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Dialogar para transformar

Em uma sociedade plural existe uma única verdade: somos diferentes. Pensamos diferente. E dialogar é a única e mais importante premissa para transformar

Alexandria Ocasio-Cortez: o mérito de ter colocado o debate sobre concentração na agenda pública / William B. Plowman/NBC/Getty Images (William B. Plowman/NBC/Getty Images)
GD

Guilherme Dearo

Publicado em 30 de julho de 2020 às 13h53.

Dialogar. Trocar. Ouvir. Responder. Simples? Talvez uma das experiências mais difíceis para o ser humano e ao mesmo tempo tão intrínseca à sua experiência na terra. A verdade é que vivemos tempos onde o diálogo está cada vez mais escasso. A dialética tem origem na Grécia e pode ser entendida como “o caminho entre as ideias”, ou seja, a arte de dialogar. E aqui estamos jogando pedras naqueles que pensam diferente da gente. Vivemos tempos de extremismos e julgamentos precoces. Tempos onde: a minha opinião é a única opinião e se você pensa diferente você deve ser cancelado, boicotado, acabado. Certo? Na minha visão isso é totalmente errado. Mas de novo. É só uma opinião. E como diz Sócrates “as opiniões não são verdades, pois não resistem ao diálogo crítico”.

Em uma sociedade plural existe uma única verdade: somos diferentes. Pensamos diferente. E dialogar é a única e mais importante premissa para a transformação. Precisamos de visões plurais e opostas para a nossa evolução como sociedade. Aqueles que acreditam em verdades absolutas não estão enxergando o entorno, o outro, como um ser humano igual a ele ou ela, que talvez tenha uma opinião diferente da sua. E que tudo bem, desde que o seu ato ou fala não violente os direitos e a experiência humana.

Estamos em pleno século 21, temos hoje à nossa disposição todo tipo de tecnologia para auxiliar na comunicação: telefone, internet, WhatsApp, mídias sociais. Podemos falar com milhares de pessoas simultaneamente de qualquer lugar do mundo. Porém, ao mesmo tempo, existe esse extremismo, onde muitos querem defender seus pontos de vista sem ouvir a opinião do outro. Que os certos são aqueles que compartilham da mesma opinião que a sua e somente eles são dignos de respeito. Construtivo, não? Não. Se só trocarmos com aqueles que pensam como nós, não saímos da bolha. E para crescer como pessoas, sociedade, mundo, precisamos ouvir vozes diferentes, pessoas que vivem diferentes realidades. Apenas com essa diferença é possível mudar.

Nos Estados Unidos essa semana vimos o caso da congressista Alexandria Ocasio-Cortez que fez um discurso muito importante na Câmara após ter sido insultada por um colega. Quando Ted Yoho a ofendeu de forma sexista em uma discussão nos degraus do Capitólio e, após o episódio, na tentativa de se desculpar citou o fato de ter uma esposa e filhas, Ocasio-Cortez afirmou: “Ter uma filha não torna um homem decente. Ter uma esposa não torna um homem decente. Tratar as pessoas com respeito e dignidade torna um homem decente". A democrata lembrou de seus dias como parte da classe trabalhadora e afirma que esse tipo de incidente não é algo isolado, mas sim faz parte da cultura, e existe toda uma estrutura que aceita uma linguagem violenta contra as mulheres. Ocasio-Cortez também disse, em referência a citação da esposa e filhas de Yoho, que também é filha e não foi criada para aceitar abusos de homens. Seu discurso foi compartilhado milhares de vezes nas mídias sociais.

Ainda vivemos isso. Mulheres ainda sofrem abusos quando usam sua voz. Falam sua opinião. Mulheres, precisamos ser ouvidas. Na política, em espaços públicos, no mundo corporativo. Mulheres precisam ser ouvidas e ponto. Nossa opinião é válida, nossa voz é necessária e vamos seguir utilizando-as. Uma pesquisa realizada na década de 60 pelo professor Albert Mehrabian da UCLA aponta que a comunicação de sentimentos e atitudes ocorre em três formatos com as seguintes proporções: comunicação não verbal (55%), comunicação pelo tom de voz (38%) e comunicação verbal (7%). Como uma mulher vai se expressar se na pequena margem que tem para fazer isso de forma verbal ela é prejudicada? Lembra do mansplaining e do manterrupting? E como podemos nos expressar de forma não verbal se somos frequentemente julgadas por nossa aparência e nosso corpo, como se isso tivesse algum efeito sobre nossa capacidade? Precisamos de liberdade para sermos o que somos, sem julgamentos, e de espaço para falar e sermos ouvidas.

