A reconstrução durante e após a pandemia depende de todos nós
"Uma coisa é certa, sem as mulheres não vamos nos recuperar. No Brasil, somos 51% dos nossos recursos. Sem incluir mulheres estamos fadados a fracassar."
Júlia Storch
Publicado em 29 de março de 2021 às 14h56.
Última atualização em 29 de março de 2021 às 22h11.
Como falar de equidade de gênero enquanto temos mais de 3 mil mortes em 24 horas? 300 mil vidas interrompidas, sonhos e potenciais que nunca serão verdadeiramente revelados? Qual a relevância dessa questão nesse momento de colapso no sistema de saúde, crise econômica, fome? A importância é muito maior do que a gente imagina. Quanto mais um país tem o que chamamos de síndrome em sua primeira ordem política, ou seja, na relação entre homens e mulheres, maior a crise de saúde, econômica, fome, pobreza, desequilíbrio. Valery Hudson alerta que durante guerras e catástrofe, a síndrome se acentua. E é exatamente o que vemos no Brasil. Mulheres sem trabalho, isoladas, sobrecarregadas e com a possibilidade de retroagirmos 30 anos de avanços na tão sonhada equidade.
Precisamos falar sobre o que pode ser feito agora. É urgente traçar um plano para recuperar a nossa sociedade dessa crise sanitária e econômica sem precedentes. É difícil projetar o futuro enquanto ainda estamos passando pelo turbilhão. Na pior das hipóteses vemos um impacto irreversível ou com sequelas que vão levar muito tempo para serem sanadas. Só que uma coisa é certa, sem as mulheres não vamos nos recuperar. No Brasil, somos 51% dos nossos recursos, do nosso olhar, da mão de obra, da solução. Sem incluir mulheres estamos fadados a fracassar.
O desemprego atinge cerca de 14 milhões de pessoas em nosso país e 40 milhões de trabalhadores informais precisam se expor para garantir o sustento de suas famílias (Oxfam). As mulheres desde o início foram as mais afetadas pela pandemia, seja por serem a maioria das profissionais na linha de frente, por terem um risco de demissão 1,8 vez maior que o dos homens (McKinsey & Company), por representarem menos de 45% da força ativa de trabalho no último trimestre de 2020 (IBGE) ou pela desigual responsabilidade no trabalho de cuidado.
Em relação à educação, recentemente a diretora executiva da ONU Mulheres, Phumzile Mlambo-Ngcuka, disse em uma entrevista que até 11 milhões de meninas que deixaram a escola por causa da pandemia nunca mais voltarão. Um relatório do Banco Mundial aponta que as enormes perdas de aprendizagem, de capital humano e de produtividade podem se traduzir em um declínio no potencial de ganhos agregados para a região da América Latina e Caribe de US$ 1,7 trilhão, e que cerca de dois em cada três alunos talvez não sejam capazes de ler ou entender textos adequados para a sua idade. Já outro estudo aponta que nossos estudantes no Brasil podem ter até 4 anos de regressão em relação a sua proficiência (FGV). O fechamento de escolas terá um impacto devastador especialmente para as crianças em fase de alfabetização. O não fechamento de escolas pode ser fatal.
Esses dados demonstram como as consequências colaterais da Covid-19 têm sido ainda piores para mulheres e crianças, mas o que fazer então? A solução para se recuperar de todo esse impacto passa pela união de três setores: sociedade civil, poder público e iniciativa privada. Infelizmente essa combinação de forças não é tão fácil de conciliar. A sociedade civil é diversa, composta por pessoas muito privilegiadas e outras com necessidades muito básicas, seja de água, alimentação ou saneamento. O poder público sempre estará sujeito a uma discussão política ideológica que muitas vezes engessa o andamento de coisas que não podem esperar. Já a iniciativa privada, sobretudo as grandes companhias e conglomerados, têm os recursos para fazer a diferença em um tempo muito mais hábil, mas para isso é preciso investir. Inicialmente parecendo despesas extras, quando também estão lutando para sobreviver, mas que na verdade não trará apenas lucros a médio e longo prazo para a empresa, mas se tornará um grande atuante na recuperação desse caos instalado.
Essas despesas extras são na verdade um investimento. E como disse sabiamente uma vez a professora de Harvard Joan Johnson-Freese, quem escreve ideias sem recursos são poetas, não agentes de mudança. Precisamos nos unir. Empresas privadas têm sim um papel importantíssimo que vai além de vender seus produtos. Especialmente se o produto chega a milhões de consumidores diariamente. Como será que essa empresa pode dialogar com seus consumidores? Promover mais equidade?
Qual investimento uma empresa pode fazer para as mulheres quando temos dados que mostram que quanto mais desigual um país, mais pobreza, instabilidade, corrupção, autoritarismo e saúde precária teremos? Estudos empíricos liderados por Hudson et al, nos mostram que um país com mais desigualdade de gênero tem 2,13 vezes mais chances de ser um estado frágil, 3,53 vezes mais chances de ter um governo mais autocrático, menos eficaz e mais corrupto, 1,5 vezes mais chances de ser instável e violento, 1,40 vezes mais chances de ser pobre e em declínio econômico.
Devemos atuar sim nas urgências, como foi o caso da Ambev que está transformando parte de suas cervejarias para produzir oxigênio hospitalar. Mas qual investimento as empresas estão fazendo para melhorar a situação atual das mulheres? Ou seja, metade da nossa população? Nos Estados Unidos apenas 1,9% dos recursos totais destinados a iniciativas sociais e ONGs vão para as mulheres. Aqui no Brasil não é diferente. Se não investirmos em meninas e mulheres a crise será mais profunda. Só que ainda ninguém entendeu a dimensão desse problema. Não é apenas uma questão de justiça social. Estamos falando de segurança pública, estabilidade, prosperidade. Está na hora de acordar, sair apenas do apoio institucional e ter investimentos reais para as mulheres brasileiras.
