Repensando o populismo
Todos nós latino-americanos temos a sensação de que nossa história se repete de modo infindável, caracterizada por ciclos irregulares e dramáticos. Nas últimas três décadas, a região foi marcada por governo após governo que desrespeitou as leis básicas da economia, prometendo a igualdade social e a ascensão econômica dos mais desfavorecidos, apenas para entregar-lhes caos […]
Da Redação
Publicado em 17 de março de 2017 às 10h13.
Última atualização em 22 de junho de 2017 às 18h15.
Todos nós latino-americanos temos a sensação de que nossa história se repete de modo infindável, caracterizada por ciclos irregulares e dramáticos. Nas últimas três décadas, a região foi marcada por governo após governo que desrespeitou as leis básicas da economia, prometendo a igualdade social e a ascensão econômica dos mais desfavorecidos, apenas para entregar-lhes caos e pobreza após surtos passageiros de crescimento econômico. A marca de todos esses governos foram ciclos de expansão baseados na expansão desenfreada do crédito e do consumo, no absoluto repúdio às restrições orçamentárias, na exaltação de políticas insustentáveis de redistribuição de renda. Em todos os casos, a desgraça se abateu sobre esses países após alguns anos de bonança, a conta a pagar maior do que muitos dos supostos avanços conquistados.
Trancafiados em nosso labirinto tropical, entendemos o populismo como derivação direta do caudilhismo, o culto à personalidade de um líder carismático cujos traços exibem algum viés autoritário, ainda que se proclamem defensores da democracia. Na América Latina, como muitos desses líderes projetaram uma imagem contrária às elites e a favor dos pobres, defenderam a reforma agrária e os direitos trabalhistas, condenaram a desigualdade de renda, nos acostumamos a associá-los à “esquerda”.
Em pouquíssimos casos tais líderes acabaram por entregar ao menos parte de suas promessas. Na maioria das vezes, levaram seus países a crises financeiras catastróficas, acabando por trazer imensos malefícios ao “povo” que prometeram defender. Jamais deixaram de usufruir da proximidade com as elites que tanto condenaram para garantir sua manutenção no poder. Geralmente, foram responsáveis por algum grau de destruição institucional em seus países – da imprensa livre ao poder judiciário à própria democracria que juravam proteger.
Caudilhos mantinham seu poder sempre amparados por redes de apoio – muitos, senão todos, usaram o poder para o enriquecimento pessoal e para a promoção de seus próprios interesses. A militância caudilhista, antiga e moderna, corroía instituições em prol do caudilho, atacava a imprensa livre, e formava rede de patrulhamento ideológico para facilitar o jogo de fumaça do caudilho: sempre desviar a atenção para os rivais, sempre culpar os rivais por qualquer que fosse a acusação dirigida ao líder, desviando a atenção de quem o ameaçasse.
Por meio dessas lentes tão tipicamente latino-americanas, é interessantíssimo observar o que se passa hoje nos Estados Unidos. Donald Trump é, ao mesmo tempo, um caudilho clássico e um caudilho gringo. Clássico pois sua razão de ser é o culto à sua personalidade – estão aí os “rallies” de campanha que continuam mesmo depois de ter sido eleito para mostrar que é da militância exaltada que ele suga energia e se engrandece. Está aí o círculo intímo formado por Steve Bannon, Kellyanne Conway, Stephen Miller, Sean Spicer e outros fiéis escudeiros, para confundir os adversários com fatos alternativos e adular o caudilho branco.
Está aí o próprio caudilho branco a atacar a imprensa como “inimiga do povo americano”, para chamar o poder judiciário de “partidário e politizado”, para declarar que os serviços de inteligência que investigam suas ligações potenciais com a Rússia de Putin fazem parte do “Estado Profundo”, pura construção Orwelliana. Estão aí também evidências por toda parte de que Trump governa para beneficiar a si mesmo e aos seus negócios espalhados mundo afora. Houvesse um troféu para o caudilho latino-americano representativo, ele preencheria alguns dos quesitos fundamentais para tal premiação.
Contudo, em muitos aspectos, Trump não passa de um caudilho gringo, daqueles que ao não conhecer outro idioma, berra para se fazer entender. Daqueles que não têm a malícia, o jogo de cintura, o jeitinho. Daqueles cuja falta de malícia o levam a defender cortes em leis e programas que hoje beneficiam seus eleitores. Daqueles que tiram o seguro-saúde de sua base, acabam com os programas sociais direcionados à sua base com proposta orçamentária que faria qualquer caudilho latino-americano clássico revirar-se no túmulo. Daqueles que não conseguem compreender que, ao fazer tudo isso, ferem de morte a própria razão de ser do caudilho: sua manutenção no poder.
