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A ciência e a arte por trás das transformações mais bem-sucedidas

Entre as transformações que têm sucesso, a dispersão de performance é enorme. O resultado está muito mais nas mãos dos líderes do que parece

70% das transformações falham. E dentre as 30% que têm sucesso, há uma grande dispersão de performance (Getty Images/Getty Images)
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isabelarovaroto

Publicado em 12 de novembro de 2020 às 12h10.

Última atualização em 12 de novembro de 2020 às 12h54.

Transformação tornou-se um termo batido no mundo dos negócios. Cada vez mais temos visto um uso genérico desse termo em projetos pontuais, seja algo relacionado à digitalização de processos, redução de custos ou entrada em novos negócios. Tudo parece caber hoje dentro da definição de transformação.

Na nossa perspectiva, uma verdadeira transformação é um programa amplo, de impacto significativo e sustentável. Um ponto essencial na história de uma empresa e que marca uma inflexão na sua trajetória. Uma transformação nunca deve ser o objetivo final, mas sim um meio para que a empresa atinja suas metas.

Mas 70% das transformações falham. E dentre as 30% que têm sucesso, há uma grande dispersão de performance. As transformações do 1º quartil deste grupo seleto entregam 4-5 vezes mais impacto em valor criado para acionistas do que as demais. O que determina o sucesso ou o fracasso de uma transformação? O que diferencia as transformações mais bem- sucedidas das demais?

Desde a criação da Prática de Transformações da McKinsey, temos nos debruçado sobre essas perguntas. Ao longo da última década, tivemos a oportunidade de apoiar nossos clientes em centenas de transformações ao redor do mundo, sendo mais de 50 aqui no Brasil. E também acompanhar inúmeros CEOs que lideraram grandes programas de mudança. Poderíamos escrever um livro sobre o assunto. Obviamente há uma combinação de fatores-chave, mas vale destacar um que consideramos absolutamente crítico: o papel do CEO.

Dentre as características comuns a CEOs que lideraram as transformações de maior sucesso, vale mencionar algumas, de forma não exaustiva:

É comum executivos estabelecerem metas que não refletem o potencial total da empresa. Primeiro porque é muito difícil que as empresas tenham as melhores práticas em tudo que fazem, e os executivos “não sabem o que não sabem”. Segundo porque nossa cultura empresarial acaba incentivando o famoso “prometer menos para entregar mais”.

É papel do CEO provocar e testar o limite de até onde se pode chegar numa transformação. Isso implica buscar benchmarks em outras indústrias e outras geografias, comparar-se com os exemplos mais disruptivos do mercado, e estar em constante desconforto buscando ser o melhor.

Os líderes das transformações bem-sucedidas muitas vezes impõem um exercício estruturado para entender o potencial pleno da empresa e assim chegar a metas ambiciosas, mas realistas. E, na média, as metas estabelecidas em uma transformação bem-sucedida são 2,7 vezes superiores às metas iniciais definidas pelo próprio time de gestão. Esse é o tamanho do desafio.

Não existe transformação de uma empresa sem a transformação das pessoas. E isso passa necessariamente por mudanças de mentalidades e de comportamentos. E para que as pessoas mudem, quatro coisas devem acontecer: elas têm que entender o porquê da mudança (o que chamamos de “História da Transformação”); elas precisam ter as ferramentas para mudarem; serem incentivadas para tal; e por último, o famoso “ role modelling ”- que os seus pares e líderes também estejam praticando essas mudanças.

Ou seja, numa transformação, o líder precisa se conectar com os colaboradores, tocar seus corações e garantir que todos estejam caminhando na mesma direção.

Mas isso é mais desafiador do que parece: em uma pesquisa recente que fizemos, descobrimos que 86% dos líderes se veem como inspiradores para seus times, mas somente 18% das pessoas enxergam esses mesmos líderes como inspiradores. O trabalho a ser feito passa por ouvir melhor o que chega das equipes, estar aberto a feedback, criar empatia e, acima de tudo, conectar-se com a ponta. Só assim um líder pode ser capaz de inspirar, de fato, a organização e fomentar a transformação das pessoas.

Numa transformação de sucesso, a lógica do 80/20 não funciona. Não existe bala de prata. Uma análise estatística das transformações mais bem-sucedidas mostra que 50% do seu valor vem de iniciativas menores e ações granulares. Os pequenos ganhos motivam as tropas e são relevantes para o valor final.

Isso pressupõe que o esforço seja abrangente e envolva grande parte da empresa. Uma transformação acontece na ponta e não numa sala com 10 cadeiras. Os números mostram que, na média, 54% das transformações de maior sucesso envolveram diretamente mais de 250 colaboradores.

