Réquiem para Dilma Rousseff
Chegou à Presidência embalada pelo sucesso do antecessor, “homem do povo, um trabalhador”. Envolvida pela “suavidade da seda verde-amarela da faixa presidencial” em 1o de janeiro de 2011, falou com emoção sobre a “ousadia do voto popular” de convocar uma mulher para dirigir os destinos do país: “Meu compromisso supremo — eu reitero — é […]
Da Redação
Publicado em 29 de abril de 2016 às 11h02.
Última atualização em 22 de junho de 2017 às 18h25.
Chegou à Presidência embalada pelo sucesso do antecessor, “homem do povo, um trabalhador”. Envolvida pela “suavidade da seda verde-amarela da faixa presidencial” em 1o de janeiro de 2011, falou com emoção sobre a “ousadia do voto popular” de convocar uma mulher para dirigir os destinos do país: “Meu compromisso supremo — eu reitero — é honrar as mulheres, proteger os mais frágeis e governar para todos!” Para todos?
Alcançara o posto mais alto do país acalentada pelo crescimento extraordinário da economia brasileira em 2010: 7,5%, dignos de milagre econômico, quase do tamanho da China. “Venho, antes de tudo, para dar continuidade ao maior processo de afirmação que este país já viveu nos tempos recentes. Venho para consolidar a obra transformadora do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (…) um presidente que mudou a forma de governar e levou o povo brasileiro a confiar ainda mais em si mesmo e no futuro do país.” Voz embargada naquele discurso de 1o de janeiro de 2011, pouco antes do mergulho escuro dos cinco anos seguintes, o trem fantasma da economia brasileira.
Naquele 1o de janeiro, embalada pela situação inédita na economia, estava convicta. “Vivemos um dos melhores momentos da vida nacional: milhões de empregos estão sendo criados; nossa taxa de crescimento mais que dobrou; e encerramos um longo período de dependência do Fundo Monetário Internacional”, dizia. Chegara a hora de mudar. Chegara a hora de transformar o país, de torná-lo exemplo mundial, de fazê-lo fonte de admiração global. Reconhecia, a contragosto, que “um governo se alicerça no acúmulo de conquistas da história”. Lembrava, apenas a título de breve ilustração, que “muitos a seu tempo e a seu modo deram grandes contribuições às conquistas do Brasil de hoje”. No entanto, enchia o peito: “Reduzimos, sobretudo, nossa dívida social, nossa histórica dívida social, resgatando milhões de brasileiros da tragédia da miséria e ajudando outros milhões a alcançar a classe média”. Seu slogan, “País rico é país sem pobreza”, posteriormente viria a ser “Brasil, pátria educadora”. Objetivos nobres, objetivos que, respaldados pelo sucesso do antecessor, renderiam frutos antes inatingíveis, o “nunca antes” levado às últimas consequências.
Mundo em crise, países maduros apodrecendo devido às dificuldades de reorientar a política econômica em ambiente turvo. Farei diferente no Brasil, disse para si. “É com crescimento, associado a fortes programas sociais, que venceremos a desigualdade da renda e do desenvolvimento regional.” Austeridade? Austeridade, para ela, leva à recessão, ao desemprego, à redução da renda do trabalhador. É receita ultrapassada, de nada serve. Ela tinha plano ousado, inovador. “Isso significa — reitero — manter a estabilidade econômica como valor. Já faz parte, aliás, da nossa cultura recente a convicção de que a inflação desorganiza a economia e degrada a renda do trabalhador. Não permitiremos, sob nenhuma hipótese, que essa praga volte a corroer nosso tecido econômico e a castigar as famílias mais pobres.” Essas foram as palavras da presidente Dilma em 1o de janeiro de 2011. Há pouco menos de ano e meio de sua reeleição, a inflação estaria quase cravada em 10%, o desemprego estaria em 10%, o déficit nominal do governo em pouco mais de 10%, a popularidade da presidente em 10% — 10, número cabalístico de Dilma Rousseff.
