi aconselhada por advogados à abrir mão da marca. Um verdadeiro pesadelo.
E foi por volta de 2007/2008, depois de quase duas décadas de Elemento Vazado, que mais uma virada de página começou. O cântico da Bahia a chamou de vez e abriu alas para o desenvolvimento de sua segunda marca: a Anbê.
Havia chegado uma nova fase, um novo ponto de partida, uma nova via de expressão.
E tudo começou com a observação da Chita – tecido rústico brasileiro, geralmente usado no cotidiano como toalha de mesa, almofada, guardanapo, cortina, etc... A Chita sempre foi um tecido popular, simples, de baixo custo, mas bastante colorido e de muito alto astral. Bem a cara do Brasil, de lugares quentes e muito usado no Nordeste.
Angela passou 2 anos e meio pesquisando como sofisticar a Chita e depois de um longo processo de tentativas e erros, conseguiu amaciar e estonar o tecido, produzindo um pantone infinito de cores. Nascia mais do que uma nova marca, nascia uma tendência. Começou a produzir vestuário à partir de um produto 100% nacional e até então, pouco utilizado para esse fim. A Chita em sua essência é um material bastante áspero, mas depois da alquimia inventada por ela tudo mudou.“Choro ao ver meus rolos coloridos de tecido. AMO. Fico como criança olhando” – conta com orgulho.
Considera “ A virada da Chita!” sua maior criação. “ Voc ê pode estar bem vestida e confortável com uma coisa barata. Gosto da simplicidade, acho que a beleza reside justamente aí ! ” – diz ela.
Fechou uma parceria com uma fábrica que produz Chita há mais de 130 anos. Em uma reunião recente, a equipe da empresa revelou que os números da fábrica aumentaram muito depois da criação da Anbê. “ A Chita come çou a ser muito mais aceita e comercializada na moda, inclusive fora do Brasil.” – contou Angela.
Todas as peças criadas têm nomes de pessoas com quem se relacionou ao longo da vida. A mais vendida é a saia Maria, uma homenagem à sua mãe - com quem teve uma relação ultra difícil, mesmo assim, quis homenagear. Tem roupas com nomes de amigos, parceiros, anjos do caminho, etc. As peças são um mosaico de sua história.
Com os negócios decolando, mais uma vez a mídia bateu na porta. Dessa vez era a equipe do Programa“Mais Você” da Ana Maria Braga – que pediu uma entrevista com a estilista. A apresentadora da Globo fez uma pauta especial sobre a Chita, e não só vestiu um dos modelos da marca, como distribuiu pelo cenário do programa vários manequins vestindo diversas peças criadas por Angela. No dia que a matéria foi ao ar foi um reboliço. O celular não parava de tocar.
“ Se eu tivesse 1000 peças do vestido que a Ana Maria estava usando no programa, eu teria vendido todas em um dia. Tinham me avisado que a demanda seria grande, mas acabei não confiando. No final, foi mesmo!”. E não parou por aí, a Ana Maria Braga gostou tanto da coleção que comprou várias peças e usou uma delas em seu aniversário. Saiu na revista Caras. Nem preciso comentar: novamente uma marca sua virava hit.
“ Depois disso vários globais entravam na minha loja para comprar minhas peças. Achavam que eu estava pagando os atores para aparecerem nas minhas lojas, mas não, eles tinham mesmo gostado da marca e das roupas.” – conta Angela.
Esse reconhecimento levou a Anbê para um stand na Who ’ s Next em Paris – uma feira da alta moda na capital francesa. Lá ela vendeu peças para vários países da Europa e do mundo, incluindo Estados Unidos e Japão. “ Todos me queriam, só não voei mais alto lá fora pois eu não quis me perder.” – fazendo menção ao sucesso extremo e a badalação da época da Elemento Vazado . “ Eu mudei pra Bahia para ter uma vida mais tranquila, e hoje não quero ter uma fá brica gigante. N ão me imagino longe da minha filha de 10 anos, como fiquei da minha primeira filha na é poca da Elemento Vazado. É algo que n ão quero mais.”
Hoje tem 5 lojas em Arraial d’Ajuda e uma super loja no Quadrado de Trancoso. Algumas das unidades contam também com peças garimpadas para casa. Já teve uma loja Anbê na Vila Madalena (SP), mas recentemente resolveu focar na Bahia. A confecção segue em São Paulo. Ao total são quase 30 colaboradores.