Devemos lembrar que o debate é necessário para o nosso progresso. E para um bom debate precisamos de lados opostos para uma troca profunda e crescimento do nosso país. O que precisamos hoje é de um debate sem violência. Sem agressões. Seja na política, em uma sala de reunião, na cultura de cancelamento da internet. Sem debate não existe progresso. Enquanto pessoas, em especial as mulheres, tiverem medo de falar ainda não estaremos vivendo em uma democracia de verdade. Se é que estamos. A definição de democracia é um regime político onde todos os cidadãos podem participar, de forma direta ou através de representantes que foram eleitos com o seu voto. Mas se aqueles que brigam por uma democracia de verdade, julgam o outro por ter um pensamento diferente do seu, será que estão sendo democráticos? Isso não é um julgamento. Só algo a se pensar.

Somos diferentes. Portanto, antes de julgar, dialogue. Antes de ofender, pergunte. Antes de apontar o dedo perceba que você, por sua simples experiência humana, também erra. Extremismos nunca são favoráveis porque eles simplesmente não consideram a realidade do outro. Viemos todos e todas de realidades diferentes. Vivemos histórias diferentes. Viemos de países diferentes. Temos religiões diferentes. Famílias diferentes. Passamos por traumas diferentes. Sim, existem pessoas que nasceram com mais privilégios, outras com menos. Existem aqueles que trabalharam para conquistar seus privilégios. E sim, com mais privilégios, mais responsabilidade social, especialmente nos tempos de hoje em que contribuir, colaborar e agir não são opcionais, são necessários para crescermos como sociedade. Lembrando que a minha dor não anula a sua. E vice-versa. Dialogar é a única saída. Por isso ouça. Não julgue. Não tenha vergonha da sua história. De quem você é. Porque em uma sociedade plural todos têm o direito de ser quem são. E para crescermos com mais amor e harmonia, com mais igualdade e justiça, perceber o outro é o primeiro passo para sermos livres.

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Dialogar. Trocar. Ouvir. Responder. Simples? Talvez uma das experiências mais difíceis para o ser humano e ao mesmo tempo tão intrínseca à sua experiência na terra. A verdade é que vivemos tempos onde o diálogo está cada vez mais escasso. A dialética tem origem na Grécia e pode ser entendida como “o caminho entre as ideias”, ou seja, a arte de dialogar. E aqui estamos jogando pedras naqueles que pensam diferente da gente. Vivemos tempos de extremismos e julgamentos precoces. Tempos onde: a minha opinião é a única opinião e se você pensa diferente você deve ser cancelado, boicotado, acabado. Certo? Na minha visão isso é totalmente errado. Mas de novo. É só uma opinião. E como diz Sócrates “as opiniões não são verdades, pois não resistem ao diálogo crítico”.

Em uma sociedade plural existe uma única verdade: somos diferentes. Pensamos diferente. E dialogar é a única e mais importante premissa para a transformação. Precisamos de visões plurais e opostas para a nossa evolução como sociedade. Aqueles que acreditam em verdades absolutas não estão enxergando o entorno, o outro, como um ser humano igual a ele ou ela, que talvez tenha uma opinião diferente da sua. E que tudo bem, desde que o seu ato ou fala não violente os direitos e a experiência humana.

Estamos em pleno século 21, temos hoje à nossa disposição todo tipo de tecnologia para auxiliar na comunicação: telefone, internet, WhatsApp, mídias sociais. Podemos falar com milhares de pessoas simultaneamente de qualquer lugar do mundo. Porém, ao mesmo tempo, existe esse extremismo, onde muitos querem defender seus pontos de vista sem ouvir a opinião do outro. Que os certos são aqueles que compartilham da mesma opinião que a sua e somente eles são dignos de respeito. Construtivo, não? Não. Se só trocarmos com aqueles que pensam como nós, não saímos da bolha. E para crescer como pessoas, sociedade, mundo, precisamos ouvir vozes diferentes, pessoas que vivem diferentes realidades. Apenas com essa diferença é possível mudar.