Para executar um plano ambicioso, a presidente contava com a própria sabedoria. Afinal, a presidente – essa presidenta – não tem uma formação qualquer. É economista, capaz de ser a própria ministra da Fazenda. Se preciso fosse, a própria presidente — presidenta — do Banco Central. “Continuaremos fortalecendo nossas reservas externas para garantir o equilíbrio das contas externas e bloquear e impedir a vulnerabilidade externa.” Nas entranhas do túnel onde ainda corre o trem fantasma de Dilma, veríamos o saldo positivo de quase duas décadas da balança comercial minguar. “Faremos um trabalho permanente e continuado para melhorar a qualidade do gasto público”, disse a Presidente recém-eleita em 2011. Quatro anos mais tarde, abandonaria a meta de superávit primário devido ao descontrole do gasto público e à má gestão da política fiscal. A incompetência fiscal levaria o país a perder o grau de investimento e a enfrentar uma crescente trajetória da dívida ante um orçamento engessado por benesses e generosidades perversas.
Chegou à Presidência com o Brasil nas mãos e ideia fixa na cabeça. Reformular tudo. “O investimento público é essencial como indutor do investimento privado e como instrumento de desenvolvimento regional. O PAC, Programa de Aceleração do Crescimento, continuará sendo um instrumento de coesão da ação governamental e coordenação voluntária dos investimentos estruturais dos estados e municípios. Será também vetor de incentivo ao investimento privado, valorizando todas as iniciativas de constituição de fundos privados de longo prazo.” Infelizmente, nada disso se concretizaria — a taxa de investimento da economia brasileira passaria por inexorável declínio em túnel escuro que culminaria no monstruoso escândalo de corrupção na Petrobras, envolvendo boa parte das empreiteiras responsáveis por executar as obras do PAC.
A Petrobras. “O pré-sal é nosso passaporte para o futuro, mas só o será plenamente, queridas brasileiras e queridos brasileiros, se produzir uma síntese equilibrada de avanço tecnológico, avanço social e cuidado ambiental. Sua própria descoberta é resultado do avanço tecnológico brasileiro e de uma moderna política de investimentos em pesquisa e inovação. Seu desenvolvimento será fator de valorização da empresa nacional e seus investimentos serão geradores de milhares de novos empregos. O grande agente dessa política foi e é a Petrobras, símbolo histórico da soberania brasileira na produção energética de petróleo.” Pobre Petrobras.
Ela queria ser lembrada como aquela que fora capaz de soltar o Brasil, de uma vez por todas, das amarras que impediam o avanço. “Muita coisa melhorou no nosso país, mas estamos vivendo apenas o início de uma nova era. O despertar de um novo Brasil. Recorro a um poeta da minha terra natal. Ele diz: ‘O que tem de ser tem muita força, tem uma força enorme’.”
A nova era de Dilma Rousseff está prestes a se encerrar diante da demolição causada por ela própria. O que tem de ser tem muita força, uma força enorme.
Chegou à Presidência embalada pelo sucesso do antecessor, “homem do povo, um trabalhador”. Envolvida pela “suavidade da seda verde-amarela da faixa presidencial” em 1o de janeiro de 2011, falou com emoção sobre a “ousadia do voto popular” de convocar uma mulher para dirigir os destinos do país: “Meu compromisso supremo — eu reitero — é honrar as mulheres, proteger os mais frágeis e governar para todos!” Para todos?
Alcançara o posto mais alto do país acalentada pelo crescimento extraordinário da economia brasileira em 2010: 7,5%, dignos de milagre econômico, quase do tamanho da China. “Venho, antes de tudo, para dar continuidade ao maior processo de afirmação que este país já viveu nos tempos recentes. Venho para consolidar a obra transformadora do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (…) um presidente que mudou a forma de governar e levou o povo brasileiro a confiar ainda mais em si mesmo e no futuro do país.” Voz embargada naquele discurso de 1o de janeiro de 2011, pouco antes do mergulho escuro dos cinco anos seguintes, o trem fantasma da economia brasileira.
Naquele 1o de janeiro, embalada pela situação inédita na economia, estava convicta. “Vivemos um dos melhores momentos da vida nacional: milhões de empregos estão sendo criados; nossa taxa de crescimento mais que dobrou; e encerramos um longo período de dependência do Fundo Monetário Internacional”, dizia. Chegara a hora de mudar. Chegara a hora de transformar o país, de torná-lo exemplo mundial, de fazê-lo fonte de admiração global. Reconhecia, a contragosto, que “um governo se alicerça no acúmulo de conquistas da história”. Lembrava, apenas a título de breve ilustração, que “muitos a seu tempo e a seu modo deram grandes contribuições às conquistas do Brasil de hoje”. No entanto, enchia o peito: “Reduzimos, sobretudo, nossa dívida social, nossa histórica dívida social, resgatando milhões de brasileiros da tragédia da miséria e ajudando outros milhões a alcançar a classe média”. Seu slogan, “País rico é país sem pobreza”, posteriormente viria a ser “Brasil, pátria educadora”. Objetivos nobres, objetivos que, respaldados pelo sucesso do antecessor, renderiam frutos antes inatingíveis, o “nunca antes” levado às últimas consequências.
