Minissérie baseada em livro de Philip Roth chega à HBO em março
O seminal escritor americano foi alvo de nove adaptações no cinema, entre fracassos e acertos; HBO fará jus ao legado de Roth?
Guilherme Dearo
Publicado em 5 de fevereiro de 2020 às 07h00.
Última atualização em 5 de fevereiro de 2020 às 09h03.
São Paulo - Depois do sucesso recente da minissérie "Chernobyl" (2019), em parte inspirada pelo livro "Vozes de Chernobyl" (2016, no Brasil) da ganhadora do Nobel Svetlana Aleksiévitch, mais uma minissérie da HBO promete atrair o público e faturar alguns prêmios.
"The Plot Against America" chega ao canal e à plataforma HBO GO em 16 de março. A série é baseada no brilhante romance de 2004 do escritor americano Philip Roth (1933-2018). Roth ganhou adaptações para o cinema nas últimas décadas, mas pela primeira vez é alvo de uma adaptação na TV.
Criada por David Simon (criador e escritor da premiada "The Wire", também da HBO) e Ed Burns, a produção traz um elenco de peso: Zoe Kazan, Morgan Spector, Winona Ryder e John Turturro, entre outros. Serão seis episódios.
Em "The Plot Against America", (o livro foi traduzido no Brasil como "Complô Contra a América"), Roth, que era judeu, narra uma história sombria. Misturando fato e ficção, Roth imagina uma história alternativa nos EUA, onde Franklin D. Roosevelt perde a eleição presidencial de 1940 para o aviador, militar e celebridade Charles Lindbergh. Na vida real, este apoiava o Partido Nazista alemão e dizia que os judeus (e também os "intelectuais" e os comunistas) estavam empurrando o país para a guerra. Durante o conflito, foi defensor do não-intervencionismo: para ele, os Estados Unidos não deveriam entrar na guerra, uma luta que não era deles, e tampouco ajudar o Reino Unido em seus esforços contra a Alemanha.
No romance de Roth, a vitória de Charles Lindbergh marca uma nova trajetória de antissemitismo na América. Em diversos níveis, perseguições às famílias judias começam a acontecer. Lindbergh logo assina pactos com Hitler e Japão, prometendo a "neutralidade" americana. Tudo narrado do ponto de vista de uma família judia de Newark, New Jersey. Roth não esconde o lado autobiográfico nesse ponto. Roth tirou a ideia para seu romance de escritos do historiador americano Arthur Meier Schlesinger Jr., que revelavam que um grupo de senadores republicanos à época queria que Charles Lindbergh concorresse à presidência contra Roosevelt.
A história arrepia. Primeiro, porque mostra "o que poderia ter sido". O mundo seria bem diferente - assim como causa espanto "O Homem do Castelo Alto", de Philip K. Dick, que virou série na Amazon Prime Video. Segundo porque 2020 mostra que o que é sinistro e inconcebível também parece plausível.
Segundo a HBO, David Simon conseguiu conversar com Roth uma vez sobre a série, que disse saber que seu livro estava em boas mãos. O autor morreu em 2018. O romance tem seu lado premonitório. Roth falava dos EUA de 1940 para falar dos EUA contemporâneo: aquilo podia acontecer - e ainda pode.
Philip Roth na sétima arte
Sete romances, um conto e uma novela de Philip Roth viraram filmes. Alguns diretores acertaram na tarefa arriscada da adaptação, enquanto outros fracassaram. Em muitos casos, o entusiasmado diretor não consegue carregar o peso de um romance brilhante.
Em 1960, "Battle of Blood Island", de Joel Rapp, se baseou no conto "Expect the Vandals", que Roth publicou na revista Esquire em 1958. Passou despercebido.
Em 1969, Larry Peerce dirigiu "Adeus, Columbus", baseado na novela que dá nome ao livro "Goodbye, Columbus" (o volume ainda traz cinco contos menores). Foi com esse livro que Roth estreou na ficção e mostrou que não estava para brincadeira. A coletânea foi um sucesso, assim como o filme. Estrelado por Richard Benjamin, Ali MacGraw, Jack Klugman, foi indicado ao Oscar (Melhor Roteiro Adaptado), ao Globo de Ouro e ao Bafta.
Em 1972, o clássico que alçou Roth ao estrelato, "O Complexo de Portnoy" (escrito em 1969), foi adaptado por Ernest Lehman, com Richard Benjamin, Karen Black e Lee Grant no elenco. O filme foi um fracasso de crítica e bilheteria. O "Papa" dos críticos, Roger Ebert, disse que o filme era um grande fiasco. Um romance "intocável" da literatura americana que resiste à tentação de ir para o cinema. As palavras deram conta do recado.
