Paus, tetos e canoas
Vou lhes mostrar com quantos paus se faz uma canoa. Em versão afirmativa, a expressão popular significa que quem a profere sabe corrigir algo que não funciona a contento, que vai dar jeito em algo que precisa de um corretivo. Com quantos paus se faz uma canoa? Em versão inquisitiva, a expressão revela dúvidas sobre quais são as […]
Da Redação
Publicado em 7 de outubro de 2016 às 12h16.
Última atualização em 22 de junho de 2017 às 18h19.
Vou lhes mostrar com quantos paus se faz uma canoa . Em versão afirmativa, a expressão popular significa que quem a profere sabe corrigir algo que não funciona a contento, que vai dar jeito em algo que precisa de um corretivo. Com quantos paus se faz uma canoa? Em versão inquisitiva, a expressão revela dúvidas sobre quais são as correções para o problema que se pretende resolver. O governo brasileiro nos tem dito: “ Vou lhes mostrar com quantas reformas se faz o reparo nas contas públicas”. Contudo, as dúvidas permanecem: Com quantos tetos se constrói a sustentabilidade fiscal?
A PEC 241, a proposta de emenda constitucional prestes a ser encaminhada ao Congresso, melhor conhecida como a PEC do Teto, é um dos principais corretivos para a canoa furada brasileira. De acordo com a PEC do Teto, será instituído limite para o crescimento dos gastos primários do governo. O limite é bastante rigoroso. Trata-se de não permitir que o crescimento dos gastos cobertos pelo teto excedam a inflação do ano anterior – ou seja, descontada a inflação, não mais haverá a possibilidade de aumento para determinadas despesas. Ao que tudo indica, a proposta conta com amplo apoio dos partidos da base aliada, e, após a derrota acachapante da oposição na eleições municipais do último domingo, é provável que seja aprovada. Coube ao destino que tivesse de escrever esse artigo antes de saber se habemus teto, mas há mais o que discutir.
Como tem sido dito à exaustão, a PEC do Teto tem alguns furos importantes, o que põe em xeque a capacidade de flutuação da canoa fiscal. Em particular, caso não se tenha a reforma da previdência não haverá sustento suficiente para a embarcação – são os gastos com a Previdência (INSS e outros benefícios) que respondem por 35% da despesa primária que o teto pretende cobrir. Além disso, como já documentaram extensamente os economistas Felipe Salto e José Roberto Afonso, há diversos outros itens da despesa que são hoje reajustados de acordo com regras de indexação incompatíveis com o teto. Também há itens da despesa primária, como gastos com eleições, créditos extraordinários, educação e saúde em 2017, sobre os quais os limites de crescimento de gasto não incidem. Incluindo a Previdência e demais despesas indexadas de forma dissonante com o teto, 51% do gasto primário está, efetivamente, a descoberto. Ou, dito de outro modo, o teto cobre 49% — menos da metade — do gasto primário. Sem contar com os itens extraordinários, que, como diz o próprio nome, são despesas não-antecipadas, e, portanto, não-programadas no orçamento.
Que não haja dúvidas: a PEC 241 é medida necessária, quiçá a medida mais importante que tomará o governo Temer em seu curto horizonte de sobrevivência. Afinal, estamos quase quintuplicando a capacidade de o governo controlar os seus gastos – sem teto, sem reforma da Previdência, controla-se pouco menos de 10% da despesa. Com teto, mas sem reforma da Previdência, é possível ter rédea sobre algo em torno de 49% dos gastos. Não é desprezível a melhora na execução do orçamento e a maior capacidade de inverter, ainda que lentamente, o aumento da dívida pública brasileira. De acordo com contas por mim feitas recentemente, se nada fizéssemos, a dívida saltaria dos atuais 73,6% do PIB – segundo a metodologia do FMI – para cerca de 95% até 2020.
O teto dos gastos é avanço necessário, mas não é pau para toda obra, pau suficiente para construir a canoa. Diante da constatação de que o teto deixa nó parcialmente desatado, é razoável perguntar se não há outras medidas que possam complementar o teto. Antes da remoção de Dilma, antes mesmo de seu afastamento, travava-se no Senado discussão interessante sobre a instituição de um teto para o endividamento, conforme previsto pela Lei de Responsabilidade Fiscal brasileira. O teto para a dívida, cuja discussão parece ter sido abandonada, seria uma forma de impedir que os 51% dos gastos primários que hoje não são restringidos por nada, sobretudo se a reforma da Previdência não avançar, se traduzam em aumentos indevidos da dívida pública nacional, invertendo os ganhos que teremos com a adoção do teto de gastos.
