Os alquimistas dos bancos centrais
Os alquimistas estão chegando, já chegaram os alquimistas. Os alquimistas estão chegando, estão perdidos os alquimistas. Os alquimistas do Fed decidiram, de forma controvertida e discordante, não mexer nos juros americanos agora, mas sinalizar que ainda podem aumentá-los neste ano. Os alquimistas do Banco do Japão resolveram alterar regras herméticas de destilação e fixação. Em […]
Da Redação
Publicado em 23 de setembro de 2016 às 11h44.
Última atualização em 22 de junho de 2017 às 18h34.
Os alquimistas estão chegando, já chegaram os alquimistas. Os alquimistas estão chegando, estão perdidos os alquimistas. Os alquimistas do Fed decidiram, de forma controvertida e discordante, não mexer nos juros americanos agora, mas sinalizar que ainda podem aumentá-los neste ano. Os alquimistas do Banco do Japão resolveram alterar regras herméticas de destilação e fixação. Em vez de tornar as taxas de juro de prazo curto mais negativas — a inversão da lógica convencional de que quem deve algo ao credor paga —, anunciaram que as taxas longas não deverão se alterar no futuro em relação ao nível atual. Perseverantes, os alquimistas japoneses querem a coagulação inflacionária: disseram que nada farão, mesmo depois de a inflação alcançar 2%. Deixaram claro que pretendem que a inflação fique acima dos 2% por algum tempo.
Há oito anos passam os bancos centrais por tempos difíceis. Nos Estados Unidos, o Fed peleja para engatar a marcha de uma recuperação que permanece tímida, sem energia. Nesses oito anos, a taxa de desemprego caiu, a renda das famílias aumentou um pouco, a economia cresceu. Contudo, nada disso foi ainda o suficiente para afastar a sensação de fragilidade dessas conquistas, razão para a cautela extrema que se tem observado no comportamento da autoridade monetária americana. É verdade que a inflação também já saiu dos baixíssimos patamares em que estava, e que a elevação mais forte dos salários vista, sobretudo, no ano passado pode ser sinal de que os preços podem começar a ganhar fôlego.
Para quem lê tais palavras do Brasil, parece que os Estados Unidos e os demais países desenvolvidos vivem num universo paralelo. A inflação deles não vem, a nossa não cede com facilidade, mesmo diante da pior recessão já vivida. O dilema dos alquimistas do Fed é encontrar a pedra filosofal, aquela que tranformará seus esforços desde a crise de 2008 em ouro — o crescimento mais acelerado e a disseminação mais rápida dos empregos, sobretudo para a classe média.
No Japão, a história é ainda mais complicada. O Japão já tentou de tudo em termos de alquimia monetária. Tentou comprar títulos do governo como nenhum Banco Central o fez, expandindo fortemente seu balanço. Entrou no terreno nebuloso das taxas de juro negativas, em que os bancos pagam o Banco do Japão pelo privilégio de lá deixar suas reservas, seus depósitos excedentes. As iniciativas não funcionaram a contento. Depois de enfraquecer um pouco o iene, permitindo que as empresas se beneficiassem e criando a esperança de que voltassem a investir resgatando o crescimento, a moeda japonesa inverteu tendência. Não apenas isso, mas as famílias japonesas não se sentiram compelidas a consumir mais ante os esforços do Banco Central japonês. O resultado é que o país continua a enfrentar não só níveis baixíssimos de crescimento como também pressões deflacionárias, isto é, a queda generalizada de preços. A deflação é algo tão danoso quanto a inflação alta, sobretudo quando há muita dívida. Quando o nível geral de preços cai, o PIB nominal cai, a relação dívida/PIB aumenta. A razão dívida/PIB no Japão é das mais altas do planeta, 229%, ou mais que o triplo da dívida brasileira em percentual do produto interno bruto.
A mudança na política monetária japonesa pretende alcançar dois objetivos: primeiramente, deixar claro a todos que a postura de lassidão monetária será mantida por mais tempo do que se imaginava; em segundo lugar, avisar aos navegantes — empresas, consumidores — que o Banco do Japão deixará a inflação subir além da meta sem nada fazer para contê-la. No primeiro caso, a esperança é que os poupadores japoneses, compradores de dívida pública, ao observarem rendimentos limitados no longo prazo, decidam consumir em vez de comprar mais dívida pública. No segundo, a esperança é que empresas e consumidores convençam-se de que, se a inflação há de subir à frente, o melhor a fazer é gastar agora, quando os preços ainda estão baixos.
A lógica dos alquimistas, seja do lado de cá, seja do lado de lá, não é falha. Contudo, o que falta no debate acerca da margem de manobra para os bancos centrais mundo afora é discussão sobre as sinergias entre a política monetária e a política fiscal. Pouco adianta manter os juros baixos se a postura fiscal for de mais cautela, impedindo a elevação dos déficits públicos. Se a população não acredita no fisco imprudente, se a população crê que aquilo que é dado com uma mão (os juros baixos) será retirado com a outra (a contenção fiscal), o povo não se mexe.