Em 2003, outro caso de um romance seminal de Roth levado com ressalvas às telas. "A Marca Humana", publicado em 2000, mal esfriou e virou filme, com direção de Robert Benton e Nicole Kidman e Anthony Hopkins no elenco. A bola ficou dividida entre a crítica. Metade achou digno, metade não aprovou. O livro, novamente, vale muito mais a pena.
Em 2008, o curto e fraco romance "O Animal Agonizante" (2001) virou filme com direção de Isabel Coixet e atuações de Ben Kingsley e Penélope Cruz. Talvez o único caso nessa lista onde o filme se saiu superior ao livro. As críticas foram mistas, mas a maioria foi positiva. Kingsley encarna David Kepesh, personagem que aparecera em outros dois livros de Roth, entre eles o excelente "O Professor de Desejo" (1977).
Em 2014, o modesto romance "A Humilhação" (de 2009) virou filme com Al Pacino no papel principal e co-protagonismo de Greta Gerwig. O livro não impressionava. O filme seguiu pelo mesmo caminho.
Em 2016, Ewan McGregor se arriscou no outro lado da câmera e dirigiu "Pastoral Americana" (também atuou ao lado de Jennifer Connelly e Dakota Fanning), uma adaptação arriscada do colossal romance de 1997. Tarefa ingrata. O livro está entre os melhores de Roth. Lê-lo é uma experiência única. À época de sua publicação, ganhou o Pulitzer. É quase impossível para um filme reproduzir a força do romance que aborda o choque de gerações em um Estados Unidos que se despedaça, entre os sonhos do pós-guerra e as desilusões da era Nixon e o horror do Vietnã. McGregor tentou, mas o resultado é apenas razoável. No geral, as críticas foram negativas.
Também em 2016, estreou "Indignação", baseado no breve romance de 2008. O livro é bem menos excelente e ambicioso que "Pastoral Americana", mas ainda assim profundo e de qualidade. No caso, o diretor James Schamus conseguiu acertar (mais sábio que Ewan McGregor ao escolher um romance menos intocável do cânone americano de Roth), recebendo críticas bem favoráveis. Logan Lerman encarna um protagonista cujo temperamento e posições fortes o levarão à desgraça, da universidade à Guerra do Vietnã.
Em 2019, o primeiro caso de um filme estrangeiro que adaptou Roth. O romance "The Prague Orgy" (1985) deu origem ao filme checo "Prazské Orgie" com direção de Irena Pavlásková. Como a história de Roth se passa na Praga comunista de 1976, nada mais justo do livro ter chamado a atenção do cinema local.
São Paulo - Depois do sucesso recente da minissérie "Chernobyl" (2019), em parte inspirada pelo livro "Vozes de Chernobyl" (2016, no Brasil) da ganhadora do Nobel Svetlana Aleksiévitch, mais uma minissérie da HBO promete atrair o público e faturar alguns prêmios.
"The Plot Against America" chega ao canal e à plataforma HBO GO em 16 de março. A série é baseada no brilhante romance de 2004 do escritor americano Philip Roth (1933-2018). Roth ganhou adaptações para o cinema nas últimas décadas, mas pela primeira vez é alvo de uma adaptação na TV.
Criada por David Simon (criador e escritor da premiada "The Wire", também da HBO) e Ed Burns, a produção traz um elenco de peso: Zoe Kazan, Morgan Spector, Winona Ryder e John Turturro, entre outros. Serão seis episódios.
Em "The Plot Against America", (o livro foi traduzido no Brasil como "Complô Contra a América"), Roth, que era judeu, narra uma história sombria. Misturando fato e ficção, Roth imagina uma história alternativa nos EUA, onde Franklin D. Roosevelt perde a eleição presidencial de 1940 para o aviador, militar e celebridade Charles Lindbergh. Na vida real, este apoiava o Partido Nazista alemão e dizia que os judeus (e também os "intelectuais" e os comunistas) estavam empurrando o país para a guerra. Durante o conflito, foi defensor do não-intervencionismo: para ele, os Estados Unidos não deveriam entrar na guerra, uma luta que não era deles, e tampouco ajudar o Reino Unido em seus esforços contra a Alemanha.
No romance de Roth, a vitória de Charles Lindbergh marca uma nova trajetória de antissemitismo na América. Em diversos níveis, perseguições às famílias judias começam a acontecer. Lindbergh logo assina pactos com Hitler e Japão, prometendo a "neutralidade" americana. Tudo narrado do ponto de vista de uma família judia de Newark, New Jersey. Roth não esconde o lado autobiográfico nesse ponto. Roth tirou a ideia para seu romance de escritos do historiador americano Arthur Meier Schlesinger Jr., que revelavam que um grupo de senadores republicanos à época queria que Charles Lindbergh concorresse à presidência contra Roosevelt.