Mais um projeto da estilista foi a Anbê Hospedaria que segue com a mesma pegada rústica e descolada das lojas. Visionária, reformou uma antiga casa de romeiros pertencente à Igreja e transformou o lugar. A hospedaria hoje acomoda gente do mundo inteiro. Lá Angela Bergo faz questão de servir um café da manhã com produtos orgânicos e produtores locais.
“ Desde que coloquei os p é s em Arraial pela primeira vez, cada centavo investido foi triplicado. Eu me descobri vindo pra cá” – conta. A Anbê foi consagrada como uma marca baiana e denominada como estilo Boho-Baiano. Ela é mais que uma marca, é um estado de espírito que representa as cores, a alegria e a energia de uma cultura cheia de bossa. Depois da Anbê, a vida pra Angela ganhou um outro brilho e sabor.
E a matéria segue, agora em forma de perguntas e respostas que trazem aprendizados, curiosidades e muitos insights.
Quais são os conselhos que você dá para aqueles que querem tirar seus sonhos do papel? “ Acreditar, trabalhar e amar muito o que faz. Quando você tem um neg ó cio, voc ê tem que se dedicar full time , principalmente no começ o. É imposs í vel voc ê não cuidar de perto do seu neg ó cio. Voc ê tem que querer mais que qualquer coisa, quando é assim, tudo acontece!”
Qual a sua principal característica enquanto líder? “ Confian ça. Eu consigo passar segurança para quem trabalha comigo! Eu acho que realmente eu nasci pra liderar, eu nunca consegui trabalhar pra ningu é m! Eu não nasci pra isso!”
O que Arraial te ensinou? “ Ensinou a ser mais humana e ver a vida mais de perto! Adoro olhar para as minhas filhas, meus cachorros, meu trabalho, minha vida. Hoje consigo admirar uma flor, um pássaro, um macaquinho, uma borboleta. Quando eu cheguei aqui na Bahia, o passarinho cantava e eu chorava. Hoje não, hoje eu aprecio!”
O que a Anbê ensinou pra você? “ Transforma ção. Ensinou que eu consigo transformar! Fazer com que pessoas de tipos totalmente diferentes e níveis sociais diferentes gostem das minhas roupas. É uma marca que abrange as pessoas, não é uma roupa para poucos. É muito bom ver uma pessoa super refinada usando a minha roupa, uma mulher louca, uma mulher cheia de vida feliz usando, um homem lindo...”
Você acha que sua marca tem um propósito? “ Sim! Eu faço roupas para mulheres normais, mulheres reais! Elas ficam felizes das minhas roupas servirem de verdade! O “ P” é um “ P” normal. Muitas vezes essas mulheres vão em outras marcas e um “ G” nã o d á! Elas se sentem empoderadas e maravilhosas usando Anbê! A marca passa uma segurança pra mulher eu acho. Acho não, eu tenho certeza! Eu vejo isso nelas, é muito legal!”
A marcaétão bacana que já faz tempo desperta ciúmes no mercado, com pessoas tentando copiar o seu sucesso. E o que você faz diante dos copiadores? “ Todo mundo copia o que é bom! Na é poca da Elemento Vazado me copiavam e agora seguem copiando. Se eu ficar preocupada com esse pessoal, eu nã o fa ço o que preciso fazer. Não fico com medo ou receio. Isso me estimula a fazer coisas novas, a mudar e fazer ainda melhor.”
Me conta uma curiosidade sua!! “ Gosto pensar no DINHEIRO FELIZ. Sempre coloco as notas com os rostinhos pra cima. As notas têm que estar felizes, com todas as carinhas olhando pra você. Nada de notas com a cabeça pra baixo. Oriento minhas colaboradoras a fazerem isso tamb é m.”
Quais são os anjos do seu Caminho?
“ Meu time de mulheres guerreiras tanto na fábrica, como as que ficam de frente com clientes. São todas mulheres chefes de família, e isso faz toda a diferença. Mulheres que precisam, que trabalham e sabem fazer muitas coisas ao mesmo tempo.
Márcia Week, estilista e minha amiga. Ela me fez acreditar mais em mim, foi ela que me levou pra Paris onde a Anbê foi aceita divinamente.
Minhas filhas Giovanna – que é minha primogê nita e super bra ço direito e minha caç ula Sophie que s ão as minhas divinas criações, meus amores, minha vida. E tamb é m a Natália, companheira da Gi.”