Como falar de equidade de gênero enquanto temos mais de 3 mil mortes em 24 horas? 300 mil vidas interrompidas, sonhos e potenciais que nunca serão verdadeiramente revelados? Qual a relevância dessa questão nesse momento de colapso no sistema de saúde, crise econômica, fome? A importância é muito maior do que a gente imagina. Quanto mais um país tem o que chamamos de síndrome em sua primeira ordem política, ou seja, na relação entre homens e mulheres, maior a crise de saúde, econômica, fome, pobreza, desequilíbrio. Valery Hudson alerta que durante guerras e catástrofe, a síndrome se acentua. E é exatamente o que vemos no Brasil. Mulheres sem trabalho, isoladas, sobrecarregadas e com a possibilidade de retroagirmos 30 anos de avanços na tão sonhada equidade.
Precisamos falar sobre o que pode ser feito agora. É urgente traçar um plano para recuperar a nossa sociedade dessa crise sanitária e econômica sem precedentes. É difícil projetar o futuro enquanto ainda estamos passando pelo turbilhão. Na pior das hipóteses vemos um impacto irreversível ou com sequelas que vão levar muito tempo para serem sanadas. Só que uma coisa é certa, sem as mulheres não vamos nos recuperar. No Brasil, somos 51% dos nossos recursos, do nosso olhar, da mão de obra, da solução. Sem incluir mulheres estamos fadados a fracassar.
O desemprego atinge cerca de 14 milhões de pessoas em nosso país e 40 milhões de trabalhadores informais precisam se expor para garantir o sustento de suas famílias (Oxfam). As mulheres desde o início foram as mais afetadas pela pandemia, seja por serem a maioria das profissionais na linha de frente, por terem um risco de demissão 1,8 vez maior que o dos homens (McKinsey & Company), por representarem menos de 45% da força ativa de trabalho no último trimestre de 2020 (IBGE) ou pela desigual responsabilidade no trabalho de cuidado.
Em relação à educação, recentemente a diretora executiva da ONU Mulheres, Phumzile Mlambo-Ngcuka, disse em uma entrevista que até 11 milhões de meninas que deixaram a escola por causa da pandemia nunca mais voltarão. Um relatório do Banco Mundial aponta que as enormes perdas de aprendizagem, de capital humano e de produtividade podem se traduzir em um declínio no potencial de ganhos agregados para a região da América Latina e Caribe de US$ 1,7 trilhão, e que cerca de dois em cada três alunos talvez não sejam capazes de ler ou entender textos adequados para a sua idade. Já outro estudo aponta que nossos estudantes no Brasil podem ter até 4 anos de regressão em relação a sua proficiência (FGV). O fechamento de escolas terá um impacto devastador especialmente para as crianças em fase de alfabetização. O não fechamento de escolas pode ser fatal.
Esses dados demonstram como as consequências colaterais da Covid-19 têm sido ainda piores para mulheres e crianças, mas o que fazer então? A solução para se recuperar de todo esse impacto passa pela união de três setores: sociedade civil, poder público e iniciativa privada. Infelizmente essa combinação de forças não é tão fácil de conciliar. A sociedade civil é diversa, composta por pessoas muito privilegiadas e outras com necessidades muito básicas, seja de água, alimentação ou saneamento. O poder público sempre estará sujeito a uma discussão política ideológica que muitas vezes engessa o andamento de coisas que não podem esperar. Já a iniciativa privada, sobretudo as grandes companhias e conglomerados, têm os recursos para fazer a diferença em um tempo muito mais hábil, mas para isso é preciso investir. Inicialmente parecendo despesas extras, quando também estão lutando para sobreviver, mas que na verdade não trará apenas lucros a médio e longo prazo para a empresa, mas se tornará um grande atuante na recuperação desse caos instalado.
Essas despesas extras são na verdade um investimento. E como disse sabiamente uma vez a professora de Harvard Joan Johnson-Freese, quem escreve ideias sem recursos são poetas, não agentes de mudança. Precisamos nos unir. Empresas privadas têm sim um papel importantíssimo que vai além de vender seus produtos. Especialmente se o produto chega a milhões de consumidores diariamente. Como será que essa empresa pode dialogar com seus consumidores? Promover mais equidade?
Qual investimento uma empresa pode fazer para as mulheres quando temos dados que mostram que quanto mais desigual um país, mais pobreza, instabilidade, corrupção, autoritarismo e saúde precária teremos? Estudos empíricos liderados por Hudson et al, nos mostram que um país com mais desigualdade de gênero tem 2,13 vezes mais chances de ser um estado frágil, 3,53 vezes mais chances de ter um governo mais autocrático, menos eficaz e mais corrupto, 1,5 vezes mais chances de ser instável e violento, 1,40 vezes mais chances de ser pobre e em declínio econômico.
Devemos atuar sim nas urgências, como foi o caso da Ambev que está transformando parte de suas cervejarias para produzir oxigênio hospitalar. Mas qual investimento as empresas estão fazendo para melhorar a situação atual das mulheres? Ou seja, metade da nossa população? Nos Estados Unidos apenas 1,9% dos recursos totais destinados a iniciativas sociais e ONGs vão para as mulheres. Aqui no Brasil não é diferente. Se não investirmos em meninas e mulheres a crise será mais profunda. Só que ainda ninguém entendeu a dimensão desse problema. Não é apenas uma questão de justiça social. Estamos falando de segurança pública, estabilidade, prosperidade. Está na hora de acordar, sair apenas do apoio institucional e ter investimentos reais para as mulheres brasileiras.