A história arrepia. Primeiro, porque mostra "o que poderia ter sido". O mundo seria bem diferente - assim como causa espanto "O Homem do Castelo Alto", de Philip K. Dick, que virou série na Amazon Prime Video. Segundo porque 2020 mostra que o que é sinistro e inconcebível também parece plausível.
Segundo a HBO, David Simon conseguiu conversar com Roth uma vez sobre a série, que disse saber que seu livro estava em boas mãos. O autor morreu em 2018. O romance tem seu lado premonitório. Roth falava dos EUA de 1940 para falar dos EUA contemporâneo: aquilo podia acontecer - e ainda pode.
Philip Roth na sétima arte
Sete romances, um conto e uma novela de Philip Roth viraram filmes. Alguns diretores acertaram na tarefa arriscada da adaptação, enquanto outros fracassaram. Em muitos casos, o entusiasmado diretor não consegue carregar o peso de um romance brilhante.
Em 1960, "Battle of Blood Island", de Joel Rapp, se baseou no conto "Expect the Vandals", que Roth publicou na revista Esquire em 1958. Passou despercebido.
Em 1969, Larry Peerce dirigiu "Adeus, Columbus", baseado na novela que dá nome ao livro "Goodbye, Columbus" (o volume ainda traz cinco contos menores). Foi com esse livro que Roth estreou na ficção e mostrou que não estava para brincadeira. A coletânea foi um sucesso, assim como o filme. Estrelado por Richard Benjamin, Ali MacGraw, Jack Klugman, foi indicado ao Oscar (Melhor Roteiro Adaptado), ao Globo de Ouro e ao Bafta.
Em 1972, o clássico que alçou Roth ao estrelato, "O Complexo de Portnoy" (escrito em 1969), foi adaptado por Ernest Lehman, com Richard Benjamin, Karen Black e Lee Grant no elenco. O filme foi um fracasso de crítica e bilheteria. O "Papa" dos críticos, Roger Ebert, disse que o filme era um grande fiasco. Um romance "intocável" da literatura americana que resiste à tentação de ir para o cinema. As palavras deram conta do recado.
Em 2003, outro caso de um romance seminal de Roth levado com ressalvas às telas. "A Marca Humana", publicado em 2000, mal esfriou e virou filme, com direção de Robert Benton e Nicole Kidman e Anthony Hopkins no elenco. A bola ficou dividida entre a crítica. Metade achou digno, metade não aprovou. O livro, novamente, vale muito mais a pena.
Em 2008, o curto e fraco romance "O Animal Agonizante" (2001) virou filme com direção de Isabel Coixet e atuações de Ben Kingsley e Penélope Cruz. Talvez o único caso nessa lista onde o filme se saiu superior ao livro. As críticas foram mistas, mas a maioria foi positiva. Kingsley encarna David Kepesh, personagem que aparecera em outros dois livros de Roth, entre eles o excelente "O Professor de Desejo" (1977).
Em 2014, o modesto romance "A Humilhação" (de 2009) virou filme com Al Pacino no papel principal e co-protagonismo de Greta Gerwig. O livro não impressionava. O filme seguiu pelo mesmo caminho.
Em 2016, Ewan McGregor se arriscou no outro lado da câmera e dirigiu "Pastoral Americana" (também atuou ao lado de Jennifer Connelly e Dakota Fanning), uma adaptação arriscada do colossal romance de 1997. Tarefa ingrata. O livro está entre os melhores de Roth. Lê-lo é uma experiência única. À época de sua publicação, ganhou o Pulitzer. É quase impossível para um filme reproduzir a força do romance que aborda o choque de gerações em um Estados Unidos que se despedaça, entre os sonhos do pós-guerra e as desilusões da era Nixon e o horror do Vietnã. McGregor tentou, mas o resultado é apenas razoável. No geral, as críticas foram negativas.
Também em 2016, estreou "Indignação", baseado no breve romance de 2008. O livro é bem menos excelente e ambicioso que "Pastoral Americana", mas ainda assim profundo e de qualidade. No caso, o diretor James Schamus conseguiu acertar (mais sábio que Ewan McGregor ao escolher um romance menos intocável do cânone americano de Roth), recebendo críticas bem favoráveis. Logan Lerman encarna um protagonista cujo temperamento e posições fortes o levarão à desgraça, da universidade à Guerra do Vietnã.
Em 2019, o primeiro caso de um filme estrangeiro que adaptou Roth. O romance "The Prague Orgy" (1985) deu origem ao filme checo "Prazské Orgie" com direção de Irena Pavlásková. Como a história de Roth se passa na Praga comunista de 1976, nada mais justo do livro ter chamado a atenção do cinema local.