Com todas essas características e qualidades compartilhadas, Angela Bergo conseguiu transpor a moda fashion do contorno e da silhueta pela moda “ comfy ”, alegre e descompromissada – tão em sintonia dos os anseios do mundo de hoje. Fez o que muitos da área da moda não conseguiram fazer no tempo certo e acabaram padecendo no caminho: se readaptar.
Essa longa trajetória de 3 décadas me fez lembrar de alguns aprendizados importantes que tive com a pesquisadora de tendências e Cool Hunter Sabina Deweik, com quem sou grata de ter trabalhado em alguns projetos. Ela trouxe para o Brasil uma teoria conhecida como“Economia do Olho e Ecomonia da Língua” – originária dos estudos do Future Concept Lab e que marcam a transição e ressignificação do mercado de consumo ao longo dos últimos anos. (mais pra frente publico um bate-papo com a Sabina só sobre esse tema)
“A Economia do Olho - da grife, do status – deu origem a Era da Visibilidade. Por isso os gurus dos anos 80/90 eram estilistas que trabalhavam com imagem. Esses valores estão se perdendo, dando lugar a outros novos. Hoje se vive a Economia da Língua – que está associada à experiência. Quando alguém vai a um ponto de venda não realiza apenas uma troca monetária, ela busca viver uma experiência de compra.
Isso marca uma grande mudança: a transposição da economia da visibilidade para uma economia pautada no sentir, experienciar, em credibilidade, significado e propósito. Se uma marca pensa e age na era industrial, ela está em um tempo diferente do que vive o seu consumidor” - conta Sabina Deweik em entrevista para o portal ‘ Mundo do Marketing ’ .
Angela Bergo, com quem aprendi muito, é pra mim um ícone pleno e pulsante dessa ressignificação. E que possamos todos aprender quando é hora de ressignificar, recriar, saltar, voar... assim como ela fez!
Por Luah Galvão
Essa matéria faz parte do que batizei de“Entrevistas Pé na Areia”, caso tenha gostado, clique AQUI para conhecer outra história de empreendedorismo e transição de vida.
Algumas histórias reais são um celeiro de ideias e aprendizagem. Essa, sem dúvida, é uma delas...
Compartilho com vocês minha conversa com uma empreendedora da área da moda que teve seu momento de glória nos anos 90, e quando seu negócio começou a perder o brilho, deu uma guinada extraordinária, reposicionando seu negócio, sua comunicação, sua marca e principalmente; o propósito de sua empresa. Vem comigo que vai valer à pena!
Seu nome Angela Bergo.
Mulher de personalidade forte para os de fora, e amorosa para os de dentro. Divertida, workaholic, multipotencial com faro fino e olhar al é m do tempo. O coração manda, as mãos e a cabeça executam.
Nascida na periferia da capital paulista, surfou as ondas das grandes grifes alternativas dos anos 90 - época dos grandes desfiles, criativas coleções, do mundo das super modelos e do badalado Mercado Mundo Mix - que lançou inúmeros estilistas de renome.
Angela, que desde muito nova sempre gostou da moda, começou na venda direta como sacoleira. “ Vendia roupas nas ruas e para o pessoal das lojas. Ia de bicicleta, à p é ou de ônibus. Tudo que eu olhava e achava que ia vender, eu vendia”- relembra. Mais para frente passou a desenvolver coleções para grifes de renome como Ópera Rock, Khelf, Wrangler, entre outras, onde emplacou com peças habilmente pensadas e criadas. “ Vou vender?! Ent ão, vou vender para as melhores lojas. Eu tinha estrela”. Foi aos poucos conquistando seu espaço e reconhecimento enquanto estilista.
Com o tempo acabou criando a marca“Elemento Vazado” que colocou o tecido suplex no mercado da moda como ninguém. Desenhava peças diversas que realçavam a silhueta. Inovou em tops, blusinhas e collants. Entrou para o Mercado Mundo Mix. “ Na é poca a Elemento foi uma revolução no Mundo Mix, meu ponto era tão bom que tínhamos at é segurança de terno e gravata para controlar a entrada dos consumidores atrás das nossas peças. Eu fazia roupas de muita qualidade e com tecidos que modelavam o corpo e não desbotavam.” – conta Angela. Sempre com uma cabeça visionária, via o que os outros ainda não estavam enxergando - “ Fui a primeira a fazer sacolas estampadas com logo e a introduzir a maquininha de cartão “ – se referindo ao Mercado M.M.”