Nos Estados Unidos essa semana vimos o caso da congressista Alexandria Ocasio-Cortez que fez um discurso muito importante na Câmara após ter sido insultada por um colega. Quando Ted Yoho a ofendeu de forma sexista em uma discussão nos degraus do Capitólio e, após o episódio, na tentativa de se desculpar citou o fato de ter uma esposa e filhas, Ocasio-Cortez afirmou: “Ter uma filha não torna um homem decente. Ter uma esposa não torna um homem decente. Tratar as pessoas com respeito e dignidade torna um homem decente". A democrata lembrou de seus dias como parte da classe trabalhadora e afirma que esse tipo de incidente não é algo isolado, mas sim faz parte da cultura, e existe toda uma estrutura que aceita uma linguagem violenta contra as mulheres. Ocasio-Cortez também disse, em referência a citação da esposa e filhas de Yoho, que também é filha e não foi criada para aceitar abusos de homens. Seu discurso foi compartilhado milhares de vezes nas mídias sociais.

Ainda vivemos isso. Mulheres ainda sofrem abusos quando usam sua voz. Falam sua opinião. Mulheres, precisamos ser ouvidas. Na política, em espaços públicos, no mundo corporativo. Mulheres precisam ser ouvidas e ponto. Nossa opinião é válida, nossa voz é necessária e vamos seguir utilizando-as. Uma pesquisa realizada na década de 60 pelo professor Albert Mehrabian da UCLA aponta que a comunicação de sentimentos e atitudes ocorre em três formatos com as seguintes proporções: comunicação não verbal (55%), comunicação pelo tom de voz (38%) e comunicação verbal (7%). Como uma mulher vai se expressar se na pequena margem que tem para fazer isso de forma verbal ela é prejudicada? Lembra do mansplaining e do manterrupting? E como podemos nos expressar de forma não verbal se somos frequentemente julgadas por nossa aparência e nosso corpo, como se isso tivesse algum efeito sobre nossa capacidade? Precisamos de liberdade para sermos o que somos, sem julgamentos, e de espaço para falar e sermos ouvidas.

Devemos lembrar que o debate é necessário para o nosso progresso. E para um bom debate precisamos de lados opostos para uma troca profunda e crescimento do nosso país. O que precisamos hoje é de um debate sem violência. Sem agressões. Seja na política, em uma sala de reunião, na cultura de cancelamento da internet. Sem debate não existe progresso. Enquanto pessoas, em especial as mulheres, tiverem medo de falar ainda não estaremos vivendo em uma democracia de verdade. Se é que estamos. A definição de democracia é um regime político onde todos os cidadãos podem participar, de forma direta ou através de representantes que foram eleitos com o seu voto. Mas se aqueles que brigam por uma democracia de verdade, julgam o outro por ter um pensamento diferente do seu, será que estão sendo democráticos? Isso não é um julgamento. Só algo a se pensar.

Somos diferentes. Portanto, antes de julgar, dialogue. Antes de ofender, pergunte. Antes de apontar o dedo perceba que você, por sua simples experiência humana, também erra. Extremismos nunca são favoráveis porque eles simplesmente não consideram a realidade do outro. Viemos todos e todas de realidades diferentes. Vivemos histórias diferentes. Viemos de países diferentes. Temos religiões diferentes. Famílias diferentes. Passamos por traumas diferentes. Sim, existem pessoas que nasceram com mais privilégios, outras com menos. Existem aqueles que trabalharam para conquistar seus privilégios. E sim, com mais privilégios, mais responsabilidade social, especialmente nos tempos de hoje em que contribuir, colaborar e agir não são opcionais, são necessários para crescermos como sociedade. Lembrando que a minha dor não anula a sua. E vice-versa. Dialogar é a única saída. Por isso ouça. Não julgue. Não tenha vergonha da sua história. De quem você é. Porque em uma sociedade plural todos têm o direito de ser quem são. E para crescermos com mais amor e harmonia, com mais igualdade e justiça, perceber o outro é o primeiro passo para sermos livres.

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