Neste mundo de cabeça para baixo, onde se pede mais e mais a imprudência fiscal nas economias avançadas, os alquimistas estão perdidos. Nem discretos, tampouco silenciosos, sua perseverança se esvai em vasos de vidro e potes de louça quebrados. A macroeconomia, conforme a conhecíamos, está quebrada.
Os macroeconomistas estão aturdidos, estão aturdidos os macroeconomistas.
Os alquimistas estão chegando, já chegaram os alquimistas. Os alquimistas estão chegando, estão perdidos os alquimistas. Os alquimistas do Fed decidiram, de forma controvertida e discordante, não mexer nos juros americanos agora, mas sinalizar que ainda podem aumentá-los neste ano. Os alquimistas do Banco do Japão resolveram alterar regras herméticas de destilação e fixação. Em vez de tornar as taxas de juro de prazo curto mais negativas — a inversão da lógica convencional de que quem deve algo ao credor paga —, anunciaram que as taxas longas não deverão se alterar no futuro em relação ao nível atual. Perseverantes, os alquimistas japoneses querem a coagulação inflacionária: disseram que nada farão, mesmo depois de a inflação alcançar 2%. Deixaram claro que pretendem que a inflação fique acima dos 2% por algum tempo.
Há oito anos passam os bancos centrais por tempos difíceis. Nos Estados Unidos, o Fed peleja para engatar a marcha de uma recuperação que permanece tímida, sem energia. Nesses oito anos, a taxa de desemprego caiu, a renda das famílias aumentou um pouco, a economia cresceu. Contudo, nada disso foi ainda o suficiente para afastar a sensação de fragilidade dessas conquistas, razão para a cautela extrema que se tem observado no comportamento da autoridade monetária americana. É verdade que a inflação também já saiu dos baixíssimos patamares em que estava, e que a elevação mais forte dos salários vista, sobretudo, no ano passado pode ser sinal de que os preços podem começar a ganhar fôlego.
Para quem lê tais palavras do Brasil, parece que os Estados Unidos e os demais países desenvolvidos vivem num universo paralelo. A inflação deles não vem, a nossa não cede com facilidade, mesmo diante da pior recessão já vivida. O dilema dos alquimistas do Fed é encontrar a pedra filosofal, aquela que tranformará seus esforços desde a crise de 2008 em ouro — o crescimento mais acelerado e a disseminação mais rápida dos empregos, sobretudo para a classe média.
No Japão, a história é ainda mais complicada. O Japão já tentou de tudo em termos de alquimia monetária. Tentou comprar títulos do governo como nenhum Banco Central o fez, expandindo fortemente seu balanço. Entrou no terreno nebuloso das taxas de juro negativas, em que os bancos pagam o Banco do Japão pelo privilégio de lá deixar suas reservas, seus depósitos excedentes. As iniciativas não funcionaram a contento. Depois de enfraquecer um pouco o iene, permitindo que as empresas se beneficiassem e criando a esperança de que voltassem a investir resgatando o crescimento, a moeda japonesa inverteu tendência. Não apenas isso, mas as famílias japonesas não se sentiram compelidas a consumir mais ante os esforços do Banco Central japonês. O resultado é que o país continua a enfrentar não só níveis baixíssimos de crescimento como também pressões deflacionárias, isto é, a queda generalizada de preços. A deflação é algo tão danoso quanto a inflação alta, sobretudo quando há muita dívida. Quando o nível geral de preços cai, o PIB nominal cai, a relação dívida/PIB aumenta. A razão dívida/PIB no Japão é das mais altas do planeta, 229%, ou mais que o triplo da dívida brasileira em percentual do produto interno bruto.
A mudança na política monetária japonesa pretende alcançar dois objetivos: primeiramente, deixar claro a todos que a postura de lassidão monetária será mantida por mais tempo do que se imaginava; em segundo lugar, avisar aos navegantes — empresas, consumidores — que o Banco do Japão deixará a inflação subir além da meta sem nada fazer para contê-la. No primeiro caso, a esperança é que os poupadores japoneses, compradores de dívida pública, ao observarem rendimentos limitados no longo prazo, decidam consumir em vez de comprar mais dívida pública. No segundo, a esperança é que empresas e consumidores convençam-se de que, se a inflação há de subir à frente, o melhor a fazer é gastar agora, quando os preços ainda estão baixos.
A lógica dos alquimistas, seja do lado de cá, seja do lado de lá, não é falha. Contudo, o que falta no debate acerca da margem de manobra para os bancos centrais mundo afora é discussão sobre as sinergias entre a política monetária e a política fiscal. Pouco adianta manter os juros baixos se a postura fiscal for de mais cautela, impedindo a elevação dos déficits públicos. Se a população não acredita no fisco imprudente, se a população crê que aquilo que é dado com uma mão (os juros baixos) será retirado com a outra (a contenção fiscal), o povo não se mexe.
Neste mundo de cabeça para baixo, onde se pede mais e mais a imprudência fiscal nas economias avançadas, os alquimistas estão perdidos. Nem discretos, tampouco silenciosos, sua perseverança se esvai em vasos de vidro e potes de louça quebrados. A macroeconomia, conforme a conhecíamos, está quebrada.
Os macroeconomistas estão aturdidos, estão aturdidos os macroeconomistas.