Por volta do ano 2000, a roupa da Elemento Vazado saiu na capa da revista Vogue. Nada mais nada menos que a supermodel Isabeli Fontana era quem vestia uma jaqueta amarela da marca. Vestiu também apresentadores da MTV. Não é preciso nem comentar. A marca virou hit.
Vieram ações da marca em Campos do Jordão, Riviera de São Lourenço, Market Plaza. A Elemento Vazado ganhou uma super loja na rua Oscar Freire, outra no corredor das grandes grifes alternativas do Shopping Eldorado, um show room no Itaim, etc... – todos em SP.
Olhado assim parece uma jornada rumo ao estrelato rápido e sem paradas. Mas ouvindo de perto a história da minha entrevistada, a vida lhe trouxe inúmeros desafios, principalmente na vida pessoal. Foram 2 acidentes atingindo o fêmur no mesmo lugar: um aos 5 anos e outro no início do primeiro casamento. Problemas de abandono em família quando era nova - uma irmã excepcional e um irmão mais novo que foram deixados aos seus cuidados. Um casamento de muitos anos naufragado. Crises de ansiedade e pânico.
Na moda quebrou por falta de administração. Um dia uma grande marca fez uma compra de grandes proporções não pagou a fatura. A Elemento Vazado cresceu muito além das pernas de Angela. Tudo foi muito, e pra aqueles que amam trabalhar como ela, muitas vezes é difícil saber a hora de recalcular a rota e descentralizar o comando.
Quando achou que não haveria uma segunda chance, amigos cantaram aos pés do ouvido que o Arraial d’Ajuda na Bahia estava começando a decolar e que sentiam que lá ela poderia fazer sucesso. Confiou e foi ver de perto!
“ Sou muito intensa”- diz ela. Tanto que a primeira vez que foi para Arraial procurar um ponto comercial, ficou tão obstinada que acabou a temporada desidratada no hospital tomando soro. Mal comeu ou bebeu até achar um canto. E achou.
Levou as peças da Elemento Vazado pra ver se decolavam dentro de um novo formato. Abriu sua primeira loja na Bahia, mas decidiu seguir morando em São Paulo, onde ficava a confecção.
Depois de alguns anos veio a separação do primeiro marido e sócio, com quem ficou 18 anos. Foi aconselhada por advogados à abrir mão da marca. Um verdadeiro pesadelo.
E foi por volta de 2007/2008, depois de quase duas décadas de Elemento Vazado, que mais uma virada de página começou. O cântico da Bahia a chamou de vez e abriu alas para o desenvolvimento de sua segunda marca: a Anbê.
Havia chegado uma nova fase, um novo ponto de partida, uma nova via de expressão.
E tudo começou com a observação da Chita – tecido rústico brasileiro, geralmente usado no cotidiano como toalha de mesa, almofada, guardanapo, cortina, etc... A Chita sempre foi um tecido popular, simples, de baixo custo, mas bastante colorido e de muito alto astral. Bem a cara do Brasil, de lugares quentes e muito usado no Nordeste.
Angela passou 2 anos e meio pesquisando como sofisticar a Chita e depois de um longo processo de tentativas e erros, conseguiu amaciar e estonar o tecido, produzindo um pantone infinito de cores. Nascia mais do que uma nova marca, nascia uma tendência. Começou a produzir vestuário à partir de um produto 100% nacional e até então, pouco utilizado para esse fim. A Chita em sua essência é um material bastante áspero, mas depois da alquimia inventada por ela tudo mudou.“Choro ao ver meus rolos coloridos de tecido. AMO. Fico como criança olhando” – conta com orgulho.
Considera “ A virada da Chita!” sua maior criação. “ Voc ê pode estar bem vestida e confortável com uma coisa barata. Gosto da simplicidade, acho que a beleza reside justamente aí ! ” – diz ela.
Fechou uma parceria com uma fábrica que produz Chita há mais de 130 anos. Em uma reunião recente, a equipe da empresa revelou que os números da fábrica aumentaram muito depois da criação da Anbê. “ A Chita come çou a ser muito mais aceita e comercializada na moda, inclusive fora do Brasil.” – contou Angela.
Todas as peças criadas têm nomes de pessoas com quem se relacionou ao longo da vida. A mais vendida é a saia Maria, uma homenagem à sua mãe - com quem teve uma relação ultra difícil, mesmo assim, quis homenagear. Tem roupas com nomes de amigos, parceiros, anjos do caminho, etc. As peças são um mosaico de sua história.