Mundo em crise, países maduros apodrecendo devido às dificuldades de reorientar a política econômica em ambiente turvo. Farei diferente no Brasil, disse para si. “É com crescimento, associado a fortes programas sociais, que venceremos a desigualdade da renda e do desenvolvimento regional.” Austeridade? Austeridade, para ela, leva à recessão, ao desemprego, à redução da renda do trabalhador. É receita ultrapassada, de nada serve. Ela tinha plano ousado, inovador. “Isso significa — reitero — manter a estabilidade econômica como valor. Já faz parte, aliás, da nossa cultura recente a convicção de que a inflação desorganiza a economia e degrada a renda do trabalhador. Não permitiremos, sob nenhuma hipótese, que essa praga volte a corroer nosso tecido econômico e a castigar as famílias mais pobres.” Essas foram as palavras da presidente Dilma em 1o de janeiro de 2011. Há pouco menos de ano e meio de sua reeleição, a inflação estaria quase cravada em 10%, o desemprego estaria em 10%, o déficit nominal do governo em pouco mais de 10%, a popularidade da presidente em 10% — 10, número cabalístico de Dilma Rousseff.
Para executar um plano ambicioso, a presidente contava com a própria sabedoria. Afinal, a presidente – essa presidenta – não tem uma formação qualquer. É economista, capaz de ser a própria ministra da Fazenda. Se preciso fosse, a própria presidente — presidenta — do Banco Central. “Continuaremos fortalecendo nossas reservas externas para garantir o equilíbrio das contas externas e bloquear e impedir a vulnerabilidade externa.” Nas entranhas do túnel onde ainda corre o trem fantasma de Dilma, veríamos o saldo positivo de quase duas décadas da balança comercial minguar. “Faremos um trabalho permanente e continuado para melhorar a qualidade do gasto público”, disse a Presidente recém-eleita em 2011. Quatro anos mais tarde, abandonaria a meta de superávit primário devido ao descontrole do gasto público e à má gestão da política fiscal. A incompetência fiscal levaria o país a perder o grau de investimento e a enfrentar uma crescente trajetória da dívida ante um orçamento engessado por benesses e generosidades perversas.
Chegou à Presidência com o Brasil nas mãos e ideia fixa na cabeça. Reformular tudo. “O investimento público é essencial como indutor do investimento privado e como instrumento de desenvolvimento regional. O PAC, Programa de Aceleração do Crescimento, continuará sendo um instrumento de coesão da ação governamental e coordenação voluntária dos investimentos estruturais dos estados e municípios. Será também vetor de incentivo ao investimento privado, valorizando todas as iniciativas de constituição de fundos privados de longo prazo.” Infelizmente, nada disso se concretizaria — a taxa de investimento da economia brasileira passaria por inexorável declínio em túnel escuro que culminaria no monstruoso escândalo de corrupção na Petrobras, envolvendo boa parte das empreiteiras responsáveis por executar as obras do PAC.
A Petrobras. “O pré-sal é nosso passaporte para o futuro, mas só o será plenamente, queridas brasileiras e queridos brasileiros, se produzir uma síntese equilibrada de avanço tecnológico, avanço social e cuidado ambiental. Sua própria descoberta é resultado do avanço tecnológico brasileiro e de uma moderna política de investimentos em pesquisa e inovação. Seu desenvolvimento será fator de valorização da empresa nacional e seus investimentos serão geradores de milhares de novos empregos. O grande agente dessa política foi e é a Petrobras, símbolo histórico da soberania brasileira na produção energética de petróleo.” Pobre Petrobras.
Ela queria ser lembrada como aquela que fora capaz de soltar o Brasil, de uma vez por todas, das amarras que impediam o avanço. “Muita coisa melhorou no nosso país, mas estamos vivendo apenas o início de uma nova era. O despertar de um novo Brasil. Recorro a um poeta da minha terra natal. Ele diz: ‘O que tem de ser tem muita força, tem uma força enorme’.”
A nova era de Dilma Rousseff está prestes a se encerrar diante da demolição causada por ela própria. O que tem de ser tem muita força, uma força enorme.