Por isso, o CEO deve criar um processo desde o início voltado a horizontalizar a geração de ideias, empoderar os colaboradores e promover mais agilidade e responsabilidade na execução. Nossa experiência mostra que quando as entregas são mais rápidas e têm menos níveis de aprovação, os funcionários se motivam mais para alcançar o sucesso da transformação. E isso se reflete em maior velocidade e efetividade na implementação.

Um erro comum que muitos líderes cometem é justamente se esforçarem para não cometerem erros. A cultura de evitar erros gera uma atrofia na capacidade de inovar e tomar riscos, que poda as possibilidades de crescimento e disrupção de uma empresa.

O segredo é se estruturar para errar pequeno, controlando os riscos, aprendendo com os erros de forma constante e consertando rápido o que é necessário. Para isso, os CEOs devem impulsionar a criação de times menores, multidisciplinares e ágeis para tirar as ideias do papel de forma simples, iterar ao longo do caminho e criar mínimos produtos viáveis (MVPs) para serem o vetor da mudança.

Além disso, a renovação é fundamental para uma transformação bem-sucedida - nossas análises indicam que, na média, 45% do valor dessas transformações resulta de iniciativas desenvolvidas um ano ou mais após o lançamento. A geração constante de ideias e o fluxo imediato para uma “máquina de execução” passa a ser parte do modelo de gestão da empresa, e não mais um evento pontual. Em muitos casos, os CEOs estabelecem uma infraestrutura de implementação alicerçada por um escritório de transformação que é responsável por desafiar constantemente os times e aumentar continuamente a taxa metabólica da empresa. E os CEOs são fundamentais para garantir que todos estejam no mesmo barco e que as mentalidades e comportamentos corroborem essa forma de trabalhar.

Uma verdadeira transformação, ampla, profunda e intensa, naturalmente carrega consigo diversos fatores que não podemos controlar ou prever ao longo do caminho. E quando lidamos com incertezas, não raro podemos vir a acreditar que o acaso tem papel preponderante nos resultados, assim como o contexto ou os setores em que as empresas atuam. Mas, neste caso, os números mostram exatamente o oposto - que transformar é ao mesmo tempo uma ciência e uma arte - e o sucesso está muito mais nas mãos dos líderes do que parece.

 

*Fábio Stul é sócio sênior da McKinsey no escritório de São Paulo e líder da Prática de Transformações da McKinsey na América Latina

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Transformação tornou-se um termo batido no mundo dos negócios. Cada vez mais temos visto um uso genérico desse termo em projetos pontuais, seja algo relacionado à digitalização de processos, redução de custos ou entrada em novos negócios. Tudo parece caber hoje dentro da definição de transformação.

Na nossa perspectiva, uma verdadeira transformação é um programa amplo, de impacto significativo e sustentável. Um ponto essencial na história de uma empresa e que marca uma inflexão na sua trajetória. Uma transformação nunca deve ser o objetivo final, mas sim um meio para que a empresa atinja suas metas.

Mas 70% das transformações falham. E dentre as 30% que têm sucesso, há uma grande dispersão de performance. As transformações do 1º quartil deste grupo seleto entregam 4-5 vezes mais impacto em valor criado para acionistas do que as demais. O que determina o sucesso ou o fracasso de uma transformação? O que diferencia as transformações mais bem- sucedidas das demais?

Desde a criação da Prática de Transformações da McKinsey, temos nos debruçado sobre essas perguntas. Ao longo da última década, tivemos a oportunidade de apoiar nossos clientes em centenas de transformações ao redor do mundo, sendo mais de 50 aqui no Brasil. E também acompanhar inúmeros CEOs que lideraram grandes programas de mudança. Poderíamos escrever um livro sobre o assunto. Obviamente há uma combinação de fatores-chave, mas vale destacar um que consideramos absolutamente crítico: o papel do CEO.

Dentre as características comuns a CEOs que lideraram as transformações de maior sucesso, vale mencionar algumas, de forma não exaustiva:

É comum executivos estabelecerem metas que não refletem o potencial total da empresa. Primeiro porque é muito difícil que as empresas tenham as melhores práticas em tudo que fazem, e os executivos “não sabem o que não sabem”. Segundo porque nossa cultura empresarial acaba incentivando o famoso “prometer menos para entregar mais”.

É papel do CEO provocar e testar o limite de até onde se pode chegar numa transformação. Isso implica buscar benchmarks em outras indústrias e outras geografias, comparar-se com os exemplos mais disruptivos do mercado, e estar em constante desconforto buscando ser o melhor.