Com os negócios decolando, mais uma vez a mídia bateu na porta. Dessa vez era a equipe do Programa“Mais Você” da Ana Maria Braga – que pediu uma entrevista com a estilista. A apresentadora da Globo fez uma pauta especial sobre a Chita, e não só vestiu um dos modelos da marca, como distribuiu pelo cenário do programa vários manequins vestindo diversas peças criadas por Angela. No dia que a matéria foi ao ar foi um reboliço. O celular não parava de tocar.
“ Se eu tivesse 1000 peças do vestido que a Ana Maria estava usando no programa, eu teria vendido todas em um dia. Tinham me avisado que a demanda seria grande, mas acabei não confiando. No final, foi mesmo!”. E não parou por aí, a Ana Maria Braga gostou tanto da coleção que comprou várias peças e usou uma delas em seu aniversário. Saiu na revista Caras. Nem preciso comentar: novamente uma marca sua virava hit.
“ Depois disso vários globais entravam na minha loja para comprar minhas peças. Achavam que eu estava pagando os atores para aparecerem nas minhas lojas, mas não, eles tinham mesmo gostado da marca e das roupas.” – conta Angela.
Esse reconhecimento levou a Anbê para um stand na Who ’ s Next em Paris – uma feira da alta moda na capital francesa. Lá ela vendeu peças para vários países da Europa e do mundo, incluindo Estados Unidos e Japão. “ Todos me queriam, só não voei mais alto lá fora pois eu não quis me perder.” – fazendo menção ao sucesso extremo e a badalação da época da Elemento Vazado . “ Eu mudei pra Bahia para ter uma vida mais tranquila, e hoje não quero ter uma fá brica gigante. N ão me imagino longe da minha filha de 10 anos, como fiquei da minha primeira filha na é poca da Elemento Vazado. É algo que n ão quero mais.”
Hoje tem 5 lojas em Arraial d’Ajuda e uma super loja no Quadrado de Trancoso. Algumas das unidades contam também com peças garimpadas para casa. Já teve uma loja Anbê na Vila Madalena (SP), mas recentemente resolveu focar na Bahia. A confecção segue em São Paulo. Ao total são quase 30 colaboradores.
Mais um projeto da estilista foi a Anbê Hospedaria que segue com a mesma pegada rústica e descolada das lojas. Visionária, reformou uma antiga casa de romeiros pertencente à Igreja e transformou o lugar. A hospedaria hoje acomoda gente do mundo inteiro. Lá Angela Bergo faz questão de servir um café da manhã com produtos orgânicos e produtores locais.
“ Desde que coloquei os p é s em Arraial pela primeira vez, cada centavo investido foi triplicado. Eu me descobri vindo pra cá” – conta. A Anbê foi consagrada como uma marca baiana e denominada como estilo Boho-Baiano. Ela é mais que uma marca, é um estado de espírito que representa as cores, a alegria e a energia de uma cultura cheia de bossa. Depois da Anbê, a vida pra Angela ganhou um outro brilho e sabor.
E a matéria segue, agora em forma de perguntas e respostas que trazem aprendizados, curiosidades e muitos insights.
Quais são os conselhos que você dá para aqueles que querem tirar seus sonhos do papel? “ Acreditar, trabalhar e amar muito o que faz. Quando você tem um neg ó cio, voc ê tem que se dedicar full time , principalmente no começ o. É imposs í vel voc ê não cuidar de perto do seu neg ó cio. Voc ê tem que querer mais que qualquer coisa, quando é assim, tudo acontece!”
Qual a sua principal característica enquanto líder? “ Confian ça. Eu consigo passar segurança para quem trabalha comigo! Eu acho que realmente eu nasci pra liderar, eu nunca consegui trabalhar pra ningu é m! Eu não nasci pra isso!”
O que Arraial te ensinou? “ Ensinou a ser mais humana e ver a vida mais de perto! Adoro olhar para as minhas filhas, meus cachorros, meu trabalho, minha vida. Hoje consigo admirar uma flor, um pássaro, um macaquinho, uma borboleta. Quando eu cheguei aqui na Bahia, o passarinho cantava e eu chorava. Hoje não, hoje eu aprecio!”