Intitulei esse artigo “Repensando o Populismo”. Contudo, depois dessas reflexões em escrita de quase fluxo de consciência, concluo que não há nada a repensar. Trump precisa urgentemente visitar a América Latina, conversar com alguns caudilhos ainda vivos, fazer imersão no caudilhismo puro. Em resumo, é preciso tropicalizar Trump para que ao menos se garanta o surto de crescimento que os mercados esperam. Sem isso, haverá apenas estragos. Um desperdício.
Todos nós latino-americanos temos a sensação de que nossa história se repete de modo infindável, caracterizada por ciclos irregulares e dramáticos. Nas últimas três décadas, a região foi marcada por governo após governo que desrespeitou as leis básicas da economia, prometendo a igualdade social e a ascensão econômica dos mais desfavorecidos, apenas para entregar-lhes caos e pobreza após surtos passageiros de crescimento econômico. A marca de todos esses governos foram ciclos de expansão baseados na expansão desenfreada do crédito e do consumo, no absoluto repúdio às restrições orçamentárias, na exaltação de políticas insustentáveis de redistribuição de renda. Em todos os casos, a desgraça se abateu sobre esses países após alguns anos de bonança, a conta a pagar maior do que muitos dos supostos avanços conquistados.
Trancafiados em nosso labirinto tropical, entendemos o populismo como derivação direta do caudilhismo, o culto à personalidade de um líder carismático cujos traços exibem algum viés autoritário, ainda que se proclamem defensores da democracia. Na América Latina, como muitos desses líderes projetaram uma imagem contrária às elites e a favor dos pobres, defenderam a reforma agrária e os direitos trabalhistas, condenaram a desigualdade de renda, nos acostumamos a associá-los à “esquerda”.
Em pouquíssimos casos tais líderes acabaram por entregar ao menos parte de suas promessas. Na maioria das vezes, levaram seus países a crises financeiras catastróficas, acabando por trazer imensos malefícios ao “povo” que prometeram defender. Jamais deixaram de usufruir da proximidade com as elites que tanto condenaram para garantir sua manutenção no poder. Geralmente, foram responsáveis por algum grau de destruição institucional em seus países – da imprensa livre ao poder judiciário à própria democracria que juravam proteger.
Caudilhos mantinham seu poder sempre amparados por redes de apoio – muitos, senão todos, usaram o poder para o enriquecimento pessoal e para a promoção de seus próprios interesses. A militância caudilhista, antiga e moderna, corroía instituições em prol do caudilho, atacava a imprensa livre, e formava rede de patrulhamento ideológico para facilitar o jogo de fumaça do caudilho: sempre desviar a atenção para os rivais, sempre culpar os rivais por qualquer que fosse a acusação dirigida ao líder, desviando a atenção de quem o ameaçasse.
Por meio dessas lentes tão tipicamente latino-americanas, é interessantíssimo observar o que se passa hoje nos Estados Unidos. Donald Trump é, ao mesmo tempo, um caudilho clássico e um caudilho gringo. Clássico pois sua razão de ser é o culto à sua personalidade – estão aí os “rallies” de campanha que continuam mesmo depois de ter sido eleito para mostrar que é da militância exaltada que ele suga energia e se engrandece. Está aí o círculo intímo formado por Steve Bannon, Kellyanne Conway, Stephen Miller, Sean Spicer e outros fiéis escudeiros, para confundir os adversários com fatos alternativos e adular o caudilho branco.
Está aí o próprio caudilho branco a atacar a imprensa como “inimiga do povo americano”, para chamar o poder judiciário de “partidário e politizado”, para declarar que os serviços de inteligência que investigam suas ligações potenciais com a Rússia de Putin fazem parte do “Estado Profundo”, pura construção Orwelliana. Estão aí também evidências por toda parte de que Trump governa para beneficiar a si mesmo e aos seus negócios espalhados mundo afora. Houvesse um troféu para o caudilho latino-americano representativo, ele preencheria alguns dos quesitos fundamentais para tal premiação.
Contudo, em muitos aspectos, Trump não passa de um caudilho gringo, daqueles que ao não conhecer outro idioma, berra para se fazer entender. Daqueles que não têm a malícia, o jogo de cintura, o jeitinho. Daqueles cuja falta de malícia o levam a defender cortes em leis e programas que hoje beneficiam seus eleitores. Daqueles que tiram o seguro-saúde de sua base, acabam com os programas sociais direcionados à sua base com proposta orçamentária que faria qualquer caudilho latino-americano clássico revirar-se no túmulo. Daqueles que não conseguem compreender que, ao fazer tudo isso, ferem de morte a própria razão de ser do caudilho: sua manutenção no poder.
Intitulei esse artigo “Repensando o Populismo”. Contudo, depois dessas reflexões em escrita de quase fluxo de consciência, concluo que não há nada a repensar. Trump precisa urgentemente visitar a América Latina, conversar com alguns caudilhos ainda vivos, fazer imersão no caudilhismo puro. Em resumo, é preciso tropicalizar Trump para que ao menos se garanta o surto de crescimento que os mercados esperam. Sem isso, haverá apenas estragos. Um desperdício.