Os líderes das transformações bem-sucedidas muitas vezes impõem um exercício estruturado para entender o potencial pleno da empresa e assim chegar a metas ambiciosas, mas realistas. E, na média, as metas estabelecidas em uma transformação bem-sucedida são 2,7 vezes superiores às metas iniciais definidas pelo próprio time de gestão. Esse é o tamanho do desafio.

Não existe transformação de uma empresa sem a transformação das pessoas. E isso passa necessariamente por mudanças de mentalidades e de comportamentos. E para que as pessoas mudem, quatro coisas devem acontecer: elas têm que entender o porquê da mudança (o que chamamos de “História da Transformação”); elas precisam ter as ferramentas para mudarem; serem incentivadas para tal; e por último, o famoso “ role modelling ”- que os seus pares e líderes também estejam praticando essas mudanças.

Ou seja, numa transformação, o líder precisa se conectar com os colaboradores, tocar seus corações e garantir que todos estejam caminhando na mesma direção.

Mas isso é mais desafiador do que parece: em uma pesquisa recente que fizemos, descobrimos que 86% dos líderes se veem como inspiradores para seus times, mas somente 18% das pessoas enxergam esses mesmos líderes como inspiradores. O trabalho a ser feito passa por ouvir melhor o que chega das equipes, estar aberto a feedback, criar empatia e, acima de tudo, conectar-se com a ponta. Só assim um líder pode ser capaz de inspirar, de fato, a organização e fomentar a transformação das pessoas.

Numa transformação de sucesso, a lógica do 80/20 não funciona. Não existe bala de prata. Uma análise estatística das transformações mais bem-sucedidas mostra que 50% do seu valor vem de iniciativas menores e ações granulares. Os pequenos ganhos motivam as tropas e são relevantes para o valor final.

Isso pressupõe que o esforço seja abrangente e envolva grande parte da empresa. Uma transformação acontece na ponta e não numa sala com 10 cadeiras. Os números mostram que, na média, 54% das transformações de maior sucesso envolveram diretamente mais de 250 colaboradores.

Por isso, o CEO deve criar um processo desde o início voltado a horizontalizar a geração de ideias, empoderar os colaboradores e promover mais agilidade e responsabilidade na execução. Nossa experiência mostra que quando as entregas são mais rápidas e têm menos níveis de aprovação, os funcionários se motivam mais para alcançar o sucesso da transformação. E isso se reflete em maior velocidade e efetividade na implementação.

Um erro comum que muitos líderes cometem é justamente se esforçarem para não cometerem erros. A cultura de evitar erros gera uma atrofia na capacidade de inovar e tomar riscos, que poda as possibilidades de crescimento e disrupção de uma empresa.

O segredo é se estruturar para errar pequeno, controlando os riscos, aprendendo com os erros de forma constante e consertando rápido o que é necessário. Para isso, os CEOs devem impulsionar a criação de times menores, multidisciplinares e ágeis para tirar as ideias do papel de forma simples, iterar ao longo do caminho e criar mínimos produtos viáveis (MVPs) para serem o vetor da mudança.

Além disso, a renovação é fundamental para uma transformação bem-sucedida - nossas análises indicam que, na média, 45% do valor dessas transformações resulta de iniciativas desenvolvidas um ano ou mais após o lançamento. A geração constante de ideias e o fluxo imediato para uma “máquina de execução” passa a ser parte do modelo de gestão da empresa, e não mais um evento pontual. Em muitos casos, os CEOs estabelecem uma infraestrutura de implementação alicerçada por um escritório de transformação que é responsável por desafiar constantemente os times e aumentar continuamente a taxa metabólica da empresa. E os CEOs são fundamentais para garantir que todos estejam no mesmo barco e que as mentalidades e comportamentos corroborem essa forma de trabalhar.

Uma verdadeira transformação, ampla, profunda e intensa, naturalmente carrega consigo diversos fatores que não podemos controlar ou prever ao longo do caminho. E quando lidamos com incertezas, não raro podemos vir a acreditar que o acaso tem papel preponderante nos resultados, assim como o contexto ou os setores em que as empresas atuam. Mas, neste caso, os números mostram exatamente o oposto - que transformar é ao mesmo tempo uma ciência e uma arte - e o sucesso está muito mais nas mãos dos líderes do que parece.

 

*Fábio Stul é sócio sênior da McKinsey no escritório de São Paulo e líder da Prática de Transformações da McKinsey na América Latina

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