O que a Anbê ensinou pra você? “ Transforma ção. Ensinou que eu consigo transformar! Fazer com que pessoas de tipos totalmente diferentes e níveis sociais diferentes gostem das minhas roupas. É uma marca que abrange as pessoas, não é uma roupa para poucos. É muito bom ver uma pessoa super refinada usando a minha roupa, uma mulher louca, uma mulher cheia de vida feliz usando, um homem lindo...”
Você acha que sua marca tem um propósito? “ Sim! Eu faço roupas para mulheres normais, mulheres reais! Elas ficam felizes das minhas roupas servirem de verdade! O “ P” é um “ P” normal. Muitas vezes essas mulheres vão em outras marcas e um “ G” nã o d á! Elas se sentem empoderadas e maravilhosas usando Anbê! A marca passa uma segurança pra mulher eu acho. Acho não, eu tenho certeza! Eu vejo isso nelas, é muito legal!”
A marcaétão bacana que já faz tempo desperta ciúmes no mercado, com pessoas tentando copiar o seu sucesso. E o que você faz diante dos copiadores? “ Todo mundo copia o que é bom! Na é poca da Elemento Vazado me copiavam e agora seguem copiando. Se eu ficar preocupada com esse pessoal, eu nã o fa ço o que preciso fazer. Não fico com medo ou receio. Isso me estimula a fazer coisas novas, a mudar e fazer ainda melhor.”
Me conta uma curiosidade sua!! “ Gosto pensar no DINHEIRO FELIZ. Sempre coloco as notas com os rostinhos pra cima. As notas têm que estar felizes, com todas as carinhas olhando pra você. Nada de notas com a cabeça pra baixo. Oriento minhas colaboradoras a fazerem isso tamb é m.”
Quais são os anjos do seu Caminho?
“ Meu time de mulheres guerreiras tanto na fábrica, como as que ficam de frente com clientes. São todas mulheres chefes de família, e isso faz toda a diferença. Mulheres que precisam, que trabalham e sabem fazer muitas coisas ao mesmo tempo.
Márcia Week, estilista e minha amiga. Ela me fez acreditar mais em mim, foi ela que me levou pra Paris onde a Anbê foi aceita divinamente.
Minhas filhas Giovanna – que é minha primogê nita e super bra ço direito e minha caç ula Sophie que s ão as minhas divinas criações, meus amores, minha vida. E tamb é m a Natália, companheira da Gi.”
Com todas essas características e qualidades compartilhadas, Angela Bergo conseguiu transpor a moda fashion do contorno e da silhueta pela moda “ comfy ”, alegre e descompromissada – tão em sintonia dos os anseios do mundo de hoje. Fez o que muitos da área da moda não conseguiram fazer no tempo certo e acabaram padecendo no caminho: se readaptar.
Essa longa trajetória de 3 décadas me fez lembrar de alguns aprendizados importantes que tive com a pesquisadora de tendências e Cool Hunter Sabina Deweik, com quem sou grata de ter trabalhado em alguns projetos. Ela trouxe para o Brasil uma teoria conhecida como“Economia do Olho e Ecomonia da Língua” – originária dos estudos do Future Concept Lab e que marcam a transição e ressignificação do mercado de consumo ao longo dos últimos anos. (mais pra frente publico um bate-papo com a Sabina só sobre esse tema)
“A Economia do Olho - da grife, do status – deu origem a Era da Visibilidade. Por isso os gurus dos anos 80/90 eram estilistas que trabalhavam com imagem. Esses valores estão se perdendo, dando lugar a outros novos. Hoje se vive a Economia da Língua – que está associada à experiência. Quando alguém vai a um ponto de venda não realiza apenas uma troca monetária, ela busca viver uma experiência de compra.
Isso marca uma grande mudança: a transposição da economia da visibilidade para uma economia pautada no sentir, experienciar, em credibilidade, significado e propósito. Se uma marca pensa e age na era industrial, ela está em um tempo diferente do que vive o seu consumidor” - conta Sabina Deweik em entrevista para o portal ‘ Mundo do Marketing ’ .
Angela Bergo, com quem aprendi muito, é pra mim um ícone pleno e pulsante dessa ressignificação. E que possamos todos aprender quando é hora de ressignificar, recriar, saltar, voar... assim como ela fez!
Por Luah Galvão
Essa matéria faz parte do que batizei de“Entrevistas Pé na Areia”, caso tenha gostado, clique AQUI para conhecer outra história de empreendedorismo e transição de vida.