A dobradinha teto de gastos/teto para a dívida parece uma boa maneira de reforçar a canoa caso não seja possível aprovar a contenciosa reforma da Previdência. A última coisa que se quer depois de todo esse esforço, afinal, é entoar a velha cantiga infantil.
A canoa virou
Deixaram ela virar
Foi por causa do governo
Que não soube remar
Vou lhes mostrar com quantos paus se faz uma canoa . Em versão afirmativa, a expressão popular significa que quem a profere sabe corrigir algo que não funciona a contento, que vai dar jeito em algo que precisa de um corretivo. Com quantos paus se faz uma canoa? Em versão inquisitiva, a expressão revela dúvidas sobre quais são as correções para o problema que se pretende resolver. O governo brasileiro nos tem dito: “ Vou lhes mostrar com quantas reformas se faz o reparo nas contas públicas”. Contudo, as dúvidas permanecem: Com quantos tetos se constrói a sustentabilidade fiscal?
A PEC 241, a proposta de emenda constitucional prestes a ser encaminhada ao Congresso, melhor conhecida como a PEC do Teto, é um dos principais corretivos para a canoa furada brasileira. De acordo com a PEC do Teto, será instituído limite para o crescimento dos gastos primários do governo. O limite é bastante rigoroso. Trata-se de não permitir que o crescimento dos gastos cobertos pelo teto excedam a inflação do ano anterior – ou seja, descontada a inflação, não mais haverá a possibilidade de aumento para determinadas despesas. Ao que tudo indica, a proposta conta com amplo apoio dos partidos da base aliada, e, após a derrota acachapante da oposição na eleições municipais do último domingo, é provável que seja aprovada. Coube ao destino que tivesse de escrever esse artigo antes de saber se habemus teto, mas há mais o que discutir.
Como tem sido dito à exaustão, a PEC do Teto tem alguns furos importantes, o que põe em xeque a capacidade de flutuação da canoa fiscal. Em particular, caso não se tenha a reforma da previdência não haverá sustento suficiente para a embarcação – são os gastos com a Previdência (INSS e outros benefícios) que respondem por 35% da despesa primária que o teto pretende cobrir. Além disso, como já documentaram extensamente os economistas Felipe Salto e José Roberto Afonso, há diversos outros itens da despesa que são hoje reajustados de acordo com regras de indexação incompatíveis com o teto. Também há itens da despesa primária, como gastos com eleições, créditos extraordinários, educação e saúde em 2017, sobre os quais os limites de crescimento de gasto não incidem. Incluindo a Previdência e demais despesas indexadas de forma dissonante com o teto, 51% do gasto primário está, efetivamente, a descoberto. Ou, dito de outro modo, o teto cobre 49% — menos da metade — do gasto primário. Sem contar com os itens extraordinários, que, como diz o próprio nome, são despesas não-antecipadas, e, portanto, não-programadas no orçamento.
Que não haja dúvidas: a PEC 241 é medida necessária, quiçá a medida mais importante que tomará o governo Temer em seu curto horizonte de sobrevivência. Afinal, estamos quase quintuplicando a capacidade de o governo controlar os seus gastos – sem teto, sem reforma da Previdência, controla-se pouco menos de 10% da despesa. Com teto, mas sem reforma da Previdência, é possível ter rédea sobre algo em torno de 49% dos gastos. Não é desprezível a melhora na execução do orçamento e a maior capacidade de inverter, ainda que lentamente, o aumento da dívida pública brasileira. De acordo com contas por mim feitas recentemente, se nada fizéssemos, a dívida saltaria dos atuais 73,6% do PIB – segundo a metodologia do FMI – para cerca de 95% até 2020.
O teto dos gastos é avanço necessário, mas não é pau para toda obra, pau suficiente para construir a canoa. Diante da constatação de que o teto deixa nó parcialmente desatado, é razoável perguntar se não há outras medidas que possam complementar o teto. Antes da remoção de Dilma, antes mesmo de seu afastamento, travava-se no Senado discussão interessante sobre a instituição de um teto para o endividamento, conforme previsto pela Lei de Responsabilidade Fiscal brasileira. O teto para a dívida, cuja discussão parece ter sido abandonada, seria uma forma de impedir que os 51% dos gastos primários que hoje não são restringidos por nada, sobretudo se a reforma da Previdência não avançar, se traduzam em aumentos indevidos da dívida pública nacional, invertendo os ganhos que teremos com a adoção do teto de gastos.
A dobradinha teto de gastos/teto para a dívida parece uma boa maneira de reforçar a canoa caso não seja possível aprovar a contenciosa reforma da Previdência. A última coisa que se quer depois de todo esse esforço, afinal, é entoar a velha cantiga infantil.
A canoa virou
Deixaram ela virar
Foi por causa do governo
Que não soube remar